Da hora em que acordamos até o momento de dormir, os dias deslizam por meio de ações que vão definindo nossos modos de ser e viver. É fato. A rotina de muitos de nós está tomada por hábitos que se instalaram e automatizaram. Daí ser impossível ignorar a importância da formação de hábitos que acabam definindo destinos.
Não foi por acaso que o psicólogo William James disse: ‘nossa vida não é nada além de uma massa de hábitos’.
A questão é que nem sempre essas ações nascem de decisão consciente e autodeterminada. Existem hábitos que surgem sem que saibamos suas razões e efeitos. Hábitos cegos e rígidos que minam a capacidade criativa e que poderiam ser substituídos por modelos de ação mais eficazes.
Os neurocientistas afirmam que os hábitos mudam o cérebro, pois podem torná-lo mais ou menos eficiente. A explicação é que os hábitos se instalam como resultado da busca do cérebro por caminhos mais fáceis de funcionamento.
Entender a explicação da Neurociência é simples. Como os atos muito repetidos são reproduzidos mais facilmente, consumindo, portanto, menos esforço mental, o cérebro acaba transformando esses atos em automatismos.
O interesse pelos impactos da formação de hábitos, entretanto, não está restrito à Neurociência e é antigo.
Os mesopotâmicos e egípcios atribuíam forte peso ao hábito como fator de prosperidade e estabilidade social. Os gregos atribuíam valor capital aos hábitos, por essa razão, quando queriam destruir inimigos, pediam aos deuses que eles desenvolvessem maus hábitos.
Ainda entre os gregos, Aristóteles destacou-se pela busca de maior compreensão do papel dos hábitos para uma vida bem-sucedida. Para o filósofo grego, o hábito nasce do compromisso consciente para agir de determinada maneira. Segundo sua visão, cuidar dos hábitos pode nos levar a moderar impulsos que podem ocasionar vícios.
Os filósofos Blaise Pascal e David Hume também investigaram a formação e o papel do hábito para uma vida eficiente. Segundo eles, a repetição dos atos traz estabilidade ao comportamento, uma vez que o automatismo reduz o esforço e torna a ação mais agradável. Pode-se notar que eles não perceberam (como os neurocientistas o fizeram) que a comodidade não é totalmente benéfica à inteligência.
Todas essas visões trazem informações valiosas que contribuem para a compreensão e autoconsciência do impacto dos hábitos no estilo de pensar e nos modelos de ação que adotamos. Hoje é unânime a percepção de que, determinismos à parte, os hábitos causam impactos contundentes, podendo beneficiar ou trazer malefícios à realização de propósitos caros.
Não se trata de negar a capacidade dos hábitos de darem estabilidade à existência e facilitar ações corriqueiras de caráter pragmático. Mas nem tudo é rotina e muitos problemas e desafios pedem formas inéditas de pensar e agir.
Entretanto, às vezes, parece que ficamos presos na profusão de hábitos que vamos adotando como rituais imutáveis e seguimos uma rotina medíocre, esquecidos de que ser eficaz e criativo exige trocar a rigidez rotineira, própria da ação irrefletida que leva à imutabilidade, pela autoconsciência que permite ação criativa e transformadora.
Os psicólogos chamam à rigidez dos modos de agir e operar a realidade de fixação funcional. Quando ela se instala, nossos atos ficam imersos em padrões ineficientes de ação. Nesse quadro, há o rebaixamento da capacidade criativa, pois esta se alimenta da abertura à experimentação, da curiosidade propícia ao aguçamento perceptivo que, por sua vez, favorece julgamentos mais ricos e perspicazes.
Rotina e criatividade não são irreconciliáveis, mas precisamos de um modo de vida com hábitos que ajudem a dar estabilidade à existência, sem tolher o espaço para a novidade e a experimentação. Todo projeto pessoal de autorrealização pressupõe autodeterminação e ação deliberada, que só podem ser fomentadas por meio da ação refletida e da elevação da autoconsciência pelo exame constante de nosso modo de agir, aí incluídos os nossos hábitos.
Imagem de capa: Shutterstock/Arman Zhenikeyev