“Como se fora uma brincadeira de roda, memória…

Renascer da própria força, própria luz e fé, memória…

Não tenha medo, meu menino povo, memória…”. (Redescobrir – Gonzaguinha)

Quando eu era criança eu ia ao cemitério com minha mãe visitar o túmulo de meu pai, pois ele morreu quando eu tinha apenas 2 anos e 7 meses. Não havia nenhum problema. Aliás, para mim era tão somente um passeio num lugar cheio de “casinhas” de cimento. Eu sempre fui a velórios e, assim, cresci entendendo que a morte faz parte da vida. Mas, a sociedade moderna está afastando as crianças, cada vez mais, do contexto da morte. Ou seja, os adultos – pais, avós, tios e professores – insistem em não falar de morte com as crianças e consideram inapropriados para elas, lugares como velórios e cemitérios. Entretanto, a morte também é assunto para criança.

Contudo, se a morte é inerente à nossa existência, então, precisamos falar sobre a morte com as crianças, pois em algum momento elas irão perder um ente querido ou um animal de estimação. Há também as crianças que vivem em zonas de extrema violência e que se deparam com a morte cotidianamente. Portanto, temos que prepará-las para lidar com esta situação. Quando uma morte ocorrer, pode ser a oportunidade para que nós conversemos com ela sobre o tema. Esta conversa é importante e saudável para ajudá-la a lidar com o sofrimento. Como os adultos, as crianças precisam vivenciar o processo de luto para elaborar a perda que ocorreu e continuar com sua vida sem medo.

Resguardar as crianças da morte ou do conceito de morte presumindo que são muito pequenas para entender o que significa o que é morrer não é o ideal. Segundo Kovács, ao não falar, o adulto crê estar protegendo a criança, como se essa proteção aliviasse a dor e mudasse magicamente a realidade. O que ocorre é que a criança se sente confusa e desamparada sem ter com quem conversar.

Eu tive a honra de conversar com a Psicóloga Érika Pallottino Miranda, uma estudiosa do assunto, sobre questões que permeiam este tema. Abaixo segue um pouco sobre o que conversamos.

Como falar da morte para as crianças?

De acordo com Erika, os adultos têm muita dificuldade de falar sobre a morte e o morrer e isto dificulta um pouco sobre a forma como eles conversam com a criança, pois deveria ser de uma forma tranquila. Afinal, a morte faz parte do ciclo vital. Infelizmente, os adultos tentam “abafar” o acontecido e retiram a criança de cena. Porém, se esquecem que a criança também precisa falar sobre seus sentimentos com relação à perda que teve. Uma ótima oportunidade para introduzir este assunto é quando um bichinho de estimação ou uma plantinha morre.

Outro ponto importante ressaltado por Erika é no que diz respeito às palavras. Devemos evitar usar eufemismo para falar de morte, ou seja, precisamos explicar que a pessoa morreu e devemos usar a palavra morte e não utilizar metáforas – por exemplo – “o vovô agora é uma estrelinha no céu” ou “a mamãe foi viajar e ela vai demorar para voltar”. Estas explicações não colaboram com o processo de luto da criança. É essencial sermos honestos e utilizarmos uma linguagem simples para que elas possam assimilar o que estamos falando.

A partir de que idade se deve falar de morte com as crianças?

Erika pensa que desde sempre, apenas precisamos respeitar e estarmos atentos em que fase do sistema cognitivo a criança se encontra. Por exemplo, crianças a partir dos 5 anos de idade são capazes de compreender os fatos básicos sobre a morte:  isso acontece com todas as coisas vivas, tem uma causa e que envolve a separação permanente. Eles também conseguem entender que as pessoas mortas não precisam mais comer ou beber.

Para ela, deveríamos conversar mais sobre as perdas e ter um diálogo mais claro e objetivo, pois, assim, a criança começa a se preparar e ter recursos para enfrentar as situações difíceis que certamente ocorrerão ao longo da sua existência.

Como a criança percebe a morte de pessoas queridas mesmo quando esse fato é omitido?

Erika diz que as crianças são sensíveis e percebem que algo grave aconteceu, pois, a vida sofre uma transformação. Muitas vezes a criança não sabe expressar com palavras o que houve, mas ela pode se utilizar de recursos simbólicos para dizer que sabe o que aconteceu. Muitas vezes ela é retirada do cenário de segurança em que vivia e isto a faz questionar o porquê precisa ir morar na casa da vovó por alguns dias quando, por exemplo, sua mãe e/ou pai morrem. Algumas vezes a criança pode ficar doente ou apresentar um comportamento inadequado, é o corpo expressando a dor da perda.  A experiência mostra que as crianças se beneficiam quando sabem a verdade em um estágio inicial. Por isso, a importância de se ter uma conversa sobre o acontecido. Talvez você tenha que responder a perguntas em dias e semanas seguintes, pois a criança tem um tempo próprio de assimilação do ocorrido.

Criança pode ir a velórios ou enterros?

Segundo Erika, a criança pode, sim, ir a velórios e enterros, pois o velório é um local para expressarmos a nossa dor e vivenciar a tristeza. Contudo, ela diz que primeiramente devemos conversar com a criança sobre o acontecido e explicar o que é um velório, o que é um caixão e deixar que ela decida se ela quer participar ou não daquele ritual. Erika diz que outro fator importante para o entendimento da criança é quem dá a notícia, pois precisa ser uma pessoa que faça parte da vida dela, que ela tenha uma relação de afeto e confiança com esta pessoa.

Qual a melhor forma de ajudar a criança durante o processo de luto?

Erika diz que primeiramente, precisamos reconhecer e legitimar a dor pela perda e compreender como aquela criança entende o que aconteceu. Segundo, ela diz que precisamos incluir a família, pois a morte de um ente querido afeta toda a unidade familiar. Erika conta-me que quando atende uma criança enlutada ela faz algumas sessões conjuntas criança/família e, muitas vezes, ela consegue acessar a criança por meio da dor do adulto. Ou seja, quando a criança vê um adulto expressando a sua tristeza, ela sente-se autorizada a fazer o mesmo. Para ela é importantíssimo que a família seja envolvida neste processo.

No consultório ela produz junto com a criança e a família uma caixa de lembranças com fotos, imagens, desenhos e o que eles acharem interessante colocar dentro da caixa. Outra técnica que Erika utiliza com seus pacientes, que eu achei interessantíssima, é a produção do “Livro da Vida”. Ela os convida a produzir um livro com fotos, recortes e palavras. Depois, o encaderna e a família o guarda e poderá folheá-lo quantas vezes o desejar. Ela diz que este recurso é ótimo, pois ele possibilita que toda a família se envolva em seu processo auxiliando a ressignificar a dor da perda.

No final da nossa conversa Erika diz que ainda precisamos produzir muitas pesquisas no que tange ao trabalho com crianças em processo de luto, pois precisamos compreender as particularidades do luto infantil.

Após esta conversa com Érika percebemos que falar de morte deveria ser natural, pois ninguém está livre de viver situações de luto, inclusive, as crianças. Assim, é fundamental dizer a verdade, para ajudar a criança a compreender e aceitar o morrer. Afinal, morrer é tão somente terminar de viver.

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Especialista em Luto

Member of British Psychological Society

Entrevistada: Erika Pallottino Miranda – Idealizadora, coordenadora, professora e supervisora do Instituto Entrelaços, Psicóloga do Grupo COI (Clínicas Oncológicas Integradas) 2013/2014 ; Psicóloga do Centro de Transplante de Medula Óssea do Instituto Nacional de Câncer (CEMO/INCA), preceptora e docente da Residência Multidisciplinar do INCA de 2007 – 2013; ; Aprimoramento em Famílias enfrentam crises: Psicoterapia com base na Teoria do Apego (4 Estações Instituto de Psicologia – SP); Treinamento em Situações de Emergências Pós Desastres (4 Estações Instituto de Psicologia – SP); Mestre em Psicologia Clínica (PUC-Rio); Especialista em Psicologia Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da UERJ; Especialista em Psicologia Oncológica pelo INCA; Coordenadora e Docente do Curso de Extensão da PUC-Rio: Tanatologia – estudos sobre a morte; Docente do Curso de Extensão em Psico-Oncologia da PUC-Rio; Membro da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psico-Oncologia, atuando nos seguintes temas: luto, terminalidade, adoecimento infantil e cuidados paliativos. Atua na assistência, ensino e pesquisa em psicologia da saúde, oncologia, luto e perdas. Ministra cursos e palestras em diversas Universidades e Congressos Científicos.

Referências:

Kovács MJ. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1992.

Paiva LE. Falando da Morte com Crianças. In: Incontri D, Santos FS, organizadores. A arte de morrer – visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007. p. 179-187.

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Clínica Especialista em Luto e Psicologia Hospitalar. Professora e Blogueira. Member of British Psychological Society.

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