Por que a solidão assusta tanto as pessoas? Será que o encontro consigo mesmo é tão assustador? Pascal já dizia que os homens sentem enorme dificuldade em olhar-se no espelho sem máscaras, pois o encontro entre o eu e o mim sempre é doloroso. Em outras palavras, o autoconhecimento, tão importante para o crescimento emocional, depende de uma dose de solidão. No entanto, na sociedade contemporânea, a solidão parece não agradar muito as pessoas.
Vivemos o tempo inteiro em multidões, sejam elas reais ou virtuais, de modo que evitamos ao máximo estar sozinhos. É como se quiséssemos evitar o encontro com aquilo que, de alguma forma, fará olharmos a ordem estabelecida de outra forma e, por consequência, afastarmo-nos da manada. É sempre mais fácil seguir a manada, adequar-se ao protocolo social do que ser um inadequado que se guia pelo seu próprio querer.
Sendo assim, procuramos andar aglomerados, fazendo as mesmas coisas, comportando-nos todos da mesma maneira, ainda que não haja uma vontade imanente de fazer tais coisas ou agir de determinada forma. Não nos damos conta de que somos apenas reprodutores da vontade de terceiros que não têm nada a ver conosco.
Essa adequação acontece, em grande parte, pelo medo da solidão. Obviamente, somos seres sociais, como atentou Aristóteles. Logo, precisamos conviver com outras pessoas, ter boas relações, o que, aliás, é muito bom para o indivíduo. Todavia, também é necessário que o indivíduo tenha tempo para si, em solidão, a fim de que possa avaliar a sua vida, tomar decisões sem pressões alheias, rever seus atos, reaver seus relacionamentos etc. Esse processo faz com que o indivíduo possa se conhecer melhor (autoconhecimento) e, conhecendo-se melhor, perceberá o que de fato o faz feliz.
Se fugirmos o tempo inteiro da solidão, nunca nos conheceremos verdadeiramente e, assim, nossa vida não terá identidade própria, mas, antes, seguirá os ditames de outras vidas. Quantas vezes estamos imersos o tempo inteiro em relações, comportando-nos de determinada forma e, quando nos afastamos, percebemos que aquelas pessoas e aquele comportamento não se coadunavam com o que somos?
Ficar num sábado em casa, assistindo a um filme ou lendo um livro, ao invés de sair com os amigos, pode ser uma ótima experiência, em que, na tranquilidade do silêncio das vozes alheias, podemos perceber coisas que passam despercebidas no dia a dia, quando estamos envoltos por um sem número de pessoas (sejam reais ou virtuais). Assim, descobrimos muito sobre nós mesmos e, sobretudo, sobre o que não somos.
Esse processo de autoconhecimento não é fácil, uma vez que, ao descobrirmos mais sobre nós mesmos, poderemos deixar de achar muitas coisas, as quais fazíamos, interessantes, incluindo pessoas. Por isso, de forma genérica, as pessoas buscam passar a maior parte do tempo “conectadas”, como se a solidão não possuísse qualquer utilidade.
O que buscamos, na verdade, é fugir das dores que o autoconhecimento promove, já que, sabendo o que se é e buscando-se o que se quer, há grande chance de sermos vistos como loucos e de deixarmos de ser uma peça interessante para o grupo. Afinal, em um mundo que vive sob ditaduras, como a da felicidade, em que todos agem do mesmo modo, fazem as mesmas coisas, são bem sucedidas e estão sempre felizes, não é interessante ter alguém que viva do jeito que lhe apraz, que pense por si só e não siga as regras do jogo.
A vida em sociedade é necessária e extremamente importante, desde que cada um possa ser o que de fato é. Somente assim, criam-se relações de verdade, com raízes e sinceridade, e não troca de conveniências, em que se busca tão somente a fuga do medo de estar só. A verdadeira felicidade está em buscar o que realmente faz o coração terno.
Portanto, às vezes, a solidão é importante para que possamos saber o que faz o coração terno e não apenas reproduzir o que o protocolo social diz ser o caminho da felicidade.
Em hipótese alguma, a solidão deve ser adotada como morada, mas visitá-la de vez em quando é tão importante quanto se relacionar com alguém, pois precisamos saber o que somos, para que possamos dar o que há de mais puro e verdadeiro em nós. Antes de vivermos uma relação, é preciso saber o que somos e isso só aprendemos na companhia da solidão. Pois, como dizia Francis Bacon:
“Triste destino é o homem morrer conhecido de todos, mas desconhecido a si mesmo.”
Imagem de capa: Shutterstock/Burlingham