Nós todos vamos morrer, pois estamos programados para nascer, crescer e morrer, uma coisa inexoravelmente esquecida, que pirraça em ver a morte como um evento injusto. Em razão disso, a morte é um dos assuntos mais delicados da história, uma vez que o ser humano só se reconhece a partir da aceitação de sua finitude.
O mundo ocidental transformou a morte em tabu: ela costuma ser escondida das crianças e eliminada das conversas diárias. Sendo que na morte, não podemos levar nada: nem bens, nem diplomas e dinheiro. Essa é uma negação da finitude pelos valores da sociedade de consumo, que são antagônicos ao conceito de morte: o fetichismo da juventude eterna, acumulação de bens e a busca da imortalidade.
No século 20, ocorre o deslocamento do local da morte. Já não se morre mais em casa, entre os familiares, mas no hospital onde existe recursos de tratamento e higiene aos moribundos que não estão disponíveis no lar. Procurou-se reduzir ao mínimo as intervenções diante da morte, atendendo apenas as normas urgentes para fazer o sepultamento do corpo.
Hoje as ritos fúnebres devem ser simples e evitar o extravasamento que exige que o enlutado volte a uma vida normal. A dor de um enlutado não faz mais parte das responsabilidades coletivas e o sofrimento precisa ser um processo discreto. Os indivíduos, não podem ser incomodados com a morte dos outros, porque lembra a nossa própria finitude e pode acabar com o nosso sossego neste mundo.
O sociólogo Nobert Elias escreveu que os rituais seculares foram esvaziados de sentimentos e significados, consentindo hoje a absoluta solidão dos moribundos, visto que nós os viventes não podemos refletir e sentir que a morte é um elemento real e por isso inconscientemente nos isolamos dos moribundos.
A sociedade pós-moderna líquida nega que o antagonismo se mantém dentro de cada um de nós, no jogo constante entre Eros, o deus grego do amor, e Tanatos, o deus da morte, como constatou Sigmund Freud. As forças da morte, representadas por Tanatos, alimentariam os instintos destrutivos e as posturas de autosabotagem. Da composição dessas forças opostas, nasceria o equilíbrio e a energia emocional necessária para viver e conceber a morte.
“Morrer é um absurdo”, afirmou o filósofo Arthur Schopenhauer. A morte não cabe na lógica cartesiana sobre a vida, onde tudo poderia ser calculado, entendido e planificado. A finitude rompe a ilusão iluminista e antropocêntrica de que o homem poderia dominar tudo através da sua razão. A probabilidade de não estar mais aqui amanhã não condiz com esse modo mecânico de perceber a finitude humana.
Em 1926 Freud concedeu uma entrevista ao jornalista americano George Sylvester Viereck, onde respondeu com serenidade, que serve para desconstruir a lógica cartesiana sobre a questão da finitude humana: “Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.”
Assim, descobrimos no budismo, no cristianismo e também em outras tradições religiosas que o desapego é condição essencial para compreender a morte. É paradoxal para quem não acredita na continuação da vida, a morte é o nada, é a ausência completa de angústias e desesperos, é o fim das aflições. E para quem acredita na continuação da vida, a morte é o caminho desta existência para outra melhor. De qualquer maneira, o sofrimento estaria na vida e não na morte, ou seja, na finitude humana que tanto nos inquieta.
Jackson César Buonocore é sociólogo e psicanalista
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