Enã Rezende, de 26 anos, é filho da psicóloga Érica Rezende, 46, que , há cerca de vinte anos, escutou de uma professora que ele não aprenderia a ler.
Mas, contrariando as expectativas negativas, no último dia 17 de janeiro, Enã se formou em medicina!
“Na colação de grau dele, fiquei em choque, sem expressar muita emoção, porque estava me lembrando de tudo o que vivemos desde que ele era pequeno. Mas ontem, no culto ecumênico, não aguentei e chorei bastante”, revela Érica, em matéria publicado pelo G1
Quem é Enã?
Enã recebeu o diagnóstico de Síndrome de Asperger, um dos subtipos do autismo, aos 19 anos, mas, desde criança, teve que lidar com preconceito e muito bullying por não ser exatamente o que as pessoas esperavam.
“Eu dizia para mim: tenho que vencer na vida e mostrar que está todo mundo errado. Sempre soube que teria de lutar mais que os outros para conquistar meus objetivos”, diz o rapaz, de fala mansa e poucos gestos.
A infância
“Uma das primeiras coisas que percebemos foi a dificuldade na fala. Ele não articulava bem as palavras. Além disso, ele também tinha dificuldades de compreensão e não conseguia olhar nos olhos. Em contrapartida, tudo o que eu ensinava, ele aprendia na primeira vez”, relembra Érica.
Aos dois anos, Enã foi diagnosticado com psicose infantil, relacionada a dificuldades no desenvolvimento da criança e hoje mais associada à esquizofrenia. Érica cursava psicologia e considerava que o diagnóstico não se enquadrava no caso do filho.
“Desde o início, sempre soube que era uma informação errônea. A psicose poderia ser muito próxima do autismo, mas não era o caso do meu filho. Sempre imaginei que ele tivesse autismo. O diagnóstico é difícil até hoje. Duas décadas atrás era mais complicado ainda”, diz.
O garoto passou a receber acompanhamento psicológico e fonoaudiológico para ter melhor desenvolvimento.
Anos mais tarde, no início da vida escolar, Enã passou a sofrer bullying em razão de suas características.
“Mesmo com acompanhamento fonoaudiológico, eu tinha muita dificuldade de fala. As pessoas não me entendiam direito. Além disso, eu também era desengonçado”, diz o jovem.
“As pessoas riam dele. Mas acho que ele não notava isso”, completa Érica.
“Eu notava, sim, mas não comentava”, diz o médico, em seguida.
Érica relata que as pessoas costumavam perguntar sobre o motivo das dificuldades de fala e de interação do filho.
“Eu achava psicose infantil um diagnóstico muito confuso. Então falava apenas que ele era um pouco diferente”, conta a psicóloga.
Na época, Enã se questionava sobre o fato de as pessoas o acharem diferente.
“Eu explicava a situação para ele, de uma maneira mais simples e leve, para que ele pudesse entender”, conta a mãe.
Aos sete anos, enquanto estava na fase de alfabetização, uma professora de Enã chamou a mãe dele para conversar. A mulher informou que o garoto tinha dificuldades extremas e não conseguiria ser alfabetizado.
“Então, eu mudei ele de escola. Além disso, uma tia dele, que é uma exímia educadora, passou a ensiná-lo e logo o meu filho foi alfabetizado”, conta Érica.
O sonho de cursar medicina
Por que fazer medicina?
A morte do pai em acidente do carro, quando Enã tinha sete anos, despertou interesse pela medicina.
“Eu ficava me perguntando sobre o motivo de isso ter acontecido com ele. Foi muito triste”, relembra.
“Eu ficava questionando minha mãe sobre como tinha ficado a cabeça dele. Ela até comprou um esqueleto para me explicar. Não era uma curiosidade normal para uma criança, mas isso me interessava”, comenta.
Foi justamente o interesse em saber como o pai havia ficado após o acidente que fez com que Enã se encantasse pela medicina.
“Costumo dizer que isso foi o embrião para que eu decidisse seguir na área da saúde”, frisa
A influência do acidente do pai foi tamanha que ele planeja se especializar em neurocirurgia.
“Espero que eu possa salvar as vidas de outros pais. A do meu pai não pôde ser salva, mas quero impedir que outras crianças fiquem sem pai”, relata.
A universidade
No fim de 2012, Enã foi aprovado para medicina da Universidade de Cuiabá (Unic). Ele começou o curso no início do ano seguinte. O rapaz revela que ficou feliz com o começo do curso, porém temia que fosse encontrar grandes empecilhos.
“Uma das dificuldades do autista é na comunicação. O meu maior medo era lidar com os pacientes, porque tenho dificuldade de olhar nos olhos das pessoas, por conta do autismo. Eu venci esse temor quando comecei a fazer atendimentos”, ressalta.
Na universidade, Enã era tido como aluno exemplar – não reprovou em nenhuma disciplina
“O Enã é uma pessoa extremamente inteligente, mas por conta dessa dificuldade de interação, acabava ficando mais isolado. Então, passamos a tomar iniciativas, junto com professores e os próprios colegas, para que ele fosse colocado em grupos e tudo isso o ajudou na inserção social”, conta à BBC News Brasil.
Na universidade, Enã era tido como aluno exemplar. O rapaz não reprovou em nenhuma disciplina. Ele costumava ajudar os colegas da sala em que estudava e chegou a ser monitor no curso, para auxiliar alunos de outras turmas.
Segundo Enã:
“Se uma pessoa não quiser ser ajudada por um médico somente por ele ser autista, ela que sairá perdendo. O autista é uma pessoa extremamente focada, que vai lutar com unhas e dentes para ajudar. Eu tenho a mesma capacidade que qualquer médico”, assevera.
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Com informações do artigo de Vinícius Lemos, BBC. Para a matéria completa acesse: G1