Maria Tereza Maldonado

A geração y no trabalho: um desafio para os gestores

Qual é o perfil da geração Y, que está entrando no mercado de trabalho? Apenas mais um rótulo dos especialistas em marketing, preocupados em fidelizar consumidores inconstantes? Reflexo da vertiginosa mudança em que o mundo mergulhou a partir da década de 60? Consequência de uma cultura da impermanência, do descartável? Como definir a geração X e a geração Y, com sua dificuldade de se manter fiel à empresa, às marcas de produtos, e aos relacionamentos? Reflexos da vida da pós-modernidade, marcada pela volatilidade, em ritmo de videoclip, cheia de cortes e de fragmentação? Cultura do hedonismo, do individualismo, do consumo inconsequente? Como entender os “nativos digitais”, cuja familiaridade com a Internet e o computador lhes permitiu desenvolver competências e características tão diferentes das gerações anteriores?

Embora as datas que marcam as gerações variem um pouco para diferentes autores, podemos considerar Baby Boomers as pessoas nascidas entre 1948 e 1963; a Geração X, entre 1964 e 1977; a Geração Y entre 1978 e 1994.

Com a aceleração das mudanças, o tempo que marca cada geração está ficando menor. É importante conhecer um pouco mais do cenário mundial em que cada geração se formou para compreender mais a fundo as influências sociais e históricas no perfil de cada uma e enfrentar o desafio de conviver com a diversidade de gerações não só na família como também no ambiente de trabalho. O resultado almejado no convívio das diferentes gerações é descobrir as áreas comuns que podem uni-las e não apenas o “abismo” que as separa. No ambiente de trabalho, as pessoas de todas as gerações querem ser gerenciadas com respeito, com metas bem definidas e com liberdade de fazer as tarefas a seu modo.

Com o mundo saindo do grande abalo da Segunda Guerra Mundial, havia uma enorme necessidade de reconstrução, o incentivo à produção de filhos, e as mulheres entrando no mercado de trabalho. A partir da década de 60, destacam-se os processos de emancipação da mulher, sua progressiva inserção no mercado de trabalho, o movimento feminista, a pílula anticoncepcional, o movimento hippie, o aumento do número de divórcios e de novas uniões, a redefinição do conceito de família, a relativização dos valores, a confusão entre autoritarismo e autoridade, o aumento da violência e da cultura da impunidade, o enfraquecimento da noção de compromisso, as mudanças de metodologia educacional.

Juntamente com todas essas mudanças na família, na educação e na sociedade, vivemos uma velocidade vertiginosa de mudanças tecnológicas, que permitiram, entre outras coisas, a chegada do homem à Lua, o avanço da computação e das telecomunicações, a criação da Internet. Passamos por expressivas mudanças no cenário internacional com o fim da Guerra Fria, sentimos o impacto da globalização e do aumento da exclusão, mergulhamos na era da conectividade (facilidade nas conexões cibernéticas, dificuldade de conectividade humana, pelo pouco desenvolvimento da inteligência relacional e de habilidade para administrar conflitos numa sociedade de redes), com sua multiplicidade de escolhas e a avalanche de informações. Tudo isso e muito mais acarretaram mudanças de paradigmas, com vastos reflexos na educação e na formação das novas gerações.

A passagem da família tradicional (com os pais no topo da hierarquia exercendo a autoridade inquestionável) para a família multifacetada da atualidade foi marcada por diferenças profundas. Atualmente, o poder conferido a crianças e adolescentes é tão grande que subverte a organização anterior. Isso se reflete nas escolas e, mais tarde, nas empresas. As noções de certo e errado tornaram-se extremamente elásticas e relativas, o questionamento da autoridade refletindo-se na busca intensa das “palavras dos especialistas” sobre a importância dos limites. Temendo adotar a postura autoritária, muitos levaram ao pé da letra o mote “é proibido proibir”, até mesmo distorcendo teorias psicológicas com afirmações do tipo “crianças frustradas ficam traumatizadas”.

Com a carência de limites e do contato afetivo (motivados pela culpa da ausência e pelo mito do “tempo de qualidade”), o risco de não desenvolver adequadamente a inteligência emocional e a inteligência de relacionamentos é grande. Sem a construção cotidiana do respeito, da escuta ao outro, da tolerância à frustração, da capacidade de espera fica difícil lidar com as diferenças nas equipes de trabalho, ter paciência para construir metas a médio e longo prazo, gerenciar conflitos de modo a transformá-los em terra fértil para soluções criativas. São inúmeros os casos de profissionais tecnicamente competentes, porém de “pavio curto”, que acabam criando problemas tão sérios de relacionamento com colegas, chefes e subordinados que inviabilizam sua permanência no cargo.

