Quando bebês, sentimos uma tensão diante de uma necessidade a ser satisfeita, como por exemplo, a fome. Sentimos que nos falta algo, embora ainda não saibamos nomeá-lo.
Ao sentir fome, o bebê cria na sua imaginação um objeto que pode preencher esta falta. Se existe uma mãe atenta às necessidades do bebê quando ele sente fome e que o apresenta o seio materno no exato momento em que ele chora de fome, o bebê vive a presença daquele objeto como o resultado de sua criatividade, na qual existe uma ilusão de onipotência. Esta seria a “criatividade primária”.
O envolvimento da mãe permite ao bebê existir em unidade com ela. Ao crescer, o bebê começa a se afastar gradualmente da mãe, reconhecendo ela como uma pessoa diferente dele. E esse afastamento provoca uma falta.
A falta é a base do sentimento de angústia no ser humano, que é chamada inicialmente de “angústia de separação”.
A função da falta é importante na constituição do sujeito e precede o processo de “diferenciação e integração”. Durante este processo, o bebê começa, aos poucos, a discriminar o que é ele, o que é o outro e, mesmo na presença deste outro ele adquire a capacidade de estar só.
Ou seja, a presença da mãe é importante para a criança, porém é possível a ela ater-se a si mesma, estar só, em estado de tranquilidade, embora ligada ao outro.
Dizemos então, que a capacidade de estar só de um sujeito, depende de um outro sujeito, que permitiu-lhe estar só, na sua presença.
Para adquirir esta capacidade sem sentir-se desamparado ou abandonado existe um recurso que chamamos de objeto transicional.
O objeto transicional é um objeto ao qual a criança se apega e que simboliza a mãe, substituindo-a em momentos nas quais ela não se encontra, permitindo que a criança comece a se adaptar a novos ambientes, amenizando a ausência da mãe.
Poderia ser desde a chupeta, a mamadeira, até um paninho, uma fralda, etc. É um objeto que a criança carrega com ela, por exemplo, quando a mãe precisa deixar a criança para ir trabalhar ou quando começa a ir para escola/creche.
Esses objetos transicionais representam fenômenos psíquicos que não desaparecem ao longo da vida, fazendo-nos perceber o quanto o outro nos é indispensável.
Uma criança, por exemplo, só amadurece e aprende a ser independente quando consegue procurar a imagem dos pais dentro de si, e não à sua volta, sem se sentir abandonada. Ou seja, quando começa a criar autonomia e independência em relação aos pais.
A partir do momento em que a criança não consegue realizar essa internalização, existe o risco do desenvolvimento de um transtorno de personalidade futura, caracterizada pelo excesso de carência e forte dependência da presença do outro.
Diante disso, a capacidade de estar só é um dos sinais mais importantes de amadurecimento emocional.
Muitos adultos não adquirem esta capacidade e adoecem produzindo sintomas e recorrendo a hábitos mal adaptativos para tentar, em vão, produzir uma realidade mais suportável através, por exemplo, do uso da droga, da obsessão com o ideal romântico, do consumo excessivo, etc. na tentativa de anestesiar sentimentos de solidão e vazio.
A angústia de separação poderá, ainda, influenciar nos transtornos de fobia e pânico.
Trazendo esta reflexão para o processo terapêutico, podemos pensar que o que conduz o paciente à busca de uma análise é uma falta, ou seja, uma tensão, uma necessidade, uma forma de desamparo. E, o psicoterapeuta é a pessoa que a qual ele espera preencher esta falta.
Durante o percurso terapêutico, o paciente contempla a si mesmo, cultiva o autoconhecimento, o amor próprio e descobre potencialidades que o fortalecem e o permitem, gradativamente, ir se “desligando” do terapeuta.
Podemos pensar, também, na importância de o psicoterapeuta e do próprio paciente respeitar os momentos de “silêncios” na sessão, e conseguir não sentir este silêncio como um abandono, pois ele pode expressar a conquista da capacidade de estar só do paciente, na presença do analista.
Isso não significa que o outro deixa de ter importância, pois precisamos do afeto, do reconhecimento e da presença do outro.
Porém, é importante que tenhamos a capacidade de criar possibilidades e de respeitar nossos desejos, para não permanecer em uma condição de submissão e dependência patológica de um objeto ou pessoa.
Trabalhar esta capacidade no processo terapêutico é favorecer a capacidade do paciente de estar consigo mesmo, de ouvir-se e de deixar de se submeter ao outro, muitas vezes, pelo medo de estar só.
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