SOCIEDADE

6 estereótipos femininos que Hollywood precisa parar de usar

Por Lara Vascouto

Notícias chocantes: Hollywood não sabe escrever personagens femininos. Ok, talvez não seja tão chocante assim quando levamos em consideração o fato de que os seis grandes estúdios que controlam a indústria cinematográfica são quase que inteiramente dominados por homens. Se você precisa de comprovação numérica, aqui vai: entre 2002 e 2012, apenas 4.4% dos 100 maiores sucessos de bilheteria foram dirigidos por mulheres; e em 2012, apenas 28.4% de todos os papéis com falas entre os 100 maiores sucessos eram femininos. E antes que você venha com alguma justificativa tirada do rabo, como oh, acho que mulheres simplesmente não se interessam em trabalhar na indústria cinematográfica, pense outra vez. Mulheres são muito bem representadas em todas as principais escolas de cinema dos EUA, mas por algum motivo não conseguem adentrar a indústria. Quando falamos de filmes independentes, aí sim, vemos uma participação feminina muito mais expressiva, mas nos grandes estúdios? Neca de pitibiriba.

Isso é um problema, não só porque revela, mais uma vez, que mulheres são sistematicamente impedidas de trabalhar simplesmente por serem mulheres, mas também porque gera uma infinidade de filmes com personagens femininos criados e moldados a partir da mais fina titica que tem dentro dos cérebros dos roteiristas, executivos e diretores responsáveis. É assim que nós acabamos recebendo filmes com estereótipos femininos absurdos, como…

Mulheres cujas vidas se transformam com um bom trato no visual

Exemplos: Uma Linda Mulher, Diário de uma Princesa, Casamento Grego, Ela é Demais e todos os realities de TV baseados em makeovers.

Olha, eu não sou contra dar um trato no visual. Até acredito que cuidar de si pode dar uma melhorada na autoestima e tals. O problema é que, de acordo com Hollywood, se você está deixando a desejar na aparência, provavelmente é uma fracassada cuja única salvação é uma intensa makeover – você sabe: roupas novas, maquiagem bem feita, lentes de contato e um bom trato no cabelo (que geralmente inclui uma boa alisada).

Nossa! Quem diria que para se tornar uma pessoa completa basta alisar o cabelo e passar um batom!

Os exemplos são vários, e em todos eles a transformação na aparência da protagonista costuma desencadear transformações profundas em sua vida – e quando eu digo transformações profundas, eu quero dizer que ela finalmente arruma um homem. Sim, porque, de acordo com esses filmes, a verdadeira felicidade não é nem se fazer mais apresentável (o que já seria ruim por si só), mas sim encontrar um bom homem. Sabe, do tipo que só é capaz de se interessar por uma mulher se ela está bem vestida, bem maquiada e com o cabelo bem arrumadinho, né? Ei, Hollywood, pare de supor que maquiagem bem feita e guarda-roupa cheio de estilo vão transformar a vida de uma mulher. Mais importante ainda, pare de supor que mulheres que não ligam para a aparência têm baixa autoestima ou tem algo do que se envergonhar.

Mulheres deslumbrantes, mas desastradas

Exemplos: É Pura Sorte, Casa Comigo?, Sorte no Amor, Enrolados, New Girl, Maldita Sorte e comédias românticas em geral

A personagem da mulher deslumbrante, mas tão terrivelmente desastrada é tão comum em Hollywood que já é aceita como estratégia conhecida de caracterização de personagem. Basicamente, elas aparecem em comédias românticas em que a protagonista é uma mulher adorável, inteligente, engraçada e linda, mas tem muito azar no amor. Obviamente, uma personagem tão perfeita nunca seria capaz de cativar a audiência (isso, pelo menos, Hollywood entende). O que fazer então? Desenvolver uma personagem mais complexa? Ou pelo menos pensar por mais de dois segundos em um defeito mais realista para a protagonista do filme?

