A tristeza, e as condições de vida associadas a ela, sempre foi um foco de interesse para pesquisadores das humanidades, especialmente para psicólogos. Os efeitos negativos das condições de vida marcadas por fatores como adoecimento físico e mental, pobreza, desemprego e divórcio dominaram a pesquisa psicológica durante décadas. Somente nos anos de 1980, com o surgimento da Psicologia Positiva, é que a ênfase na dor e no sofrimento nos estudos psicológicos passou a ser questionada. Por um lado, a crítica à Psicologia feita por essa nova corrente fomentou progressos perceptíveis. O aumento no número de estudos e no desenvolvimento de técnicas terapêuticas voltadas para o entendimento e a promoção de emoções positivas é considerável, e continua a se expandir. Por outro, nutriu-se a falsa ideia, especialmente entre leigos e detratores da Psicologia Positiva, de que essa nova abordagem psicológica advogava ser o objetivo da vida humana ideal a busca incessante da felicidade.
Originalmente, ao contrário do que muitos pensam, a Psicologia Positiva não se constituiu como uma apologia da simples busca da felicidade. Sua proposta teórica e metodológica não tratava da eliminação da tristeza ou de qualquer outro sentimento negativo, muito menos de definir tais sentimentos como malignos. O que se propunha era a compreensão das emoções positivas e dos efeitos destas no desenvolvimento e na experiência humana. Com isso, a Psicologia Positiva pretendeu gerar uma teoria e um conjunto de técnicas que viabilizassem estratégias para a promoção das experiências e dos sentimentos ótimos. Acreditava-se que assim seria possível impedir que as vivências e os sentimentos negativos se transformassem em condições cognitivas e emocionais impeditivas do pleno desenvolvimento humano, que é o que ocorre nos quadros de depressão profunda, por exemplo. Progressivamente, a Psicologia Positiva vem sendo bem sucedida no seu propósito inicial, uma vez que o avanço da abordagem tem suscitado o desenvolvimento de mecanismos para o reconhecimento da importância da resiliência e para a sua promoção, assim como de todas as emoções positivas que a viabilizam.
Os avanços promovidos pela Psicologia Positiva no reconhecimento da importância das emoções positivas e na validade de promovê-las, contudo, suscitou certa euforia mercadológica em torno do tema felicidade. Profissionais de todo tipo e oportunistas em geral, ávidos por novidades científicas que possam ser anunciadas como panaceia para todos os males, apropriaram-se do discurso da Psicologia Positiva. A ênfase nas emoções positivas como alegria, satisfação e prazer, passou a ser vendida como fórmula de vida para a obtenção da felicidade. Mais do que isso, a felicidade passou a ser tratada como objetivo último da existência humana, cujo alcance dependeria da supressão das emoções negativas. Num primeiro momento isso foi ruim, pois criou uma associação entre a psicologia Positiva e a autoajuda. Posteriormente foi até bom, pois levou os psicólogos defensores dessa nova abordagem a pesquisarem o papel das emoções negativas na vivência da felicidade, delimitando assim as fronteiras entre a vontade sincera de compreender o significado das experiências vividas, boas ou não, para uma vida feliz e o entusiasmo superficial dos que buscam apenas a promessa vendável da satisfação instantânea.
Joe Forgas, um psicólogo e professor australiano, é um desses pesquisadores “positivos” que contribui para o entendimento da importância das emoções negativas em nossa vida. Os resultados obtidos por Forgas sugerem que a tristeza pode ser benéfica aos níveis individual e interpessoal, pelo menos, de quatro maneiras:
1 – A tristeza atrai mais atenção: ao combinar o efeito de alterações climáticas (dias nublados e ensolarados) e musicais (canções melancólicas e alegres) sobre o humor de participantes em tarefa que exigia atenção, Forgas demonstrou que nos dias sombrios as pessoas foram mais propensas a relatar um estado de humor mais triste, e que isso coincidiu com a capacidade de reter na memória com maior precisão as observações feitas. Do ponto de vista prático, talvez a evolução tenha nos habilitado a sermos mais atenciosos quando tristes para nos proteger de nos envolvermos em situações de risco que comprometam nossas chances de sobrevivência.
2 – A tristeza contribui para argumentações mais convincentes: ao confrontar estudantes de graduação da área científica com argumentos persuasivos a favor ou contra certas políticas, Forgas observou que os que se declararam mais tristes tenderam a produzir uma argumentação mais convincente baseada em um raciocínio mais concreto e sistemático. É possível que a tristeza, ao nos retirar parte do otimismo, no leve a raciocinar de forma mais pragmática, fazendo com que nossos pensamentos pautem-se mais nos fatos do que na interpretação que fazemos dos mesmos.
