Fabíola Simões

A batalha mais difícil é entre o que você sabe na sua mente e o que você sente no seu coração

Quando você acendeu aquela vela para seu anjo da guarda, orando em silêncio para que ele apagasse aquele sentimento do seu coração, certamente percebeu que o anjo pegou na sua mão, acalmou sua emoção… mas quando a vela se consumiu, o sentimento ainda permanecia ali, não foi?

Talvez você tenha percebido que a batalha mais difícil é aquela entre o que você sabe na sua mente e o que você sente no seu coração.

Exigir que um milagre aconteça, fazendo você apagar um sentimento que transborda em sua alma, ou contar com uma benção que faça você esquecer alguém, não funciona. Porque esquecer, esquecer pra valer, só acontece se a gente bater a cabeça, se a gente tiver amnésia.

Fugir também não adianta, e mesmo que você se lance numa jornada tão árdua, incrível e perigosa quanto a de Chris McCandless, o Alex Supertramp de “Na Natureza Selvagem”, nem assim você conseguirá se afastar completamente do que sente. Não há saídas mágicas, nem ônibus mágicos, que abreviem o tempo que uma lembrança irá morar em você.

Enquanto milhares de pessoas admiram McCandless por sua rejeição à conformidade e ao materialismo, há um outro viés que deveria ser analisado: a incapacidade do mocinho de enfrentar seus fantasmas de frente; a inabilidade de lidar com a própria família, em especial seu pai; a fuga inconsequente que ceifou sua vida; a busca imatura por uma saída mágica que o livrasse de suas angústias.

Na tentativa de cortar vínculos com seu passado, Chris adotou outro nome, se cercou de livros, empenhou-se em uma jornada ingênua e arriscada, tudo isso para fugir daquilo que não estava sabendo lidar. Precisou inventar uma fuga tão monumental, e usar uma armadura que transparecesse uma imagem de coragem para esconder aquilo que justamente lhe faltava: coragem!

Coragem de olhar para a existência tal qual ela é, e lidar com seus vazios, inconformidades, desamparos, entendendo que, mais difícil que a escalada de uma montanha monumental, é o enfrentamento de nossos Alascas diários – que não têm saídas mágicas, nem ônibus mágicos que nos protejam de nós mesmos.

Viver dói. Lidar com a ruptura de vínculos que desejávamos que não se rompessem, dói. Arcar com a falta de respostas, com a incapacidade de controlar tudo, dói. Aceitar a imperfeição da vida e suas impossibilidades, dói. Lidar com a falta de sentido e ausência de respostas mágicas, dói. Viver desejando esquecimentos instantâneos que nos permitam seguir em frente, calibrando aquilo que decidimos na mente, mas que ainda não sentimos no coração, não existe… e também dói.

Esquecer não funciona. Fugir não funciona. O que funciona é tentar alinhar o seu coração com aquilo que você já sabe na sua mente.

Eu sei que é difícil pra caramba, que vai doer como nunca, que vai lhe custar noites mal dormidas e travesseiros encharcados, mas se você já fez uma escolha consciente, e sabe que tem que desistir daquilo que tanto queria, você não vai mais exigir de si mesmo uma saída mágica.

O que você pode fazer é pegar a si mesmo pela mão e contar-se uma história, quantas vezes for necessário. Uma história cheia de detalhes que só você conhece e sente, e que, pouco a pouco, pode convencer seu coração de que ali não é o lugar dele. Conte-se essa história. Não tenha preguiça de repetir a si mesmo os motivos – que você já assimilou na sua mente – que tornam aquela escolha impossível ou fadada ao sofrimento.

A gente gosta de se torturar demais. E o pior é que nem se dá conta disso, acostumados que estamos em resultados rápidos, curas instantâneas e remédios milagrosos que aliviem a dor. Esquecemos que a mente tem um tempo de recuperação diferente do coração; que o aprendizado e a evolução às vezes necessitam de longos invernos da alma; e que alguns ciclos custam mais para serem encerrados do que outros. Então não se cobre tanto, e respeite sua necessidade de tentar mais um pouco se isso te trouxer paz.

Em vez de fugir, mergulhe. Em vez de esquecer, conte para si mesmo, quantas vezes for necessário, a história que você já entendeu na sua mente. Em vez de esperar saídas mágicas, se permita chorar. Em vez de se cobrar uma recuperação imediata, se permita sentir dor e desamparo, respeitando seu próprio tempo. Em vez de lamentar aquilo que não pode mudar, entenda que essa foi a possibilidade de você se transformar. Em vez de acreditar que perdeu, seja grato por aquilo que aprendeu…

Photo by Flora Westbrook from Pexels

Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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Fabíola Simões

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