Nah! Coloca aí: ‘a protagonista é dada a acidentes’, e vamos almoçar!

Até os “desastres” que a personagem causa costumam ser os mesmos, filme após filme. Cair enquanto coloca a meia-calça, tropeçar, dar com a cara na porta de vidro, esbarrar no interesse amoroso com uma bebida quente na mão – droga, Hollywood! Como vocês continuam fazendo tanto dinheiro com essas porcarias?

OBS: Às vezes, a característica ser desastrada é usada também quando Hollywood quer nos convencer que uma personagem é nerd, desengonçada e pouco atraente para o sexo oposto, mesmo quando essa personagem é interpretada pela Zooey Deschanel.

É só colocar uns óculos nela e fazer com que ela derrube alguma coisa de vez em quando. Tcha-rãm! Novo sucesso!

Mulheres que privilegiam a carreira em detrimento da vida pessoal (e descobrem que são terrivelmente infelizes por isso)

Exemplos: A Proposta, Kate e Leopold, Sem Reservas

Vamos começar pelo fato de que, para Hollywood, uma mulher só pode ser focada no trabalho se esse trabalho for muito incrível. Veja os três filmes do exemplo, por exemplo: em A Proposta, Sandra Bullock é alta executiva em uma editora; em Kate e Leopold, a Meg Ryan é alta executiva de marketing; e em Sem Reservas, a Catherine Zeta-Jones é chef de um restaurante. Basicamente, você só pode abrir mão de filhos e um marido, se o seu trabalho for muito bom mesmo. Trabalhar para pagar as contas e ser financeiramente independente? Pff, nada a ver. Não quer ter filhos e um marido? Pff, mulher, você está se enganando e eu vou te mostrar exatamente por quê aqui nesse filme mela-cueca sobre uma mulher que percebe que, apesar de ter uma vida incrível, ela não está completa sem um homem.

O que nos leva a outro problema central desse tipo de personagem: com elas, é sempre uma coisa ou outra. Por que não ser chef de um restaurante e ser casada, com filhos? Homens em filmes fazem isso o tempo todo. Normalmente, quando o famoso conflito trabalho/vida pessoal é vivido por um personagem homem (o que também acontece bastante), ele já é casado e já tem filhos quando o filme começa. Ou seja, de alguma forma, ele já conseguiu a carreira, a mulher e os filhos. Por que as personagens femininas tem que ter um de cada vez?

Trabalho, marido e filhos? Não, minha cabecinha de mulher não é capaz, desculpe.

Isso é algo muito recorrente em seriados de TV também. Na televisão, as personagens femininas poderosas e com ótimos empregos são muito mais numerosas (ainda bem!), mas tem um pequeno problema: poucas tem famílias. Ou seja, a ideia de que mulher só consegue ou tem que lidar com um objetivo de cada vez é recorrente em toda a mídia, apesar de inúmeras mulheres da vida real provarem o contrário todos os dias.

Mulheres que largam tudo pelo ‘verdadeiro’ amor

Exemplos: Tudo para ficar com ele, Sintonia de Amor, Casa Comigo?, Escrito nas Estrelas, Ele não está tão afim de você, etc, etc, etc.

Normalmente, esse tipo de roteiro funciona mais ou menos assim:

1) Mulher tem vida mais ou menos arranjada

2) Mulher conhece brevemente um homem qualquer

3) Eles trocam algumas palavras (às vezes só um olhar basta)

4) Mulher se convence de que aquele é o homem da vida dela

5) Mulher larga tudo para conseguir/ficar com este homem.

Nem sempre dá certo, mas não é que na maioria das vezes o cara é mesmo o amor da vida dela?! Não é incrível?

Ei, tá até escrito no título!

Ah, mas na maioria das vezes a tal mulher já estava insatisfeita na vida – não é só o homem desconhecido que faz com que ela largue tudo! – alguém aí vai dizer.

