Nós sabemos que muitas coisas influenciam a maneira como as informações são transmitidas. Temos o tom de voz, o olhar, a posição corporal, o sorriso. Boa parte de nossa comunicação acontece nas entrelinhas.
É possível também dizer uma coisa e, na verdade, querer dizer outra (tratei disso no texto que fala da agressividade passiva). Ou, ainda, dizer algo, mas com um objetivo de gerar uma reação específica em uma pessoa apenas para controlá-la. Vemos isso nos bajuladores, por exemplo, que controlam pessoas explorando suas vaidades.
Esse tipo de comportamento, quando usado de forma a manipular o outro tem um nome: Gaslighting
Segundo definição da Wikipédia:
“Gaslighting ou gas-lighting é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. Casos de gaslighting podem variar da simples negação por parte do agressor de que incidentes abusivos anteriores já ocorreram, até a realização de eventos bizarros pelo abusador com a intenção de desorientar a vítima.”
O cinema já explorou muito esse tipo de manipulação. Um filme recente que ilustra essa situação é o “O homem invisível“, um longa de terror dirigido por Leigh Whannell e protagonizado pela atriz Elisabeth Moss. (ele pode ser encontrado no Telecine).
Abaixo, listamos 5 categorias de frases que, embora não sejam exclusividade de manipuladores, merecem a nossa atenção uma vez que podem ser utilizadas como uma forma de controle bastante negativa nas relações.
O não responsabilizar-se é uma maneira muito eficiente de gerar culpa no parceiro (a). As pessoas, principalmente as mais empáticas, tendem a se colocar no lugar do outro e se preocupar muito com o que podem causar nessas pessoas. Elas já se sentem “normalmente”” responsáveis. O manipulador, identificando essa vulnerabilidade, utiliza-se de frases que potencializam essa culpa e geram uma sensação de que todo peso da decisão é unilateral.
Alguns exemplos disso são:
“Veja o que você me fez fazer!”
“Você me deixa nervoso e eu preciso beber para me acalmar”
“Eu disse o que eu disse porque você me provocou.”
A, abaixo, o exemplo máximo da manipulação e falta de responsabilização pessoal:
“Se você me deixar, não acabar com a minha vida”
Dizem por aí que não existe mulher que nunca foi chamada de louca. Questionar a sanidade da outra pessoa é uma maneira de torná-la totalmente irresponsável pelos seus atos, além de desacreditá-la socialmente.
Também é possível que a pessoa queira confundiar o próprio parceiro (a), negando categoricamente algo que disse ou fez anteriormente.
Alguns exemplos:
“Isso é coisa da sua cabeça”
“Você não está entendendo”
“Eu não disse isso”
“Acho que você sonhou”
“Alguém colocou isso na sua cabeça. Esse (a) não é você”.
“Você é louca (o)!”
Essa estratégia utiliza-se da compensação para neutralizar a agressão. Ela pode acontecer quando, por um perído, o agressor (a) se comporta “muito bem” ou quando “dá presentes”.
“Eu já me desculpei. E agora, o que mais você quer de mim?”
“Como você pode ainda estar zangada/zangado se eu comprei a moto que você queria?”
“Eu nunca levanto a voz com você e nem nunca te bati. Como pode dizer que não sou uma boa pessoa?”
“Se você realmente me amasse não falaria essas coisas.”
Nos exemplos abaixo, a manipulação joga claramente com a retórica trazendo uma meia verdade que é generalizada de forma a atingir um objetivo específico.
“Onde você estava? Não é que eu não confio no que você faz, é nas outras pessoas que eu não confio”
“Se você confiasse em mim não bloquearia o celular. Se está bloqueado é porque quer esconder algo.”
Esse tipo de frase, no começo, pode ser entendida pelo parceiro (a) como uma forma de amor e preocupação. Entretanto, como todos os exemplos acima, só visa anular a outra pessoa, minar sua estima e torná-la mais manipulável e dependente.
“Eu te digo essas coisas porque sou a única pessoa que realmente gosta de você”
“Eu acho que sua família exige muito de você e coloca “minhocas” na sua cabeça. Você deveria se afastar um pouco deles.”
“Você é uma pessoa ingênua. Eu prefiro que fique em casa e cuide da família.”
“Não pense muito. Só me obedeça porque eu sei o que é melhor para você.”
Uma das formas de controle do parceiro (a) que não envolve frases, mas que é tão manipuladora e cruel quanto é o uso do SILÊNCIO. Deixar de responder, não atender ao telefone, sair sem das satisfações ou qualquer outra estratégia que vise um distanciamento não discutido e que tenha a intenção de punir o parceiro (a) são bons exemplos de controle manipulador.
Outra coisa que é muito importante salientar, é que esse tratamento pode existir e piorar ao longo de muitos anos de uma relação. Quando isso acontece (e acontece muito), a pessoa que é submetida ao controle pode chegar a um estágio de fragilidade e sentimento de menos valia tão intenso que não possui mais forças para reagir e sair da situação (a pessoa teve todas as suas vontades, desejos, estima e autonomia tolhidos ao longo de anos). É exatamente isso que prova que mulher que apanha do marido e continua com ele não faz isso porque é “sem vergonha’ e “gosta de apanhar”. O exemplo, muito usado popularmente, não analisa a história de vida dessas pessoas, até porque, muitos desses comportamentos e frases não são vistos pelas pessoas que estão em volta e, mesmo quando são, podem não ser considerados como negativos: só quem vive entre quatro paredes sabe o que realmente acontece.
1- Mantenha sempre o seu direito a privacidade e autonomia de ir e vir. Lembre-se que, mesmo após o casamento ou dentro de qualquer relação, você continua sendo um ser individual.
2. Conheça-se: quando você sabe quais são suas fraquezas também fica mais fácil perceber que alguém as está usando contra você.
3- Entenda que a vida não possui apenas duas cores: nenhuma decisão deve ter o peso de tudo ou nada. E, sim, você pode amar uma pessoa e discordar dela em vários aspectos também.
4- Nunca se afaste de sua família e amigos devido a um relacionamento. Nós somos seres sociais e precisamos de uma rede de apoio ampla. Essas pessoas nos ajudam e nos ajudam a abrir os olhos quando precisamos delas.
5- Aprenda a dizer não. Em alguns momentos NÃO É NÃO e isso é inegociável, principalmente se dizer sim feriria seus valores pessoais.
6- Fortaleça sua autoestima: quando nos sentimos bem somos menos manipuláveis e também nos preocupamos menos com a opinião dos outros.
E a mais importante:
7- PEÇA AJUDA! Como dissemos, a pessoa que sobre abuso há muito tempo pode não ter forças para se levantar sozinha. Ela fica frágil, sentindo-se inútil e impotente. Assim, a ajuda externa pode ser primordial para o começo da mudança: converse com amigos, familiares, com um psicólogo. Peça ajuda e comece a contar o que está acontecendo com você.
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Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “O homem invisível”
Texto originalmente publicado em CONTI outra.
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