Várias gerações convivem na família, na escola, no trabalho, na comunidade. Há semelhanças e diferenças entre elas em várias questões tais como: valores e visão de mundo, modo de lidar com a autoridade, sentido de lealdade, expectativas, equilíbrio entre as diversas áreas da vida.

Ao traçar o perfil das diferentes gerações no âmbito do trabalho, corre-se o sério risco de fazer generalizações indevidas, uma vez que nem todos se encaixam nos esquemas propostos. Há diferenças marcantes não só entre indivíduos, como também entre culturas ou até mesmo entre regiões de países de dimensões continentais, como o Brasil.

Em linhas gerais, especialistas dedicados ao tema, tais como Eric Chester, Bruce Tulgan e Carolyn Martin apontam como características principais dos Baby Boomers o fato de terem sido jovens rebeldes que, em sua maioria tornaram-se adultos conservadores, embora não rígidos. Valorizam o status e a ascensão profissional dentro da empresa à qual são leais. Alguns sentem dificuldade de quebrar os antigos paradigmas e desenvolver a flexibilidade para abandonar soluções de “tamanho único” para desenhar produtos, serviços e acordos de trabalho direcionados a necessidades específicas. E vale mencionar que as mulheres da geração Baby Boomers foram as pioneiras de muitas conquistas de direitos trabalhistas, levantando as questões da flexibilidade do horário de trabalho, aumento do período de licença maternidade, a possibilidade de fazer parte das tarefas em casa, preparando o cenário para as gerações vindouras.

A geração X já encontra um cenário com grandes mudanças na família, com pai e mãe trabalhando, intensos sentimentos de culpa das mulheres pela ausência do lar, gerando dificuldades de colocar limites e estruturar a disciplina; no Brasil, a ditadura e a repressão à liberdade de expressão acentuaram ainda mais o horror às posturas autoritárias; no ambiente de trabalho, essa geração encontrou a tendência ao “downsizing” corporativo, à instabilidade no emprego. A percepção de que adultos leais à empresa perderam seus postos estimulou a tendência de dar continuidade ao aprendizado e desenvolver habilidades que melhorem a empregabilidade, já que não se pode mais esperar estabilidade e permanência. Em um cenário de crises institucionais (políticas, religiosas, familiares, corporativas), as pessoas dessa geração cresceram duvidando da validade de desenvolver lealdade perene com as instituições, precisando aprender a contar, fundamentalmente, consigo mesmas. O lema é: “sou leal à empresa até surgir uma proposta mais interessante”. Procuram a segurança dentro de si mesmas; sua ambição pode ser vista como a construção de uma base de segurança em um mundo inseguro.

Boa parte das pessoas que compõem a geração X são individualistas, irreverentes, autoconfiantes, com clara percepção de seus direitos e capacidades; sua facilidade com a tecnologia tornou-se um dos instrumentos mais valiosos de sobrevivência; valorizam menos a permanência em uma única empresa, e mais a lealdade a si mesmas, já que a aspiração de conseguir um emprego por toda a vida deixou de existir; a percepção que predomina é que os empregos são transitórios, mas a carreira é construída dentro da própria pessoa de modo permanente; são consideradas fáceis de recrutar, mas difíceis de manter. No entanto, trabalham com entusiasmo, quando há um foco bem definido e forte motivação. No ambiente de trabalho, gostam de variedade, desafios e oportunidades, querem trabalhar com liberdade, flexibilidade e criatividade, sentem necessidade de feedback. Quando constituem família, tendem a valorizar a paternidade participativa.

Quando as pessoas da Geração Y começaram a nascer, encontraram o Brasil passando por uma época de grande instabilidade econômica, com hiperinflação e, pouco depois, reinstalando o processo democrático. No cenário mundial, destacam-se: a cultura da impermanência, a noção da falta de garantias, a era da incerteza, com mercados erráticos, voláteis e imprevisíveis. A velocidade dos progressos tecnológicos e a globalização facilitaram a interconexão global, mas aumentaram a desigualdade social e econômica. A percepção da violência se acentuou (o mundo perigoso), assumindo proporções ainda mais drásticas com as ações dos grupos terroristas a partir da década de 90.