Tem razão, claro, mas não é engraçado como em praticamente todos esses casos ela só larga tudo se tiver o tal do verdadeiro amor (um homem quase que completamente desconhecido, diga-se de passagem) como possível pretendente? Por que que sempre tem que ter um homem (ou um outro homem, como é mais comum) na fila? E, sinceramente, quem são essas mulheres que simplesmente largam tudo para ir achar um carinha que elas nem conhecem direito em outra cidade ou até outro país? Elas certamente não são comuns. Então por que raios tantas protagonistas de filmes tem histórias assim?

Mulheres que se voltam umas contra as outras

Exemplo: Noivas em Guerra, O Casamento do Meu Melhor Amigo (mais ou menos) e muitas outras comédias românticas que eu não lembro o nome porque parei de assistir na metade.

Não, eu não vou falar sobre a crença disseminada de que mulheres se odeiam e estão sempre competindo entre si e falando mal umas das outras pelas costas. Ao invés disso, quero falar sobre um tipo de cena que eu já vi se desenrolar inúmeras vezes na telinha ou na telona, mas nunca, nunca, na vida real: duas mulheres brigando – mas brigando mesmo, com empurrões, unhas, dentes e puxões de cabelo.

Não. Nem em casamento eu já vi isso acontecer.

Olha, eu já vi algum tanto de filha-da-putice de mulheres contra mulheres na minha vida. Não nego isso. Mas normalmente todas as cretinices e maldades que eu já vi foram executadas com palavras e olhares e, mais importante que isso, nunca geraram tanta fúria a ponto de a pessoa afetada achar que precisa distribuir alguns socos. Por que Hollywood adora dar a entender que mulheres são seres psicóticos que, pelos motivos mais imbecis, são capazes de rolar no chão distribuindo tapas e chutes em fúria assassina? Quem são essas mulheres?

Mulheres que não conversam entre si (e se conversam, é sobre homem)

Exemplos: A Rede Social, Trilogia Star Wars (original), Trilogia Senhor dos Anéis, Piratas do Caribe, Tomb Raider, Millenium: Os Homens que não amavam as mulheres, 500 Dias com Ela, Como se Fosse a Primeira vez e, bem, muitos, e muitos, e muitos outros.

Ok, esse é o item mais assustador dessa lista. Devo começar contando que, em 1985, uma cartunista norte-americana chamada Alison Bechdel elaborou um teste para filmes (hoje chamado de Teste Bechdel) que consistia em três regras aparentemente muito simples. Basicamente, para passar no teste, o filme tem que ter pelo menos uma cena em que:

1) Pelo menos duas personagens femininas apareçam e…

2) …conversem uma com a outra sobre…

3) …qualquer coisa que não seja sobre homens.

Surpreendentemente, muitos filmes, inclusive aqueles aclamados por incluírem personagens femininas fortes, não passam no teste. Isso não significa que esses filmes sejam ruins, mas mostram que, no cinema, as personagens femininas costumam ser definidas apenas por seus relacionamentos com homens – sejam eles interesses amorosos ou não. E o mais assustador é que isso é proposital. De acordo com a ex-roteirista Jennifer Kesler, as escolas de cinema desencorajam roteiros que contêm personagens femininas tendo conversas que não envolvam homens, porque isso, de acordo com elas, distrai a audiência. Um profissional da indústria chegou a falar para ela que…

“O público não quer ficar ouvindo um monte de mulher falando sobre seja lá o que for que mulheres falam”.

Será que não? Será que Hollywood não percebeu que metade do mundo é composto por mulheres e que, pasme, mulheres são seres multidimensionais? Isso me lembra uma entrevista com George R.R. Martin, autor de Game of Thrones, em que o repórter fez a seguinte pergunta:

“Tem algo muito interessante sobre os seus livros. Eu reparei que você escreve personagens femininas muito bem e muito diferentes. De onde vem isso?”

Ao que George suspira e responde:

“Sabe…eu sempre considerei as mulheres como pessoas.”

Mais um motivo para amá-lo, George.

TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS

 

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