Por Rafael Guerrero Tomás para o El País
O ser humano tem enorme facilidade de transformar desejos (o que quero) em necessidades (o que preciso). Não é nada raro escutar comentários do tipo “preciso me casar para ser feliz”, “é imprescindível que eu consiga viajar à Índia” e “sem meu café da manhã não sou ninguém”. Mesmo que nos custe a acreditar, tudo isso são coisas das quais gozamos, mas não são necessárias à sobrevivência do ser humano. É por isso que é importante que entendamos a diferença entre necessidades e desejos.
Podemos dizer que as necessidades são básicas à sobrevivência de qualquer ser humano. As necessidades estão na base da famosa pirâmide descrita por Abraham Maslow, onde encontramos, além das necessidades fisiológicas como a alimentação, a hidratação e o descanso, as necessidades emocionais e afetivas. Desse tipo de necessidades falaremos com detalhes mais adiante. Por outro lado, os desejos não são necessários à nossa sobrevivência. Podem ser coisas que ansiamos e nos motivam, mas sua consecução não coloca nossa vida em risco. Vejamos um exemplo. Eu posso desejar fervorosamente ganhar a loteria. E mais, posso fantasiar e imaginar o que faria com esse dinheiro. Mas o fato de não ganhar a loteria não significa que minha sobrevivência esteja em risco.
Por outro lado, as necessidades que iremos detalhar a seguir são de fato imprescindíveis a uma boa saúde mental de nossos filhos. A seguir, iremos enumerar as 15 necessidades emocionais e afetivas de toda criança e adolescente (também podemos incluir os adultos, evidentemente). Quanto mais ações você realizar com seus filhos para satisfazê-las no dia a dia, melhor:
Todos os dias devemos dizer a nossos filhos o quanto os amamos, como sentimos sua falta no trabalho e como estamos orgulhosos de como são. Isso é fundamental para uma boa autoestima. Não basta pensá-lo, devemos dizê-lo e agir em consequência disso. Se hoje você não disse a seu filho que o ama, tente fazer com que seja a primeira coisa a dizê-lo quando o vir.
A ideia de que as crianças precisam de tempo de qualidade com seus pais sem que a quantidade importe é falsa.
Como uma pessoa se transformou em um grande cirurgião e desempenha tão bem sua profissão? A chave está em ter um grande professor e em muitas horas de dedicação. O mesmo acontece com a regulação emocional. As crianças precisam que seus pais lhes ensinem a identificar e gerir suas emoções. A partir daí tudo vai melhorando em função da experiência. O problema ocorre quando os pais não sabem regular suas próprias emoções. Se eles não sabem, como irão ensinar seus filhos. Dificilmente. Por isso, se você tem alguma dificuldade em gerir suas próprias emoções, procure ajuda antes de ensinar a seu filho. Se queremos que nossos filhos no futuro sejam capazes de autorregular suas emoções, é imprescindível que agora que são pequenos lhes heterorregulemos suas emoções, ou seja, que aprendam a regular suas emoções com nossa ajuda.
A ideia de que as crianças precisam de tempo de qualidade com seus pais sem que a quantidade importe é completamente falsa. Em minha opinião é uma ideia criada para aqueles pais que trabalham muitas horas e dedicam, consequentemente, pouco tempo aos seus filhos não se sintam muito mal por isso. Por isso é completamente falsa. As crianças precisam de muito tempo de convivência com seus pais (quantidade) e com dedicação máxima (qualidade). Não é estar somente no mesmo quarto e lugar que eles, mas com dedicação exclusiva (brincadeiras, tarefas divididas, lição de casa, passatempos, etc.).
As crianças precisam de uma estimulação suficiente e adequada. Passado esse mínimo de estimulação, não se conseguem maiores aprendizagens.
Esse é o primeiro pilar se queremos fomentar um apego seguro em nossos filhos. Uma criança não pode se sentir segura se nunca foi protegida. A segurança é o contexto a partir do qual virão as próximas características do apego seguro. Proteger nossos filhos quando sentem medo, temor, raiva e tristeza é nossa função. Se alguma vez você não o fez, recomendo que a partir de agora ajude e acalme seu filho sempre que ele experimentar alguma emoção desagradável e que não saiba lidar por si só.
É imprescindível que estejamos em sintonia emocional com nossos filhos, ou seja, que atendamos, legitimemos e conectemos com as emoções que estão experimentando. Assim, por exemplo, um pai estará em sintonia emocional com seu filho quando, diante de uma situação concreta, este lhe mostrar seu medo e raiva, e o pai compreender e atender o que se passa com seu filho. Consiste em estar receptivo diante das necessidades da criança. É como conectar por Wi-Fi nosso hemisfério direito, que é o emocional, com seu hemisfério direito. Se não o fez em um número importante de vezes, tente fazê-lo, pois não se conectar com suas emoções e afetos tem repercussões negativas.
Quando estabelecemos limites e os explicitamos a nossos filhos estamos dizendo a eles “eu te amo.”
