Balas perdidas: Uma tragédia social e psíquica.

Mais um caso recente de bala perdida, a do bebê atingido na barriga da mãe que estava grávida de 39 semanas. A mãe foi baleada na Favela do Lixão, em Duque de Caxias no Rio de Janeiro. O bebê ainda teve os pulmões perfurados e a coluna fraturada, ficou paraplégico. As balas perdidas têm relação com o uso de armas mais potentes nos centros urbanos, como fuzis e carabinas, tanto pela polícia quanto pelos criminosos, que podem atravessar paredes e são capazes de alcançar até dois quilômetros de distância.

Os dados revelam, que além da ocorrência do bebê Arthur, nos últimos dez anos, 35 crianças morreram vítimas de balas perdidas no RJ segundo levantamento da ONG Rio de Paz. No meio das balas perdidas, as vítimas são crianças pobres, moradores de favelas, cujas vidas são interrompidas pelo confronto entre traficantes ou operações policiais.

O Instituto de Segurança Pública aponta que 95% das vítimas de balas perdidas residem nas favelas, onde as disputas das facções criminosas pelo controle do tráfico, o confronto entre forças policiais e os traficantes são os responsáveis por essa tragédia social e psíquica. As estatísticas policiais ainda apresentam dados assustadores: 632 pessoas foram atingidas por balas perdidas somente de janeiro a 2 de julho deste ano, uma média de 3,4 casos por dia no RJ. Dessas pessoas, pelo menos 67 morreram.

A invisibilização dessas mortes e seus danos físicos ou psicológicos denunciam a desumanização da população que vive nas favelas e mostra o desprezo do Estado e parte da sociedade com os moradores das comunidades. As vítimas são filhas e filhas de famílias de baixa renda, atingidos por balas perdidas, que na maioria das vezes são favelas de difícil acesso, e os casos são recebidos com uma certa banalização, e ficam sem solução.

Na maioria dos casos de balas perdidas não são investigados e não são feitas as balísticas necessárias, o que torna ainda mais a difícil comprovação da autoria dos crimes, ou seja, tudo acaba no esquecimento e além disso delongam anos para finalização dos inquéritos. Geralmente os acusados ficam impunes e cada ano ocorrem mais tragédias com balas perdidas, em que os filhos dos trabalhadores são as vítimas fatais. O abandono social e o adoecimento psíquico acabam se tornando rotina na vida dessas famílias.

Os estragos causados com as balas perdidas são horrendos, que na verdade não são perdidas, mas balas “direcionadas” no espaço urbano, pois nessas comunidades moram e vivem famílias com suas crianças e adolescentes, que sãos atingidas a esmo nos seus corpos frágeis, vítimas desprotegidas dos confrontos entres bandidos e policiais. No Brasil, valorizamos a eliminação do criminoso, quando precisaríamos focar no crime, punindo seus autores e utilizando os recursos que existem na inteligência policial, evitando a mortes de inocentes nas periferias.

Mas nenhum morador dos bairros tradicionais da capital do RJ aceitaria uma operação nesses moldes, criando caos e morte na zona sul? As prisões ou as mortes de bandidos não podem ser mais importantes do que a preservação da vida de um inocente, ainda mais de crianças.

Imagem de capa: Shutterstock/Martin Novak






Jackson César Buonocore Sociólogo e Psicanalista