Por Rodrigo Sánchez
Vamos começar desfazendo um mal-entendido. Compreenda a homossexualidade como condição, não como opção. Acredite, ninguém vira gay. Ser gay não é uma escolha. A única opção que alguém pode fazer, neste caso, é aceitar ou não a sua natureza. Ainda assim, a aceitação é um processo bastante complicado, que, apesar de determinante para a felicidade do homossexual e das pessoas que o cercam, não depende só dele.
Gays convivem desde a infância com a rejeição e a associação da homossexualidade ao sentimento de vergonha, em maior ou menor escala, nos mais diversos ambientes. Uns aprendem a passar por cima disso, outros não. Antes de criticar alguém por não se assumir, entenda que você pode ser parte do que faz com que essa pessoa se mantenha assim. Ninguém assume um papel do qual não se orgulha.
Se acha isso ruim, ajude a mudar essa situação com compreensão e respeito.
Quando discursos como os de Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, que defendem a “família” e os “bons costumes”, são valorizados por uma parcela crescente da sociedade, uma ameaça perigosa ganha força. Mais que bastante questionáveis, posturas assim são agentes legitimadores da violência em todas as suas variações. Entenda:
Uma criança que nasce gay e cresce no seio de uma família repressora tem, basicamente, três destinos predeterminados na vida: 1. aceitar a sua condição e ser feliz, geralmente longe dos parentes; 2. cometer suicídio, ou 3. absorver esses valores, crescer rejeitando a sua sexualidade, formar uma família heterossexual e manter relações extraconjugais com pessoas do mesmo sexo.
Saber que as alternativas 2 e 3 são assustadoramente comuns basta para chegarmos à conclusão de que alguma coisa está errada.
O discurso da família e dos bons costumes pode convencer muita gente, mas, da maneira como é passado adiante, serve de base para uma série de tragédias pessoais que interrompem e afetam gravemente o curso de histórias que poderiam ter um fim muito diferente.
É muito comum que as pessoas associem a homossexualidade à prática da pedofilia. Por favor, não. Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. A pedofilia é um desvio sexual que pode acometer pessoas de qualquer orientação.
Seus filhos não correm mais risco ao serem deixados sozinhos com um gay que com um heterossexual. A pedofilia é uma questão independente da orientação de cada um. Pior: muitas vezes a violência está dentro de casa e vem de quem menos se espera.
Sexualidade e identidade de gênero não devem ser encarados como conceitos engessados, mas é preciso compreender que existem diversas tendências de comportamento e que a palavra gay não dá conta de todas elas.
A homossexualidade pode ou não estar associada à transgeneridade, à transexualidade etc., o que significa que, não, um gay não vai necessariamente se transformar aos poucos numa figura que se apresenta à sociedade como a do sexo oposto.
Não existe uma “evolução” gradativa da homossexualidade (o que desmonta a teoria de Jair Bolsonaro, que diz que falta pouco para que rapazes cheguem em casa com unhas pintadas e batom, pois já usam brincos). A questão da identidade de gênero é uma necessidade maior, inerente a cada indivíduo. Naturalizar e respeitar essa necessidade não vai incentivar que as pessoas adotem esse comportamento do nada, do zero. Vai, sim, permitir a quem já tem essa necessidade a possibilidade de expressar a sua natureza com orgulho e dignidade.
E se esta for a vontade de alguém próximo, qual é o problema? Tem dúvidas sobre como agir? Marcelo Tas ajuda a responder essa questão.
Certa vez conheci uma senhora, a dona Ana, com quem conversei por algum tempo num trajeto qualquer de ônibus. Eu a ajudei a passar com uma bolsa pesada pela roleta e me sentei próximo dela ao longo da viagem.
Gosto de ouvir histórias e costumo dedicar mais atenção do que as pessoas esperam ao que elas têm a me contar. Conheci alguns detalhes da vida da dona Ana, contei algo da minha rotina e lá estávamos nós em mais um desses esbarrões inesperados que nos brindam com um pouco mais de humanidade em meio à correria mecanizada e antipática do dia a dia.
Até que, pouco antes de fazer sinal para descer no ponto seguinte, a dona Ana resolveu me elogiar. Para ela, eu era “um rapaz à moda antiga, educado e atencioso como há muito não se vê, bem diferente dessa juventude cheia de coisas erradas que faz do mundo algo cada dia pior”. E aí ela fez referências a jovens drogados, mimados, acomodados… e aos homossexuais.
