Música do Fantástico. Anoitecer do domingo. A família toda em casa, cada um em seu quarto, cada um com seu dispositivo eletrônico – computador, tablet, celular. Silêncio total. No peito, você sente aquele aperto, nó na garganta, como se fosse chorar. O fim de semana foi bom… mas acabou. Você procura aproveitar os últimos minutos, os últimos segundos dos preciosos dias que te pareceram justificar toda a chatice da semana. O relógio continua andando… o tempo está passando. O fim de semana acabou.
Este sentimento não é novo.
Sándor Ferenczi, um dos primeiros psicanalistas, descreveu tal “quadro clínico” no início do século XX. E o que será que há em comum entre essa sensação, tão conhecida na nossa cultura, e a angústia que sentiam no domingo à noite em Budapeste, na Hungria, onde vivia Ferenczi, no início do século XX?
Chamamos de desamparo a situação existencial na qual o sujeito se sente vítima de algo que lhe separou de um momento de segurança, conforto, acomodação. Este “algo” chegou de maneira inesperada, violenta, de forma que a pessoa afetada não teve como se defender. Assim, separações inesperadas, perda de entes queridos, demissões de surpresa, falência de projetos onde depositávamos grande esperanças produzem desamparo.
A psicanálise usa como modelo da situação de desamparo o momento no qual o bebê com fome chora e não é atendido pela mãe. O bebê fica, portanto, sujeito a todas as sensações desconfortáveis que brotam de seu corpo: a barriga dói, a fome maltrata, e o conforto que sempre vinha nesses momentos não vem – eis, então, o desamparo.
O nenê não previa essa situação – nunca tinha passado por ela – por isso, não tem ainda como relativizar o impacto do que está acontecendo, lembrando de outras situações em que tenha sentido isto anteriormente e a mãe acabou aparecendo. Não consegue construir uma narrativa que aplaque a ansiedade, pois ainda não tem memórias ou discurso mediado por linguagem. Está à mercê da situação.
Aparentemente essa marca traumática nos acompanha ao longo de toda a nossa vida, mesmo que não tenhamos consciência da sua origem. E cá estamos nós no domingo à noite, sentindo que todo o conforto vai acabar e ser substituído por um ambiente no qual nos sentimos presos na maioria das vezes, sem possibilidade de reagir ou mudar (seja a escola, seja o trabalho).
No entanto, conforme amadurecemos, vamos desenvolvendo recursos para lidar com as situações de desamparo. Quais? Discutiremos mais sobre o assunto no próximo artigo!
Sugestões de temas, dúvidas sobre algum conceito de nossos artigos? Participe da nossa nova coluna “Pergunte ao Psiquiatra”! Envie um e-mail para: mauricio.psicologiasdobrasil@gmail.com, que nosso colunista Dr. Maurício Silveira Garrote terá o prazer de respondê-lo!
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