Não podemos ficar omissos diante de mais 200 mil mortes por Covid-19 no Brasil, onde o discurso da banalização da morte rompeu os limites sagrados do cuidado com a vida, do respeito aos mortos e do direito ao luto.
Essa é a maior tragédia sanitária da história brasileira, que negou as pesquisas científicas e que se transformou em uma “macabra” estatística de mortes diárias de idosos, adultos e jovens de todas as camadas sociais.
Parece que estamos apenas falando de números e não na morte de gente? Porque temos que ouvir discursos de que “é só uma gripezinha”, “todo mundo vai morrer mesmo”, “chega de mimimi” e “estamos vivendo um finalzinho de pandemia.”
Assim, a vida continua, com festas clandestinas, aglomerações desnecessárias e todo o tipo de afrouxamento de cuidados, como se tudo estivesse “normal”. A verdade seja dita, que o discurso negacionista tem uma poderosa influência, que induz os indivíduos a contrariar as medidas sanitárias e se exporem ao vírus.
Porém, as pessoas que perderam um ente querido sabem da profundeza de sua dor, pois testemunharam a letalidade do coronavírus que acabou com a esperança de milhares de famílias, que não puderam enterrar seus mortos, e nem conseguiram realizar o rito de despedida. O luto não resolvido pode deixar feridas abertas e durar por muito tempo.
O discurso da necropolítica impediu o enfrentamento coordenado da pandemia e confirmou o desamparo que o povo sofre quando depende do Estado para solução de problemas emergenciais. E, agora, corremos o risco de entrar em uma briga política para conseguir tomar a vacina.
Essa desastrosa negação da ciência colocou a vida em segundo plano, que numa perspectiva histórica e necrófila causou milhões de mortes em pandemias do século 19 e 20, que traumatizaram o mundo.
Mas, em pleno século 21, não se aceita a morte de milhares de pessoas por negacionismo científico ou por imperativo necrófilo. É por isso que existem em todo país grupos, instituições e empresas – que agem em defesa da vida – e realizam a doação de máscaras, álcool em gel, alimentos, produtos de limpeza, etc.
Além disso, estamos valorizando quem está na linha de frente da pandemia: médicos, enfermeiros, psicólogos, garis, motoboys de aplicativos, jornalistas e todos os profissionais que revelam sua generosidade nestes momentos difíceis da crise.
No entanto, a luta contra a ignorância deve ser constante, pois é como disse o escritor Mia Couto: “A imbecilidade não será vencida no virar da folha”. Para Mia, o medo não ajuda a vencer a mentira. Aliás, ele fundamenta a escolha de soluções messiânicas. É por essa razão que os salvadores do mundo adoram o medo.
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Jackson César Buonocore é Sociólogo e Psicanalista
Imagem de capa: Crise de abastecimento de oxigênio em Manaus (Reprodução/Junio Matos |A crítica)
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