Por Ilíada Alves

A anorexia é considerada um transtorno de ordem psíquica caracterizado por graves alterações do comportamento alimentar em que o indivíduo apresenta restrição da alimentação, métodos compensatórios (purgação e/ou prática intensa de exercícios físicos) e persistente recusa em manter o peso corporal (IMC) considerado saudável, somado a um intenso temor de engordar e distorções da imagem corporal.

A angustia de separação e abandono é comum em indivíduos que apresentam esse tipo de disfunção uma vez que normalmente é desenvolvida na adolescência, período em que ocorre uma espécie de separação e reconstrução dos vínculos fraternais direcionando especialmente aos genitores.

Segundo Lacan, para adquirir segurança e se constituir como sujeito, a separação entre a ‘menina’ e a mãe deve ocorrer repetidas vezes. No caso da anorexia, esse processo de afastamento não é vivenciado de forma tranquila, pois o distanciamento do objeto de amor privilegiado passa a ser encarado como um intenso perigo psíquico e a mãe vivencia a falta da filha como algo insuportável. A anoréxica não tem sua subjetividade constituída, portanto, quando se percebe longe do outro, experimenta esse distanciamento como a perda de si mesma, dando vasão a devastação e melancolia. A filha invadida e sem autonomia vive a ameaça do amor exclusivo da mãe, onde dizer ‘NÃO’ para a comida pode significar a única forma de controle da sua própria vida. Sendo assim, existe uma relação de ambivalência afetiva entre o amor e ódio.

Em virtude dessa relação simbiótica com a figura materna, se instala uma dificuldade de incluir o vínculo paterno. A mãe não tolera qualquer ‘intromissão’ do pai entre ela e sua filha, marcando o seu poder fálico sobre a menina.

Entende-se que a adolescência é o marco de transição entre a infância e a vida adulta, mas no caso da anorexia, sair desse período de latência é uma passagem altamente complexa. A anorexica não dispõe de recursos internos suficientes para lidar com questões relacionadas a sua própria identidade e feminilidade.

A recusa pelo ganho de peso também pode representar uma fuga em se tornar mulher, afinal, manter um corpo de criança em que a ausência de contornos femininos servem para não despertar o olhar e o desejo do sexo masculino, pode haver ganhos secundários.

A psicologia está por todo canto, sendo assim, a analogia entre as questões discutidas nesse texto fica clara na música ‘Menininha’ composta pelo nosso querido Toquinho, especialmente no seguinte trecho:

“Menininha do meu coração

Eu só quero você a três palmos do chão

Menininha não cresça mais não

Fique pequenininha na minha canção…

Fique assim meu amor, sem crescer, porque o mundo é ruim, é ruim e você

Vai sofrer de repente

Uma desilusão

Porque a vida somente é

Seu bicho-papão.”

Perceba como a letra da música aborda uma espécie de apelo para a menina não abrir mão da infância e assim ter que enfrentar as vicissitudes referentes às perdas e ganhos em se tornar uma pessoa adulta. Esse comportamento dos pais interfere seriamente na construção da autoestima uma vez que a criança se percebe sob o olhar amoroso dos que representam um papel significativo na sua vida.

Ilíada Alves

Psicóloga CRP 06/111920 Terapeuta Cognitiva Comportamental pelo Núcleo de Terapia Cogntiva da Bahia (NTCBA). Especialista em Transtornos Alimentares e obesidade pelo CEPSIC - HCFMUSP. Gerente do CAPS II. Coordenadora da Equipe AT Bahia. Autora do Instagram: @muraldapsicologia Contato: (071) 99219-3029

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