A responsividade é a parte que vem na sequência da conexão emocional. Para poder ser responsivo, para não dizer responsável, precisei me conectar emocionalmente com meu filho, se não seria impossível. A responsividade consiste em dar à criança o que ela precisa. Não consiste em realizar seus caprichos, mas em realizar e cobrir suas necessidades. Como dizíamos no começo, as necessidades não são negociadas uma vez que são imprescindíveis à sobrevivência. A mãe ou pai que é responsivo é aquele que dá à criança aquilo que ela realmente precisa. Se diante de uma briga de nosso filho com um amigo ele se mostra preocupado e nós lhe dizemos que não enrole mais e vá fazer a lição de casa que é o que importa, não estamos sendo responsivos porque não estamos atendendo sua necessidade. Costumamos ser responsivos habitualmente com nossos filhos? Dedique alguns segundos pensando sobre isso.
Os pais não são amigos de seus filhos. Também não somos seus criados, mas às vezes pode parecer. Somos seus pais, e devemos assumir o papel que isso significa. Estamos realmente exercendo o papel de pais ou às vezes nos comportamos como colegas de nossos filhos?
Uma das obrigações dos pais é implantar uma série de normas e limites no contexto familiar. Nossos filhos precisam de regras. É algo tão necessário como saudável. Imaginam uma cidade sem semáforos e sem placas de trânsito? Não seria um verdadeiro caos? Acontece a mesma coisa com as crianças. Precisam saber até onde podem chegar e qual é seu perímetro de segurança. Quando estabelecemos limites e explicitamos aos nossos filhos estamos lhes dizendo “te amo”. Coloco limites porque te amo e me importo com você. Refletiram sobre a quantidade de limites que existem em sua família? São muitos, poucos ou inexistentes? É recomendável pensar sobre isso.
Quando respeitamos, aceitamos nossos filhos como são e os avaliamos positivamente, estamos olhando incondicionalmente para eles. Demonstramos que nosso amor para com eles é incondicional, ou seja, não depende de nada. Amamos os filhos por quem eles são e não pelo que fazem e deixam de fazer. Estamos olhando nossos filhos incondicionalmente ou nosso amor para com eles depende de algo (resultados acadêmicos, comportamento, atitude, etc.)?
Há alguns anos, ficou em moda a hiperestimulação das crianças. Levávamos os jovens de um lugar a outro para “espremê-los” ao máximo cognitivamente falando. Precisávamos aproveitar o tempo e a plasticidade cerebral antes que essas janelas se fechassem. Hoje em dia sabemos que as crianças precisam de uma estimulação suficiente e adequada. Passado esse mínimo de estimulação, não se conseguem maiores aprendizagens, mas exatamente o contrário: exigências, estresse e hiperestimulação. O slogan que diz que quanto antes e mais estimularmos nossos filhos, melhor, é falso. Os pais devem repensar como enfocar, por exemplo, as atividades extraescolares de nossos filhos? Certamente sim.
Dizíamos antes que a primeira característica do apego seguro era a proteção. Pois bem, a outra face da moeda da proteção e segurança consiste em favorecer a autonomia, o que é a mesma coisa, favorecer sua curiosidade e seu espírito aventureiro e explorador. Viemos a esse mundo com a emoção da curiosidade no kit de sobrevivência, o que nos faz ter muita vontade de aprender coisas novas. É de vital importância, não só que achemos bom que nossos filhos sejam curiosos, mas que os convidemos a fazê-lo.
Para o ser humano e para muitos outros mamíferos é de vital importância sentir-se parte de um grupo. Já viram nos documentários de quais são os lugares que os filhotes mais jovens ocupam? Geralmente costumam ir no centro, ou seja, no lugar de maior segurança e proteção. Daí vem a importância do grupo e da manada. O fato de nos sentir parte de um grupo ou de vários aumenta as probabilidades de sobrevivência. Uma das características que as crianças que sofrem assédio escolar costumam ter é não pertencer a nenhum grupo. É muito importante que nossos filhos pertençam, no mínimo, de um grupo, senão de mais. Estamos fazendo um bom trabalho como pais para favorecer o âmbito social de nossos filhos? Esse âmbito é tão importante quanto o acadêmico, não? Se concordamos, dou como certo que nunca castigamos os resultados acadêmicos ruins com não sair com os amigos e ir aos jogos de futebol, não?
A capacidade reflexiva se refere a pensar sobre o que nos acontece, como estamos fazendo, como nos sentimos, nossa evolução e progressos, etc. É importante que ajudemos nossos filhos a aprender a pensar sobre as emoções que sentem, o que pensam, como se comportam, etc. Também é um trabalho muito interessante para nós como adultos.
Ao longo dos primeiros meses e anos de vida, ocorre um processo de diferenciação entre o bebê/criança e a mãe, já que no começo o pequeno não o faz. Com o passar do tempo devemos favorecer nas crianças essa identidade própria que nos diferencia do restante das pessoas.
A magia é um dos mecanismos de defesa mais fortes que as crianças têm. Os adultos costumam chamar de autoengano. Tudo o que tem a ver com a magia, o oculto, o divino e o fantasioso é algo que cativa todas as crianças. O que um mistério significa é algo que “encanta” as crianças. Aprendemos a utilizar e a colocar do nosso lado a magia e a fantasia.
Não é minha intenção fazer com que algum pai ou mãe se sinta mal. Exatamente o contrário. Espero que essas 15 necessidades básicas sirvam para que vocês vejam o que nossos filhos realmente precisam. Espero que sirva para refletir sobre o ponto em que estamos e de que forma estamos assumindo o papel de pais. Com certeza estamos desempenhando-o bem, mas um pouco de reflexão não é má ideia.
Imagem de capa: Shutterstock, pyrozhenka
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