Por Juliana Pereira dos Santos e Marcela Alice Bianco
Os alunos que iniciam o curso de Psicologia, interessam-se significativamente pela Psicologia Clínica. A fantasia de poder penetrar e conhecer o outro para ajudá-lo em suas dores seduz a grande maioria dos ingressantes no curso. Porém, mais cedo ou mais tarde a graduação colocará diante do aluno uma questão bastante importante para seu crescimento e formação: a psicoterapia pessoal.
Já no início das aulas, haverá professores que certamente comentarão sobre a importância da psicoterapia. Alguns alunos, serão mais receptivos e se interessarão logo em procurar um profissional que lhes possa ajudar. Outros, adiarão esta escolha para mais próximo do final do curso. E há quem se formará com o desejo ardente de abrir o próprio consultório, sem nunca ter passado pela experiência de ter se sentado na poltrona de paciente.
Os conteúdos do curso de Psicologia, somados ao contato com pacientes ao longo dos estágios obrigatórios são carregados de carga emocional e, não raro, causam no aluno vivências de ansiedade, angústia, conflitos, tristeza, dúvida, impotência e tantas outras questões que, pouco a pouco, se associarão à história de vida de cada um.
Neste período, não bastará apenas aproveitar dos modelos profissionais proporcionados pelo corpo docente e supervisores. A psicoterapia será primordial, tanto para oportunizar o contato e a aprendizagem com as próprias fraquezas e dificuldades, quanto para já ir formando uma postura clínica que facilitará, desde já, o seu trabalho com os pacientes, pessoas ou instituições que se lhe apresentarão.
Na Psicologia, formação pessoal e profissional estão intimamente associadas. O desafio da formação de Psicólogo é fazer com que, a atenção para com o autocuidado seja uma busca espontânea e constante. Pensar na terapia pessoal como um valor e não como uma imposição faz com que o aluno ganhe postura profissional, satisfação e segurança, já que para realizar bem um trabalho, é imprescindível que acreditemos em sua importância e eficácia.
A atitude clínica do psicólogo é uma experiência subjetiva que se inicia ainda na graduação e se desenvolve ao longo dos atendimentos, seguindo por toda a vida. A qualidade da formação será medida pela soma do conhecimento teórico, das supervisões e da psicoterapia pessoal, já que os conhecimentos só poderão ser internalizados e processados através contato com o próprio mundo interno e através da utilização dos próprios recursos pessoais na investigação e compreensão dos processos psíquicos. Portanto, a psicoterapia constitui-se como um espaço privilegiado de aprendizagem.
Para C. G. Jung, a relação que se desenvolve entre paciente e terapeuta deve ocorrer dentro de um método dialético, o que implica na inclusão da personalidade do profissional no diálogo analítico sendo esta, parte essencial da instrumentação para a realização do trabalho. Assim, realizar a psicoterapia pessoal torna-se um compromisso ético, que evita que contaminemos o processo com nossos conteúdos inconscientes, atuando contransferencialmente com nossos pacientes.
Há de se considerar que o profissional escolhido para a psicoterapia poderá, alguma vez, apresentar-se falho. Esta experiência será também de grande valia para o aluno em formação. Na psicoterapia são abordados temas dos mais variados: fases transitórias, mudanças de vida, doenças psíquicas, problemas matrimoniais, conflitos familiares, adaptação a novas situações de vida como: aposentadoria, adoecimento, fracasso profissional, e muitas outras demandas. Além de poder escolher o seu jeito de ser psicólogo através dos modelos de referência, o aluno reforçará o senso de responsabilidade e compromisso com a consciência ainda maior de que profissionais mal formados ou que não promovem o seu próprio autocuidado constantemente podem agravar os sintomas e conflitos, caso tratem de modo inadequado ou despreparado as demandas que se lhe apresentam.
Para Guggenbuhl-Craig, “os homens só caem em desgraça porque perderam o contato com o inconsciente ou porque não se conhecem plenamente“. O mesmo ocorre para com os profissionais que não buscam o autoconhecimento e a supervisão clínica. Incorrem no risco de permanecerem inconscientes de suas próprias problemáticas e se tornarem verdadeiros charlatões ou fracassem na profissão.
Quem experimentar a psicoterapia, poderá conhecer os principais problemas de sua personalidade, e assim, compreender como estes foram elaborados. Também terá a percepção de que o contato com seu self verdadeiro foi retomado, e ganha agora, através do caminho de conscientização, novas possibilidades de expressão e articulação.
Ser psicoterapeuta é um dom profundo. Ajudar as pessoas a se conhecerem e a tomarem posse de si mesmas é algo que só alcançamos através de uma postura séria de verdadeira humildade. Sem um compromisso de auto crescimento e conhecimento, não se poderá alcançar tal tarefa. As tantas dores que chegam nos consultórios, por si, já justificariam a necessidade de maior conscientização do futuro psicólogo a respeito de seu autocuidado e sua implicação na qualidade da sua formação e após, na sua vida profissional.
Afinal, “se eu posso olhar para as minhas feridas e tentar alcançar uma cura, estou mais bem preparado para ajudar os outros a olharem para as próprias feridas e tentarem alcançar uma cura. Nunca podemos ir com os outros além do ponto onde já fomos sozinhos. Não estou dizendo que apenas um cavalo pode julgar uma apresentação de cavalos, mas, com certeza, é muito útil conhecer algo sobre cavalos antes de julgá-los.” (Gregg M. Futh)
Assim, é preciso que o terapeuta saia de seu papel de curador, para encontrar o ferido dentro em si. Desta forma, será capaz de também reconhecer suas próprias forças curativas e por consequência, estará mais apto a desenvolver uma relação dialética e dinâmica com seus pacientes, despertando nestes o potencial de cura necessários à transformação.
Imagem de capa: Shutterstock/Jacob Lund
Bibliografia:
CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta: Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
GROESBECK, C. J A imagem arquetípica do médico ferido. Revista Junguiana, São Paulo, v.1, p. 72-96, 1983.
GUGGENBÜHL-CRAIG, A. O abuso do poder na psicoterapia e na medicina, serviço social, sacerdócio e magistério. Rio de Janeiro: Achiamé, 1978/2.
JACOBY, M. O encontro analítico: Transferência e relacionamento humano. São Paulo: Cultrix, 1984.
JUNG, C. G. A prática da Psicoterapia: Contribuições ao problema da psicoterapia e à psicologia da transferência. In Obras Completas. 7ª Edição. Petrópolis: Vozes, [1971], 2011, v. XVI/1.
Autoras:
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338
Juliana Pereira dos Santos – Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica Junguiana. Aprimoranda em Psicopatologia e Psicologia Simbólica pelo Instituto Sedes Sapientiae e Coach formada pela Sociedade Brasileira de Coaching. CRP: 06/ 108582
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