Em termos demográficos, a família global atual está com 25% de seus membros na faixa entre 15 e 24 anos; um dos efeitos da globalização foi intensificar o fluxo migratório, o que está contribuindo para a formação de uma sociedade plural, que precisa construir um futuro comum que garanta a sobrevivência das novas gerações nesse planeta que sofre profundamente os efeitos do consumo predatório dos recursos naturais. Na composição das famílias, o menor índice de fecundidade e o aumento da expectativa de vida na maioria dos países, as profundas mudanças do papel da mulher, o crescente número de divórcios e novas uniões, entre outros fatores, influenciaram a relativização dos valores e os estilos de convívio.

No cenário do trabalho, observam-se maiores demandas sobre os empregados, relações menos hierárquicas e mais horizontais, redução das relações de longo prazo, aumento da expectativa de recompensas imediatas e uma alta incidência de conflitos nos relacionamentos. A percepção da falta de garantias, dos altos índices de desemprego e dos desafios da inserção no mercado contribuem para a dificuldade de visão de futuro e de sustentação da esperança; as dificuldades de relacionamento e de resolução de conflitos interpessoais motivam o abandono do emprego não tanto por insatisfação salarial, como por conflitos na relação cotidiana com o superior imediato.

A Geração Y, também denominada “Generation Why” “Generation Yes”, Geração www e Geração do milênio, está entrando no mercado de trabalho como a primeira geração da história a ter maior conhecimento do que as anteriores de uma área essencial: o domínio e a familiaridade com a tecnologia. As pessoas dessa geração valorizam a educação e reconhecem a necessidade de aprendizagem contínua. Convivendo com a diversidade das famílias multifacetadas, tendo passado a infância com a agenda cheia de atividades (“as crianças executivas”) e desde cedo cercadas de aparelhos eletrônicos, as pessoas da geração Y são multitarefas, vivem em ação e costumam ser boas administradoras do tempo, valorizando o equilíbrio entre convívio com pessoas, trabalho e lazer. Diz-se que “navegam” pela vida, querem trabalham para viver, mas não vivem para trabalhar. Acostumadas a captar os acontecimentos em tempo real e a se conectarem na rede com uma enorme variedade de pessoas, tiveram mais facilidade de desenvolver a visão sistêmica e de aceitar a diversidade.

No entanto, muitos olham negativamente para as pessoas dessa geração, considerando-as preguiçosas, autocentradas, mimadas e mal-educadas, envolvidas com drogas, sexo promíscuo e violência. Na verdade, cresceram em um cenário de grande circulação de drogas pesadas, com a realidade da AIDS, com total acesso a dúzias de videogames que dão bônus para ações violentas, sujeitas à erotização precoce tão evidente na propaganda e nos programas de TV.

Vivendo na era do reconhecimento dos direitos da criança e com pais que sentem dificuldades de colocar os limites devidos, as pessoas da Geração Y tendem a ter boa auto-estima e a apresentar dificuldades de relacionamento com as figuras de autoridade. São questionadoras e reivindicadoras de seus direitos, às vezes com dificuldade de perceber os direitos dos demais. Acostumadas a terem seus desejos prontamente atendidos e a terem acesso imediato a um universo de informações, tendem a ser impacientes e imediatistas. A curiosidade que as faz pesquisar e buscar incessantemente novidades estimula o gosto por descobrir por conta própria, em vez de serem ensinadas. Desde crianças, atuam como consultores para seus pais e professores, acessando um mundo de informações com muito mais rapidez do que as gerações anteriores.

A percepção clara de múltiplos pontos de vista, acoplada à descoberta de que existem várias maneiras certas de fazer as mesmas coisas tornam as pessoas da Geração Y muito intolerantes a posturas rígidas de comando. Querem fazer mais e melhor, a seu modo. Por isso, detestam autoritarismo, não respeitam cargos nem currículos, mas admiram a competência real, a coerência, a honestidade, a justiça e o comportamento ético. Quando tratadas com respeito e consideração, desenvolvem lealdade a pessoas, mais do que a empresas ou instituições. Desejam contribuir com inovações, receber recompensas e reconhecimento explícito pelo bom trabalho e sentir que fazem diferença. Para isso, precisam perceber claramente o papel de sua colaboração para o funcionamento do todo maior.

