Por Renan Miguel Albenazi
Na graduação somos ensinados que nossos comportamentos são desenvolvidos, instalados e mantidos pelo princípio do reforçamento. Também aprendemos que nossos comportamentos decrescem em probabilidade de ocorrência futura e são extintos em função dos fenômenos comportamentais categorizados como punição e extinção. Aprendemos também que se quisermos que um comportamento se mantenha forte num repertório comportamental seria adequado o uso de um esquema de reforçamento intermitente em detrimento de um esquema de reforçamento contínuo, que é o melhor para instalar uma nova forma de responder no repertório comportamental de um organismo.
Mas, como somos apresentados ao Behaviorismo Radical e à Análise do Comportamento? Geralmente por meio da disciplina de Psicologia Experimental/Análise Experimental do Comportamento, muitas vezes nas instâncias práticas da disciplina, além das teóricas em sala de aula, realizadas no Laboratório de Psicologia Experimental geralmente com ratos albinos como sujeitos experimentais (Matos & Tomanari, 2002; Moreira & Medeiros, 2007; Lopes, Miranda, Nascimento & Cirino, 2008). Na pior das hipóteses utilizam-se câmaras e sujeitos experimentais virtuais no ensino dos princípios básicos da Análise do Comportamento.
“Na pior das hipóteses” porque o presente texto tem como objetivo principal apontar que a Análise do Comportamento não é arbitrária da forma como o ensino dessa ciência pode dar a entender: nem sempre as consequências do comportamento serão providas por alguém. Nem sempre nos comportaremos porque alguém disse “parabéns” ou não faremos alguma coisa porque alguém disse “isso é feio”. O ambiente não controlado é o maior determinante das vivências das pessoas e do modo como elas se comportam hoje.
E fazer tal afirmação, ao contrário do que possa parecer, só aumenta a importância da presença do laboratório didático de análise do comportamento nos cursos de Psicologia. Se, porventura, os alunos possam ter a impressão de que as consequências comportamentais sempre terão de ser mediadas por alguém, talvez com o uso de laboratórios virtuais, os fenômenos comportamentais ganhem um caráter de superficialidade para os alunos que os professores não querem.
Miranda e Cirino (2010) apontam que, a importância do laboratório e seu papel na educação residem no fato de que ele deixa de ser apenas um lugar em que cientistas fazem descobertas para se tornar um “espaço de construção, organização e legitimação de práticas adotadas pela comunidade científica” (p. 80), dessa forma, tendo implicações não apenas teóricas, mas empíricas. E isso se estende para o ensino da Análise do Comportamento.
Dessa forma, o uso do que Lopes, Miranda, Nascimento e Cirino (2008) chamam de Laboratório Animal Operante, possibilita ao aluno aprender conceitos básicos de Análise do Comportamento, iniciar o pensamento científico bem como modelar comportamentos de pesquisador nos acadêmicos que estudam psicologia (Tomanari, 2000 como citado por Lopes, Miranda, Nascimento & Cirino, 2008; Matos & Tomanari, 2002; Moreira & Medeiros, 2007).
O uso de ratos albinos como sujeitos experimentais nos laboratórios de análise do comportamento se dá pelo fato de que esse animal é considerado um sujeito experimental quase perfeito, pela fácil manutenção e docilidade e também pelo fácil arranjo de contingências de sobrevivência em biotério (Matos & Tomanari, 2002). No entanto, não abordaremos as críticas realizadas pelo viés da diferença do rato para o ser humano, pelo simples fato de que estudarmos um organismo infra-humano não significa estarmos estudando alguém inferior ou “menos evoluído” que o Homo sapiens.
Os princípios comportamentais que selecionam os comportamentos apresentados pelo rato e pelo ser humano são os mesmos. Isso deve bastar para que o professor consiga, com os alunos, fazer a ponte do que é visto em laboratório (os princípios básicos de análise do comportamento e da filosofia behaviorista radical) para aquilo que aluno vivencia em seu cotidiano.
Uma vez que o professor consiga fazer com que o aluno compreenda que os fenômenos comportamentais assistidos na câmara experimental não existem apenas porque o experimentador manipulou o ambiente, mas que são princípios naturais do comportamento de organismos vivos (Skinner, 1938), muito do que Skinner deixou como legado poderá ser compreendido.
