Por Duda Costa
Todo o mundo sabe o que deixa o próprio pai pê-da-vida. Tem pai que fica bravo com gritaria; tem pai que fica bravo com grosseria e tem pai que fica bravo com má-criação. Todo pai tem mais ou menos as mesmas implicâncias, mas lá no fundo todo filho conhece o calcanhar de Aquiles do próprio pai. A gente sempre sabe o ponto fraco deles e o do meu pai é ingratidão.
Eu cresci ouvindo meu pai falar que ingratidão é a coisa mais feia do mundo. Ele dizia isso quase todos os dias. Repetia tanto que até parecia uma oração. Consigo resgatar na memória pelo menos uma dúzia de dias em que ele chegou em casa chutando a sombra por causa da ingratidão das pessoas. “Fiz tudo por fulano lá no trabalho e ele não reconhece”. “Ajudo tanto a ciclana e ela nem agradece”. “Não suporto gente ingrata, minha filha.” “Ingratidão é um negócio que me deixa louco. Não aguento não.”
Cresci escutando tudo isso e confesso que eu nunca soube exatamente o que responder. Eu ouvia, respeitava a indignação mas só devolvia com silêncio porque na verdade a gente nunca sabe o que dizer diante de um pai bravo e de uma ingratidão. Fiquei em silêncio por muito tempo até que um dia, já meio impaciente com aquele discurso, eu falei que ele tinha que parar de fazer as coisas esperando gratidão. Falei que ele tinha que fazer as coisas de graça. Que tinha que ser genuíno. Do fundo do coração.
Não sei exatamente da onde eu tirei aquele discurso zen. Devo ter ouvido algo parecido na igreja ou em algum grupo de oração. Na verdade eu nem pensei muito no que estava dizendo. Só disse aquilo porque foi o que me veio à cabeça na hora de acalmar o bicho bravo sedento por gratidão.
Falei aquilo, saí de perto, parei para pensar e percebi que esse discurso é muito bonito mas é realmente bem difícil de colocar em ação. A verdade é que a gente gosta de reciprocidade. A gente gosta de receber algo em troca das nossas gentilezas. É mais do que natural. Coisa de ser humano. Homem médio. Nem ruim, nem bom.
A gente sorri esperando sorriso. A gente acena esperando aceno. A gente ama esperando amor.
Reciprocidade é tão simplesmente uma dívida de gratidão. É o mínimo. O basal. É aquilo que se espera da outra parte de uma relação. O pessoal do mercado sabe disso. É por isso que a moça da amostra grátis insiste tanto para que a gente pegue um pedacinho do chocolate. Ela é sempre tão fofa. A gente fica até sem graça de dizer que não vai levar não.
Até na linguagem a gente faz dívida de gratidão. Já repararam que a gente agradece dizendo obrigado? A gente agradece se obrigando com a retribuição. Gratidão é o mínimo de reciprocidade que se espera do próximo. A gente fica nessa expectativa mesmo. É mais do que natural que a ingratidão cause frustração. Meu pai sempre esteve certo. Ingratidão é um troço feio. Não se faz isso não.
Mas faz.
Às vezes acontece.
Acontece e dói pra caramba.
Às vezes acontece e a gente precisa se olhar no espelho e tentar colocar em prática aquele discurso que eu ouvi na igreja. As pessoas devolvem o que conseguem. Esperar reciprocidade às vezes causa frustração.
Tem que ser sempre genuíno.
Do fundo do coração.
Imagem de capa: Shutterstock/Dmitry A
TEXTO ORIGINAL DE ENTENDA OS HOMENS