Por Dr Ivan Mario Braun
O transtorno de personalidade borderline (TBP) se caracteriza por um padrão de instabilidade generalizada nas relações interpessoais, na auto-imagem e na afetividade da pessoa e uma acentuada impulsividade. Para que, em psiquiatria, alguém seja diagnosticado com este transtorno, requer-se a presença de uma série de comportamentos; pelos critérios da Associação Psiquiátrica Americana, pelo menos cinco dos seguintes (1):
- Frenéticos esforços para evitar abandono real ou imaginário: por exemplo, quando alguém ameaça abandonar a pessoa com borderline, esta reage com promessas para evitar o abandono e, quando não consegue seu objetivo, continua tentando através de ameaças
- Padrão instável e intenso de relacionamentos interpessoais, em que num momento a pessoa idealiza ao extremo a outra, num sentido positivo e, noutro momento, (geralmente quando se sente frustrada), a desvaloriza por completo: num momento a pessoa é vista como um anjo e noutro, como um demônio
- num momento é considerada genial e, no outro, estúpida. Da mesma forma, a auto-percepção da pessoa é também instável
- Pessoas com borderline frequentemente se envolvem, de modo impusivo, em comportamentos que trazem ou podem trazer graves prejuízos, tais como gastos excessivos, sexo promíscuo, abuso de substâncias, direção imprudente de veículos e episódios de alimentação compulsiva. Também são comuns pensamentos suicidas e tentativas ou ameaças de suicídio, assim como comportamentos de auto-mutilação (por exemplo, cortar-se)
- Por trás desses comportamentos há uma acentuada reatividade do humor a diversas situações, que facilmente despertam intensa disforia (?mau humor?), irritabilidade ou ansiedade. Estas alterações de humor em geral são breves, com duração de horas ou, raras vezes, de dias. Episódios de raiva desproporcional ou descabida podem ocorrer, com crises temperamentais, que podem se associar conflitos físicos recorrentes
- Um sintoma frequente é uma constante sensação de vazio, com descrições de que nada está agradando, nada tem importância e nada é motivador
- Em situações de estresse, a pessoa pode ter ideias de que está sendo perseguida ou apresentar comportamentos dissociativos, caracterizados por uma perda da conexão com a realidade circundante ou perda da vinculação com as próprias emoções e pensamentos. Por exemplo, ao ser sobrecarregada por problemas excessivos, a pessoa passa a comportar-se como se tudo estivesse bem e negar que haja qualquer problema. Acredita-se que não se trate de uma negação consciente, porém os problemas e os pensamento e emoções negativas simplesmente deixam de existir na mente da pessoa, por um processo de esquiva, de eliminação da consciência acerca deles.
Com tudo isso, como lidar com quem tem borderline?
Em função de toda esta instabilidade e tendências à agressividade para com outros e para consigo mesmo, é difícil lidar com alguém que a gente ama e tem borderline. É frequente que os comportamentos desencadeiem sentimentos de frustração, raiva ou tristeza, em quem está próximo.
Não existe uma “receita de bolo” para se lidar com alguém com borderline, mas há algumas dicas que podem ajudar:
1. Não leve para o pessoal
Procure não levar para um lado pessoal tudo o que diz alguém com borderline, pois o que ele ou ela fala pode ter outras funções que não magoar você como, por exemplo, desviar-se de um assunto delicado sobre o qual se esteja conversando, obter atenção (lembre-se de que a pessoa com borderline precisa muito se sentir amada) ou, simplesmente, dar vazão a alguma frustração.
Por outro lado, isto não significa que nunca se deva prestar atenção ao que diz o portador de transtorno de borderline pois, apesar de muitas vezes não conseguir expressar-se de modo adequado, suas críticas podem ser verdadeiras: é difícil, mas tente analisar com o máximo de imparcialidade o que você ouve – e, se as críticas forem procedentes, não se esqueça de que mudar seu próprio comportamento pode ser um bom exemplo para a pessoa com borderline.
2. Clareza sempre
Seja claro no que pedir à pessoa com este transtorno: mensagens mais breves, menos carregadas de emoções e objetivas frequentemente facilitam a comunicação. Sermões e argumentações, por outro lado, podem aumentar a irritação e levar a discussões infrutíferas ou mesmo a agressões.
3. Haja com coerência
Seja coerente e consequente no que você espera do indivíduo com borderline: o que você aprova ou o que desaprova não podem ficar constantemente mudando, pois isto tende a aumentar a instabilidade da relação. Se hoje você acha um comportamento aceitável, não a puna amanhã pelo mesmo comportamento e, se agora algo for inaceitável, não deve ser diferente daqui a uma hora.
Exemplificando: se sua filha com transtorno de borderline ficar pressionando para você comprar algo para ela e você achar que não deve, mantenha-se firme até o final, senão vai passar a mensagem de que, se ela pressionar o suficiente, você muda de opinião e aí se perde completamente a autoridade. Por outro lado, logicamente, todos podem mudar de opinião e, como escrevi acima, por vezes é inclusive muito bom admitir que você estava errado.
4. Conheça seus limites
Conheça seus próprios limites e os estabeleça: por mais que ame alguém, ultrapassar seus próprios limites, além de trazer sofrimento para você mesmo, pode interferir negativamente em seu relacionamento com a pessoa com borderline. O excesso de dedicação e paciência, além de seus limites, podem levar a raiva e agressões de sua parte ou mesmo a um completo desânimo que vai impedir você de continuar ajudando.
Borderline e situações de crise
Em situações de crises de raiva, agressão ou auto-agressão, procure ter em mente que seu ente querido possui um problema sobre o qual não possui total controle e que também sofre muito por causa disto. Esta postura pode diminuir seus sentimentos de raiva e frustração e ajudar a lidar com a crise.
Cada crise pode ter características e origens diferentes e você precisará, provavelmente, de orientação profissional para aprender a lidar melhor com elas. Aliás, em relação a este aspecto, é importante que você seja atendido por um psicoterapeuta, tanto para aprender a lidar melhor com seu ente querido como para cuidar de si mesmo.
Finalmente, não basta aprender a lidar com as crises agudas mas, entendendo suas origens, procurar preveni-las: transtornos de personalidade não têm uma cura propriamente dita, mas é totalmente possível que ao proporcionar um ambiente adequado e ao aprender a lidar com a pessoa portadora de borderline, ela tenha longos períodos de melhora e, com o tempo, os problemas vão se amenizando.
Referências
(1) Resumidos da 5ª. Edição do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana, DSM 5, acompanhados de exemplos do autor do presente texto.
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Washington, DC.
CheourM, Luhtanen D. Borderline Personality Disorder: Advice for Family Members and Friends Kindle Edition, https://www.amazon.com/Borderline-Personality-Disorder-Members-Friends-ebook/dp/B01CPZ7V2W/ref=sr_1_39?ie=UTF8&qid=1491994658&sr=8-39&keywords=borderline+family , acessado em 12/04/2017
Imagem de capa: Shutterstock/agsandrew
TEXTO ORIGINAL DE MINHA VIDA