3 – A tristeza minimiza a confiança em estereótipos: ao registrar o comportamento de várias pessoas jogando um videogame violento, Forgas observou que os jogadores eram mais propensos a atirar nos alvos de uma etnia diferente da sua. O viés perceptivo, que tende a ver o diferente como inimigo, contudo, foi reduzido entre as pessoas cuja avaliação dos estados afetivos apontava para maiores índices de humores negativos. Como a tristeza tende a nos tornar mais atentos e críticos, isso pode contribuir para que não nos deixemos contaminar pelos valores atribuídos a pessoas e coisas em função de estereótipos simples como cor da pele, tipo de roupa, peso, etc.
4 – A tristeza facilita novas interações sociais: ao sermos expostos a uma nova situação social que exige a interação com pessoas que ainda não conhecemos, num novo emprego ou numa nova sala de aula, é comum nos sentirmos fora do grupo. Esse sentimento tende a acentuar emoções negativas como insegurança, associada ao medo de não sermos bem recebidos ou aceitos, o que, em geral, envolve um período caracterizado por humores mais tristes. O que os estudos de Forgas demonstram é que a tristeza que surge nessas condições nos faz prestar mais atenção às coisas ao nosso redor, a ser mais convincente em nossos argumentos e mais alertas, nos levando a considerar mais cautelosamente as informações que circulam dentro do grupo como opiniões, posicionamentos, valores, etc.
Os achados de Forgas parecem nos exigir uma reflexão sobre o valor da tristeza para a vida e, mais do que isso, de como ela pode ser parte essencial de uma existência plena e feliz. O fato é que a tristeza é parte crucial da nossa biologia, e como tal ela deve servir a algum propósito evolutivo uma vez que sua manutenção deve representar alguma vantagem para nossa espécie. Até o momento, tem sido difícil para os estudiosos do comportamento humano definirem claramente o porque da tristeza ser importante, mas estudos como o de Forgas abrem espaço para algumas possibilidades. Gosto de pensar em três delas: uma é a de que a tristeza seria uma estratégia de autoproteção, outra é de que ela nos ajuda a aprender com nossos erros e, finalmente, de que ela é uma forma de comunicação.
A tristeza exige que paremos, que desaceleremos o ritmo interno e a tendência à dispersão com os estímulos externos para focarmos em algo que é realmente importante para nós, seja o amor do outro ou a liquidação de uma dívida. Assim, quando sofremos pelo término de um relacionamento, por exemplo, podemos aprender a reconhecer os erros que nós e o outro cometemos e a evitá-los numa relação futura. Esse aprendizado, por sua vez, pode funcionar de forma auto protetiva, minimizando as chances de um novo desapontamento afetivo, ou pelo menos de novo rompimento por ignorar os erros que cometemos anteriormente. Dessa forma, quando estamos tristes somos forçados a parar e a rever nossa maneira de atuar no mundo. Sem a tristeza é provável que nos deixássemos atropelar pelos eventos da vida, fossem eles bons ou ruins, sucumbindo ao estresse gerado pelos segundos. Talvez, por isso, possamos pensar na tristeza como uma estratégia de comunicação, por meio da qual sinalizamos para os outros e para nós mesmos que não estamos bem, que precisamos de ajuda.
Quando estamos tristes nos damos conta de que a vida que estamos vivendo pode não ser a que desejamos ou a melhor que poderíamos viver. Essa é a primeira condição para tentarmos mudar. Se fosse possível uma existência sem tristeza, há enorme chance de que seria uma vida estagnada, sem transformação, logo, sem melhorias. Os achados da Psicologia Positiva sobre o papel da tristeza nos leva a acreditar que suprimir a tristeza, com remédios, por exemplo, seria quase como embotar nossa capacidade de automotivação. Usar um antidepressivo quando o problema é outro, tipo um relacionamento ruim ou um trabalho insatisfatório, pode não ser a solução para uma vida mais feliz, mas o aprisionamento a uma existência na qual a pessoa abre mão da possibilidade de realizar suas potencialidades. Se você, então, está triste nesse momento, não pense que isso é um impedimento para a sua felicidade. Ao invés de correr para a farmácia, tente pensar no que está fazendo você infeliz, sua tristeza pode guia-lo para uma vida bem mais satisfatória, levando-o a compreender o que precisa ser mudado em você e a sua volta.
A grande lição da Psicologia Positiva sobre a felicidade, portanto, não é a ideia de que uma vida feliz é feita da ausência de tristeza, mas, ao contrário, é que a tristeza, assim como a alegria, é uma parte essencial da vida humana. Ambas nos ensinam como o que vivemos nos afeta, é só aprendermos a prestar atenção a elas. Afinal, emoção é informação.
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