Por Sirley R. S. Bittú
Durante a vida escolhemos nossos amantes e amores, pautados muitas vezes em nosso desejo de resgatar em outro alguém o tão sonhado amor incondicional que se traduz na área da ilusão, como a mais pura e verdadeira forma de amar, o único e verdadeiro amor.
A primeira forma de amor que conhecemos é o amor materno, talvez uma das mais belas formas de amar. Trata-se da total disponibilidade, do amor incondicional. A mãe simplesmente ama seu filho, incluindo suas características boas e ruins, costumo dizer, que a mãe ama o “pacote completo”. Seu amor, muitas vezes supera qualquer frustração e alcança a maior capacidade humana de perdoar que alguém pode sentir.
Lembremos que quando falamos da absoluta disponibilidade materna, nos referimos principalmente, aos primeiros meses de vida onde a ilusão da total onipotência vivida pelo bebê, é essencial para seu desenvolvimento emocional e tão necessária para viver a brecha entre a fantasia e a realidade. Neste tempo amor é sinônimo de mistura, complementaridade e plena satisfação narcísea dos próprios desejos, para o bebê o outro existe apenas para ele, está a sua disposição, respira o ar que ele respira, ele e a mãe são um único ser, não há diferenciação ou limites claros.
O próximo passo para o desenvolvimento emocional é a vivência da frustração, a mãe totalmente disponível vai gradativamente e naturalmente “frustrando” o bebê na medida em que o bebê já tem condições de lidar com essa frustração. Este movimento materno (ou de quem faz esse papel) é extremamente importante para o bebê começar a diferenciar o que é ele e o que não faz parte dele (mãe) iniciando assim sua “noção” primária de existência.
Usando esse momento do desenvolvimento emocional de todos nós como referência , podemos entender algumas formas de relação que continuam seguindo esse padrão, onde uma das partes por exemplo insiste em não acreditar que pode existir sem o outro, são os amores passionais onde mistura emocional e imaturidade afetiva ainda são entendidos ou traduzidos como amor.
Trazemos dentro de nós uma necessidade nata de completude que se torna preenchida num primeiro momento de nossa existência por esse amor materno.
Muitos adultos em busca desse amor perfeito, muitas vezes se perdem quando acreditam que amor é sinônimo de anulação, quando confundem liberdade com desrespeito, intimidade com invasão, quando usam de chantagem emocional para suprir suas carências; e ainda quando deixam de viver seus outros papéis na vida, mulher, homem, profissional, filho (a), por exemplo, para “ser” exclusivamente em função do outro.
Algumas pessoas entendem o amor como algo quase mágico que mistura uma certa “santidade /pureza” com a total e plena devoção ao outro, eu diria que estão presas ao mito do amor “uterino”. São relações que muitas vezes exigem um raio-X dos pensamentos e sentimentos, desejam, necessitam dos detalhes sobre os pensamentos e sentimentos do outro, um verdadeiro relatório contínuo e absoluto sem pulos, desvios ou mesmo titubeios sobre tudo que passa em sua mente, é tão impossível racionalmente que geralmente só é confessado entre quatro paredes. Esse tipo de relação traz sofrimento e dor para ambos, parte de um entendimento equivocado onde amor é sinônimo de mistura e individualidade é sinônimo de desamor e traição.
O bebê só agüenta a frustração do afastamento momentâneo que seja da mãe, quando tem dentro de si a segurança e a confiança de que ela não o abandonará e de que ele conseguirá sobreviver sem ela naquele momento.
Portanto, como nosso próprio desenvolvimento emocional nos ensina, o “amor perfeito”, ou melhor dizendo o “amor saudável”, recusa à auto-anulação, propõe a existência, a individualidade, o respeito ao outro, a solidariedade, o companheirismo, e a confiança mútua.
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