Talvez ela tivesse repensado essa opinião se pudéssemos ter conversado por mais alguns minutos. Não deu. Então, penso: quer dizer que a questão da sexualidade faria todos os elogios caírem por terra? Talvez não, mas, assim como me pareceu ser com a dona Ana, muita gente não consegue conceber a ideia de que um gay possa ser uma pessoa com boas qualidades.
Admire as pessoas pelo que elas são, não pela sua sexualidade.
Muitos pais relatam que aceitam a homossexualidade dos filhos, mas têm medo que eles sejam influenciados a experimentar drogas ou adotar um comportamento promíscuo.
Se você tem filhos, essa preocupação não deveria depender da orientação sexual deles. O conceito amedrontador de um pretenso grupo de risco, teoricamente mais exposto a determinados problemas, dá lugar, hoje, à ideia de conduta de risco. Sejamos hétero ou homossexuais, não estamos a salvo de qualquer coisa e não devemos estigmatizar as pessoas.
Todo produto cultural tem uma função social. Você pode achar as novelas da Globo um lixo, mas não pode negar que, bem ou mal, elas são fonte de diversos debates e ajudam, consequentemente, a construir parte da identidade nacional.
Precisamos começar a consumir esses produtos com mais senso crítico. Se um enredo nos apresenta a uma neta que bate nos avós, ele não quer ensinar que netos devem bater em avós. A intenção do autor é exatamente o contrário: mostrar quão abominável é bater nos avós.
A presença cada vez mais frequente de gays na TV não quer (nem seria capaz de) influenciar qualquer pessoa a se tornar gay, mas ajudar a naturalizar uma realidade que precisa ser tolerada pela sociedade. Pode influenciar, no máximo, um gay que se esconde de si e dos outros a ter mais orgulho de quem é, diferentemente do que tantas pessoas o fizeram crer ao longo da vida. E não, isso não é ruim.
Já a exploração de estereótipos exagerados e que nem sempre representam a comunidade gay com o respeito que deveriam é papo para outro momento.
Em 2013, um homossexual foi assassinado a cada 28 horas no Brasil. Criminalizar a homofobia é preciso, entre outros motivos, porque o nosso país é recordista mundial em crimes motivados especificamente por ódio à população LGBT. Uma lei que favoreça essas pessoas pode reduzir a impunidade e ajudar a tirar o país desse vergonhoso ranking.
O casamento civil igualitário, por sua vez, dá aos casais homossexuais, que são mais uma entre as diversas novas concepções de família, todas dignas de respeito, os direitos que casais héteros têm desde sempre. Por que o tratamento deveria ser diferente? Por que se opor, por exemplo, à adoção, por parte de casais gays, de órfãos e crianças abandonadas? Isso não ameaça a família tradicional.
10. Os gays não querem dominar o mundo nem converter você ou os seus filhos.
Não absorva a causa gay como uma imposição de valores. Ela é uma luta por respeito e igualdade. Nenhum homossexual em sã consciência quer varrer o mundo com uma tsunami gay. Termos como “ditadura gayzista” e “heterofobia” não fazem sentido simplesmente porque a causa gay não pretende (nem é capaz de) impor qualquer comportamento ou “destruir a família”. Você acha que vai se tornar gay depois que o casamento civil igualitário e a criminalização da homofobia se tornarem realidade? Eu respondo por você: não, ninguém vai. E mais: preservar e incentivar a tolerância e o amor que existem nas crianças não é capaz de “convertê-las” à homossexualidade. Nada será capaz disso se elas não forem homossexuais. É básico.
Entenda, ainda, que o que se diz deixa de ser opinião e se torna um discurso de ódio a partir do momento em que fere os direitos de outra pessoa e incita a violência. “Enfrentar a minoria” e “tratar os homossexuais longe daqui”, como propôs o ex-candidato à presidência Levy Fidelix em rede nacional, é, mais que uma postura absurda, uma legitimação à intolerância que fere gravemente a dignidade de centenas de milhares de pessoas e leva a casos como este:
Confundidos com casal gay, pai e filho são espancados em São Paulo
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
Imagem de capa: Shutterstock/Marc Bruxelle
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