Descobrir o que motiva as pessoas da Geração Y é indispensável para inspirar as ações de retenção de talentos nas empresas. Os estudiosos das características das gerações X e Y apontam como especialmente relevantes:

-O desejo de trabalhar de modo mais independente, flexível e criativo;
-Saber claramente porque estão fazendo o que estão fazendo (foco na missão da empresa, etapas do trabalho bem delineadas);
-Sentir que fazem a diferença para a empresa e para a sociedade;
-Ter acesso direto às lideranças;
-Ter responsabilidades e oportunidades de aprendizagem contínua;
-Contar com um ambiente de trabalho descontraído, agradável e divertido.
-E o que essas pessoas esperam dos gestores? Especialmente, serem tratadas como colegas, e não como subordinadas, subalternas ou adolescentes; receber reconhecimento explícito por suas competências e quando realizam bons trabalhos; aprender com os mentores, mas também contribuir com o que sabem, trocando conhecimentos num clima de cordialidade e colaboração.

Tudo isso pode inspirar inúmeras ações da gerência, tais como a utilização do “reverse mentoring”, que facilita a aprendizagem recíproca e a construção de um bom clima de convívio entre as diferentes gerações. O “reverse mentoring” tem sido utilizado em educação (por exemplo, nos programas da Generation Yes, “Youth and Educators Suceeding”), em que professores e alunos trabalham juntos para integrar a tecnologia no conteúdo do currículo escolar, e também em empresas, em que jovens colaboradores ajudam seus colegas mais antigos a conhecer melhor as contribuições da tecnologia para o trabalho da empresa (um dos exemplos mais conhecidos é o de Jack Welch, na GE, que colocou centenas de gerentes experientes em contato com os recém-chegados que conheciam bem a Internet). As pessoas da Geração Y gostam de aprender e também de ensinar.

As ações de aproximação entre os níveis hierárquicos, tais como café da manhã com a diretoria, comunicação por mensagens instantâneas, disposição de escuta atenta de opiniões e ideias, oferecer diferentes possibilidades de colaboração e incentivo para ideias inovadoras que tragam bons resultados são úteis para a retenção de talentos. Os superiores que atuam mais como “coaches” do que como chefes são mais respeitados e admirados pelas pessoas das Gerações X e Y.

A estratégia de fracionar metas com prazos curtos, estimulando alta atividade e alta aprendizagem é muito eficaz, bem como oferecer maior responsabilidade como recompensa pelo bom desempenho. Em função das características de independência na busca de informações, os gestores tendem a encontrar menor resistência quando dizem “o que” querem que seja feito, mas não “como”. A necessidade de novidades constantes é preenchida quando esses funcionários são mantidos ocupados com tarefas que têm ligação perceptível com o todo maior. Portanto, a comunicação clara sobre a visão e a missão da empresa para alinhar o trabalho de cada um no conjunto tende a aumentar a motivação para o trabalho.

Com o alto investimento envolvido em recrutamento e treinamento de funcionários, as ações de retenção de talentos são estratégicas: os funcionários são os clientes internos das empresas, que precisam ser “encantados” para que se tornem “encantadores” com os clientes externos.

Muitas das competências (não só de informação, mas, sobretudo, de relacionamento e de trabalho em equipe) que não foram suficientemente desenvolvidas nem na família nem na escola precisarão ser desenvolvidas no ambiente de trabalho. Destaque especial para a visão do seu papel no todo e da contribuição a ser oferecida, e o desenvolvimento da empatia, da capacidade de escuta sensível, da paciência e da habilidade para fazer acordos e gerenciar conflitos, superando a postura individualista e imediatista.

Portanto, o desafio essencial dos gestores é descobrir que, na realidade de hoje, e na sociedade de redes, gerenciar pessoas é um processo diário de negociação e de aprendizagem recíproca. Nas palavras de Paulo Freire: Não há ninguém que tudo saiba, nem ninguém que nada saiba. Tudo se resume a uma troca de saberes.

Maria Tereza Maldonado

É Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RIO, onde lecionou no Departamento de Psicologia. É membro da ABRATEF (Associação Brasileira de Terapia Familiar). Tem mais de 40 livros publicados sobre relações familiares, desenvolvimento pessoal e construção da paz, com mais de um milhão de exemplares vendidos.

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Maria Tereza Maldonado
Tags: geração Y

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