Ontem, enquanto eu caminhava com uma amiga, ela me contava de uma terceira pessoa, que, segundo ela, era uma pessoa muitíssimo competente. Contudo, por ter uma “mãe narcisista”, acabou “não dando certo na vida” . Enquanto ela me falava dos detalhes eu pensava sobre como nós temos o hábito de colocar no outro a culpa pelos nossos fracassos. Daí, a culpa por aquilo que pensamos, sentimos pela maneira como reagimos é do pai, da mãe, do marido, do chefe, do colega sem noção…
O problema é que quando assumimos uma postura passiva diante da vida, do outro e do mundo, nos colocamos com mais facilidade no papel de vítima. E ser vítima de algo, embora seja uma condição complicada nos dá alguns ganhos. Primeiro a atenção, por que alguém que é vítima de alguma coisa terá a atenção das pessoas próximas, isso acontece para que a vítima seja consolada por sua desventura, esse apoio social ajuda a vítima a superar a situação difícil pela qual está passando. Depois, a isenção de responsabilidade, quem é vítima não precisa ser responsável por sua mudança afinal ela foi colocada naquela condição de maneira injusta e involuntária.
Nessas situações, fica mais difícil ocorrer a mudança, a chamada “virada de chave” se não assumimos a responsabilidade por aquilo que pensamos, sentimos ou fazemos, acabamos nos tornando passivos e perdendo o “controle” da nossa vida.
É evidente que muitas das nossas crenças e maneiras de lidar com as situações são construídas ao longo da nossa vida e iniciam desde a infância recebendo influências dos nossos cuidadores, principalmente dos nossos pais, dessa forma, se uma criança cresce ouvindo, por exemplo, de uma pessoa próxima palavras que tendem a desvalorizá-la com frequência e em qualquer situação, é provável que essa criança ao crescer tenha crenças relacionadas ao desvalor e desamor. O mais curioso é que ao criar uma maneira de lidar com essas situações na infância as pessoas acabam desenvolvendo um modo de lidar com situações semelhantes ao longo da vida que reafirmam essa crença, e com isso muitas pessoas acabam sendo “aprisionadas” em ciclos disfuncionais de pensamentos, sentimentos e comportamentos. Padrões e “maneiras de lidar” destrutivos que reafirmam ainda mais as suas crenças e modos desadaptativos de lidar com essas situações.
Pensando nisso, é provável que o leitor nesse ponto se pergunte, mas então essa situação não é causada apenas pela intenção individual de uma pessoa, mas sobretudo ocorreu como consequência da influência das atitudes de outras pessoas importantes para com ela e durante a sua vida. Então vamos lá para a “virada de chave”…
Primeiro, vamos pensar um pouquinho sobre algumas questões… Você acredita que exista uma maneira de cuidar e criar filhos isenta de erros? Ou melhor, você acredita que exista alguém que nunca tenha cometido falhas em algum momento da vida? Você acredita que é possível alguém sem conhecimento ou sem habilidades para alguma coisa, alguém que não foi treinado para realizar algo fazer aquela “tarefa” sem cometer nem um errinho sequer?
Pois é… Quando você chegou a este mundo não trouxe um manual de instruções onde você dizia como as pessoas deveriam cuidar de você para que você reagisse depois da melhor maneira possível. Além disso, o comportamento humano, as relações sociais e isso também inclui o cuidado dos pais para com os filhos são influenciados pela cultura, pelo tempo, pelos costumes de uma época, ou seja, a maneira que hoje é popularizada como “correta” de cuidar de uma criança não é a mesma que era há cinquenta anos atrás, as nossas opiniões sobre maneiras de realizar os cuidados mudaram e continuarão mudando ao longo do tempo.
Quer um exemplo? Os castigos físicos que hoje são abominados pela maioria das pessoas da sociedade há alguns anos atrás, principalmente antes da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente eram algo comum, inclusive crianças que apanhavam dos pais eram vistas como crianças que “aprontavam”, o que justificava o abuso físico. Mas hoje, esse hábito já não é mais visto da mesma maneira, hoje pais que cometem abusos físicos a uma criança podem ser inclusive punidos por isso. Então, como julgar a criação que tivemos há muitos anos atrás com os conhecimentos que temos hoje sobre criação de filhos? Não seria mais justo pensar nos recursos que os nossos pais tinham naquela época e na maneira como eles próprios foram criados para fazer uma avaliação um pouco mais razoável sobre o “modelo de criação” deles?!
E as outras influências? Quando apontamos para os nossos pais para culpá-los pelas nossas decisões ruins e atitudes equivocadas esquecemos que eles não são a única influência que recebemos… Ora, também somos influenciados pela nossa cultura, pelos costumes de outras pessoas com as quais convivemos e temos um poder muito grande sobre a nossa vida. O poder da escolha. Isso é simples de ser percebido, ora, cabe a mim decidir se continuo com o mesmo padrão de comportamento que lembra o que foi recebido pelos meus pais ou se, a partir do que já vivi e conheço sobre o mundo, os outros e a minha própria experiência de vida construo um novo padrão de comportamento, novas atitudes, novos hábitos… Isso ninguém pode fazer por mim, só eu mesmo posso. Você já pensou sobre isso, caro leitor? Essa decisão é sempre pessoal e intransferível. Será que depois de adulto eu sou “obrigado” a viver de uma maneira que eu não concordo? Diferente da maneira como acredito que é melhor? Distante dos meus valores? Obviamente não.
A essa altura posso até ouvir você me questionando… Mas, e se, a pessoa agir inconscientemente? “Presa” a algo que ela não tem a real noção do que se trata… Existem mecanismos de trabalhar isso não é mesmo? A boa e velha psicoterapia nos ajuda justamente a desenvolver o nosso autoconhecimento e identificar o nosso jeito de ser, o nosso padrão de comportamento sabotador, as nossas crenças irracionais… Daí lhe pergunto, depois de trabalhadas essas questões seria racional continuar atribuindo a qualquer outra pessoa a culpa pela sua infelicidade? Quem mais pode fazer algo para mudar a sua vida e dar um novo rumo a sua história além de você mesmo?
Quando descobrimos o poder que as nossas escolhas têm e o poder que temos sobre a nossa vida assumimos quem somos, responsabilizando-nos pelas nossas atitudes, “viramos a chave”. Mas, isso é um processo e cada um tem o seu tempo.