Por Joana Collaço

Numa tarde de 6ªfeira, os meus Pais foram buscar-me à escola mais cedo, dizendo que tinha de ir ao médico. Fiquei chateado, primeiro porque não me deixaram terminar o jogo de futebol, segundo porque não percebi porque tinha de ir ao médico se não me doía nada. Chegámos ao consultório e a médica mandou-nos entrar, fiquei surpreendido….uma médica sem bata?! uma sala cheia de brinquedos?! pensei que se calhar se tinham enganado, mas rapidamente percebi que não. A médica disse que era uma “pesicóloga”. Não percebi muito bem o que isso queria dizer, mas ela lá me explicou e falou comigo. Fez-me perguntas sobre os meus amigos, o que gostava de fazer, o futebol etc… eu continuei sem perceber o porquê de estar ali. Foi então, que finalmente os meus pais me disseram que eu estava ali porque me andava a “comportar mal” e eu fiquei na mesma sem perceber! Depois começaram a ler uma lista enorme de queixas, entre elas:

  • “O meu filho chora e berra muito no supermercado até conseguir o que quer.” – Pois claro, levam-me para o supermercado onde há imensas coisas apetitosas e eu não resisto a chocolates! Sei que se gritar um pouco mais, tenho a certeza que o meu pai vai morrer de vergonha e dá-me logo o chocolate.
  • “O meu filho na escola come tudo o que lhe dão no refeitório e em casa não come quase nada.” – Mas porque raio tenho de comer o que a minha mãe faz para ela e para o meu pai, se basta eu chorar um bocadinho que ela faz sempre um segundo prato para mim, ainda por cima com comida muito melhor, sem aquelas coisas verdes.
  • “Não larga o tablet, é em casa, no carro e até nos restaurantes.” – Vocês é que me deram o tablet e eu agradeço, porque era mesmo o que queria. Nós vamos aos restaurantes e eu também agradeço porque adoro comer pizza, mas vocês só sabem falar sobre o trabalho e o “estado do país”, mal abro a boca mandam-me logo calar. Já que vocês levam o tablet para o restaurante, eu aproveito, dou uso e vocês até agradecem eu estar ali caladinho, por isso não se queixem! Esta nem devia contar como mau comportamento.
  • “Por fim, o que nos trouxe aqui foi o fato de o meu filho ter sido suspenso da escola por um dia, por ter batido num menino e não se importar.” – Hey, primeiro, ninguém me ouviu quando eu disse que o João é que me bateu primeiro, só porque meti um golo na baliza da minha própria equipa, bahh fui parvo…mas ele não tinha que me bater e, tal como o meu pai está sempre a dizer: “se te baterem, tu não te ficas… dás de volta!” e foi o que fiz. E depois, eu sei que não sou mau e não tenho de me importar por ficar um dia de férias em casa, a jogar PSP.

Enquanto os meus pais faziam queixinhas, a médica ia olhando para mim, observando o meu comportamento a brincar. No final, ela disse muita coisa, falou de regras e coisas do género, mas a única frase que me ficou na cabeça foi que o problema não estava em mim, mas sim na atitude dos meus pais. Desta não estava à espera, ela não pôs as culpas em cima de mim?! Epa esta consulta não doeu nada, venham mais médicas como esta!

Joana Collaço

Psicóloga com o mestrado em psicologia educacional, formação em terapia cognitiva e comportamental com crianças e adolescentes, pós-Graduação em neuropsicologia entre outras formações. Vive em Portugal. As crónicas têm o intuito de partilhar com os pais, professores e todos os interessados, aquilo que pode ser o ponto de vista de algumas crianças/adolescentes sobre os mais diversos temas e problemas do mundo que os rodeia.

Share
Published by
Joana Collaço

Recent Posts

Dicas para controlar os gastos e economizar nas compras

Você ama comprar roupas, mas precisa ter um controle melhor sobre as suas aquisições? Veja…

8 horas ago

Minissérie lindíssima da Netflix com episódios de 30 minutos vai te marcar para sempre

Qualquer um que tenha visto esta minissérie profundamente tocante da Netflix vai concordar que esta…

11 horas ago

Saiba o que é filofobia, a nova tendência de relacionamento que está preocupando os solteiros

Além de ameaçar os relacionamentos, esta condição psicológica também pode impactar profundamente a saúde mental…

11 horas ago

‘Mal posso esperar para ficar cega’; diz portadora de síndrome rara cansada de alucinações

Aos 64 anos, Elaine Macgougan enfrenta alucinações cada vez mais intensas conforme sua visão se…

1 dia ago

Pessoas que se sentiram ‘excluídas’ na infância costumam desenvolver estas 11 características na vida adulta

Segundo a psicóloga Drª. Alexandra Stratyner, “a infância é um período crucial para o nosso…

1 dia ago

Economia nos cuidados diários: como higienizar seu pet em casa corretamente?

Manter o ambiente limpo e uma boa higienização, além de idas regulares ao médico, são…

1 dia ago