Se, no ensino da Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical, essa ponte for construída, os argumentos de que a teoria é superficial e a prática arbitrária cairão por terra: o aluno entender que ele vive esses fenômenos mesmo sem saber que eles estão ocorrendo e que são eles que selecionam e determinam a forma como nos comportamos fará com que a crença de que sempre alguém tem que prover consequências para o comportamento não mais se sustentará.
Quando uma criança, que manuseia uma tesoura com ponta, se corta, não houve uma consequência provida por alguém. Os pais não viram a criança brincar e a cortaram “para que ela aprendesse” que não pode brincar com objetos cortantes, mas a própria interação da criança com seu meio foi ocasião para que a punição positiva se apresentasse. E é aqui que se evidencia a relevância do que se aprende com os organismos vivos em laboratório: os princípios comportamentais ocorrem em nossas vidas. Mediados ou não, simplesmente ocorrem. E, nesse caso, determinam a forma como a criança irá se portar ante uma tesoura no futuro.
Não se nega aqui a importância das consequências mediadas (afinal, a obra mais importante de Skinner, o Verbal Behavior, trata justamente de um tipo de comportamento operante que necessita da mediação social de consequências), mas tenta-se salientar a não manipulação de consequências comportamentais como é feita no ambiente controlado do laboratório para outros contextos, como em muitas áreas de atuação do psicólogo e analista do comportamento.
Uma evidência disso é apresentada por Meyer (1995): nós não conseguimos fazer análise experimental do comportamento no contexto clínico. Não conseguimos consequenciar cada resposta e instância de comportamento que o cliente apresenta no setting terapêutico. É simplesmente impossível fazer análise experimental do comportamento na clínica pelo fato de que o terapeuta não detém todo o conhecimento sobre a vida do seu cliente e muito menos tem acesso às contingências de reforçamento que o cliente está inserido, a não ser pelo relato verbal.
O estabelecimento de contingências para que o ensino ocorra é tarefa do professor (Skinner, 1972). E com a Análise do Comportamento não é diferente: criar contingências aos estudantes de psicologia para a compreensão do Behaviorismo Radical e da Análise do Comportamento é tarefa do professor. Mostrar-lhe que o laboratório didático é crucial para a compreensão dos princípios básicos do comportamento, mas ao mesmo tempo, fazê-lo entender que a vida não é perfeitamente controlável (talvez seja exatamente o contrário!) e que o que determina é o ambiente, em inter-relação com o organismo, mesmo com a existência de consequências socialmente mediadas, é papel do professor.
(É também papel do professor de Análise do Comportamento fazer com que os alunos entendam a terminologia da teoria behaviorista radical sem propor mudanças. É tarefa do docente ensinar que incentivo é diferente de reforçamento e que previsão e controle é diferente de manipulação etc. No entanto, tais instâncias do comportamento do professor serão deixadas para outro texto)
O que se pretendia com o presente texto é fazer compreender a importância do uso do laboratório didático no ensino de Análise do Comportamento, mas sem esquecer de estabelecer as correlações entre o que é visto no contexto controlado do laboratório com o contexto incerto da própria vida. Tal fardo cabe ao professor. É por meio dele que conseguiremos fazer aqueles que estão em primeira viagem compreenderem que a Análise do Comportamento não é arbitrária como possam pensar.
Referências
Lopes, M. G.; Miranda, R. L.; Nascimento, S. S.; Cirino, S. D. (2008) Discutindo o uso do laboratório de análise do comportamento no ensino de psicologia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. X, n. 1, pp. 67-79.
Matos, M. A. & Tomanari, G. Y. (2002). A Análise Experimental do Comportamento no laboratório didático. São Paulo: Manole.
Meyer, S. B. (1995) Quais os requisitos para que uma terapia seja considerada comportamental? Programação do IV Encontro Paranaense de Psicologia. Curitiba, Paraná.
Miranda, R. L.; Cirino, S. D. (2010) Os primeiros anos dos Laboratórios de Análise do Comportamento no Brasil. Psychologia Latina: v. 1, pp. 79-87.
Moreira, M. B.; Medeiros, C. A. (2007) Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed.
Skinner, B. F. (1938) The Behavior of Organisms. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1972) Tecnologia do Ensino. São Paulo: E. P. U.
TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE