Em 2013, foi comemorado o centenário de uma das figuras mais importantes do nosso cancioneiro, Vinicius de Moraes, que nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913. Desnecessário falar de sua importância para a cultura brasileira, especialmente no que diz respeito ao surgimento da Bossa Nova, nos anos 50.
Entre tantas coisas que Vinicius produziu, quero destacar uma pequena poesia, que travei contato pela primeira vez ao ler o livro “Para Viver Um Grande Amor”, que comprei quando ainda estava na Faculdade de Medicina (e edição original é de 1962). Entre os textos de crônicas e poesias que constam no livro, a poesia chamada “Dialética” me marcou muito:
Dialética
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Não quero fazer uma análise estrutural do poema, composto de versos brancos e livres, quero apenas dizer que em sua aparente simplicidade formal, Vinicius de Moraes descreve nesse poema o sentimento exato de uma pessoa com depressão.
Vejam que o eu-poético insiste em deixar bem evidente, através da repetição do “É claro”, que tem muitas razões para ser uma pessoa contente. No entanto, ele nos diz na última frase que, muito pelo contrário, é uma pessoa triste. Essa contradição, revelada pelo título “Dialética”, que quer dizer uma contraposição de ideias, está presente nos pacientes que sofrem de transtorno depressivo. É justamente por isso que a depressão é uma doença (mas muitas pessoas não pensam assim), porque ela deixa o seu humor rebaixado, porque o faz chorar e se sentir sem ânimo para nada quando tudo que lhe acontece na vida só deveria fazê-lo feliz ou, no mínimo, satisfeito com a vida que leva. Muitas pessoas que sofrem com depressão passam muito tempo tentando achar uma explicação para o sentimento de tristeza que os aflige, não admitindo que esse sentimento não possa ter explicação, ou melhor, não admitem que a explicação seja uma doença!
Do livro “Para Viver Um Grande Amor”, entre tantas coisas belas, esse foi o texto que mais me chamou a atenção. Acho que eu nem pensava em ser psiquiatra quando o li pela primeira vez. É possível que a as contradições e riquezas de emoções da alma humana que emanam desse pequeno poema de Vinicius e que li na faculdade me tenham feito enveredar pelos caminhos da mente e da Psiquiatria.
TEXTO ORIGINAL DO SITE DEVYS ROCHA