Já ouviu falar do livro Estudos Sobre a Histeria? Ele é um dos marcos da psicanálise, o método de psicoterapia desenvolvido pelo neurologista Sigmund Freud (1856 – 1939). A obra foi escrita em parceria com o médico Joseph Breuer e chegou às livrarias em 1895. Muitos anos e divãs depois, várias pessoas ainda buscam a ajuda dos profissionais que seguem as ideias de Freud, os psicanalistas. Conceitos como o inconsciente e os desejos, dos quais a gente nem se dá conta e que dão as caras nos sonhos e lapsos, tornaram-se parte das conversas do dia a dia. Mas quando, afinal, devemos buscar esse tipo de auxílio?

“Sempre que percebemos que não há como dar conta de questões que nos afligem”, diz a analista junguiana Aurea Afonso Caetano, de São Paulo. Nesse pacote, entram problemas afetivos, insatisfação com o trabalho e falta de desejo pela vida, enfim, tudo o que gera sofrimento psíquico. Ailton Bedani, psicoterapeuta de orientação reichiana na capital paulista, complementa: “O indivíduo também pode procurar uma psicoterapia porque quer aprofundar o conhecimento a respeito de si próprio”.

No quesito escolha do psicoterapeuta, a indicação de outros profissionais de saúde ou de amigos é sempre válida. “A pessoa deve perguntar ao próprio terapeuta sobre as suas credenciais, como área de formação, cursos e tempo de experiência”, diz a terapeuta cognitiva Ana Maria Serra, de São Paulo. Outra sugestão dela: consulte sites e leia publicações de sua autoria. De acordo com Aurea Caetano, é importante que a dupla especialista/ paciente esteja em sintonia para que o processo possa acontecer. Por fim, vêm as linhas de psicoterapia. vida simples traz seis exemplos para você optar por aquela que mais lhe apetece. Boa leitura!

Psicanálise – Para se libertar das memórias que o aprisionam

“O método psicanalítico poderia ser descrito da seguinte forma:
o paciente conta sua história e o analista ouve o que está sendo dito”, explica a psicanalista Magda Kouri, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Na terapia formulada por Sigmund Freud, o especialista escuta e capta esquecimentos e atos falhos na fala de quem está sendo analisado, apontando questões que esse indivíduo provavelmente nunca se fez. “Realizamos uma espécie de montagem de nós mesmos e nem sempre nos damos conta de que não somos só aquilo. A análise pode criar condições para nos libertarmos das memórias que nos aprisionam.” O famoso divã é usado como um recurso para o indivíduo não se distrair com a presença visível do profissional, permitindo que se concentre nos processos mentais e se sinta sem amarras para compartilhar vivências mais íntimas. O número de sessões, com duração de 45 a 50 minutos, é acordado.

Terapia breve – Para situações de emergência ou mais pontuais

O nome já entrega: é uma espécie de psicoterapia mais ligeira, calcada na psicanálise, com uma a 12 sessões, de 50 minutos cada. “O tempo curto refere-se à necessidade de lidar com uma situação emergencial ou ao fato de a queixa representar um problema delimitado”, explica a psicóloga Angela Cristini Gebara, de Sorocaba, no interior paulista. Isso vai de depressão a perda de emprego passando por agruras no relacionamento amoroso. “Quando a busca é pelo autoconhecimento, indicamos a análise”, conta ela. O psicanalista húngaro Sándor Ferenczi (1873 – 1933) é considerado seu precursor. A duração mais encurtada também está relacionada à nossa realidade econômica e social. Nem todo mundo tem condições financeiras, tempo ou motivação para prosseguir com as modalidades terapêuticas clássicas. O paciente fica face a face com o terapeuta, que é mais diretivo sobre a causa da angústia e evita livres associações prolongadas.

Psicoterapia analítica – Para entender o inconsciente coletivo

O psicólogo e psiquiatra suíço Carl Jung (1875 – 1961) foi discípulo de Freud. Assim como ele, se valeu bastante do trabalho com sonhos e fantasias. “Por meio da exploração do material simbólico inconsciente, pode-se ter acesso a camadas mais profundas da psique”, explica a analista junguiana Aurea Afonso Caetano, de São Paulo. Terapeuta e paciente sentam-se frente a frente na sessão, geralmente semanal e com duração de 50 minutos. O terapeuta tem uma postura de acolhimento em relação ao que lhe é dito. Para os junguianos, corpo e mente são uma coisa só, ou seja, os sintomas físicos são tão importantes quanto os mentais. “Já dizia Shakespeare: `Somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos'”, cita Aurea. Sem falar na ideia de inconsciente coletivo, que é o repertório de experiências acumuladas pelos que nos precederam. “Trata-se da camada mais profunda do inconsciente comum a toda humanidade”, define Aurea.

Psicodrama – Para resolver os conflitosem cena

Criada pelo médico romeno Jacob Levy Moreno (1889 – 1974), esse tipo deterapia se vale da dramatização de situações, que podem ser atuais, passadas ou futuras. “Isso possibilita a vivência de cenas conflitivas que, por meio da aplicação de técnicas psicodramáticas, propiciam ao indivíduo clarificar seus sentimentos, perceber suas atitudes frente ao outro, além dos sentimentos e ações dessa pessoa na relação”, explica a psicóloga e psicodramaticista Maria Aparecida Fernandes Martin, de São Paulo. Sua colega Maria Regina Corrêa Lopes Vanin, do Instituto Bauruense de Psicoterapia, no interior paulista, acrescenta: “Uma dessas técnicas é a inversão de papéis, que permite que ele se coloque no lugar de outra pessoa e, com isso, consiga compreendê-la melhor”. O psicodrama pode ser individual ou em grupo. As consultas costumam ser semanais – por volta de 50 minutos para as individuais e de até 2 horas para as coletivas.

Terapia cognitiva – Para dar cabo de falhas de interpretação

Segundo essa linha, fundada pelo psicólogo americano Aaron Beck, um transtorno emocional é, na realidade, cognitivo. Quem está passando por esse problema distorce as informações no momento de assimilá-las. Dessa forma, retém somente aspectos que confirmam suas interpretações tortas e resiste a romper com elas, ficando suscetível a altos perrengues. Um exemplo é o sujeito que se considera um profissional incompetente. “Se ele recebe um feedback negativo de seu gerente, pode lê-lo da seguinte forma: `Como eu sempre soube, sou incapaz em meu trabalho'”, diz Ana Maria Serra, diretora do Instituto de Terapia Cognitiva, em São Paulo. “O tratamento, portanto, consiste em desenvolver no paciente a flexibilidade cognitiva para que ele possa processar a si, a eventos e pessoas com maior realismo, e, dessa forma, normalizar emoções e comportamentos”, diz Ana. As sessões duram 55 minutos e são semanais.

Terapia de orientação reichiana – Para aprender a analisar os sinais do corpo

Ex-discípulo de freud, o médico e cientista natural Wilhelm Reich (1897-1957) procurou amenizar os efeitos de um fenômeno que denominou de couraça, uma fonte de vários sintomas. “Ela designava um enrijecimento crônico e automatizado que se fazia presente nos níveis psíquico e somático (corporal), limitando as potencialidades intelectuais, sexuais e criativas do ser humano”, explica o psicoterapeuta de orientação reichiana Ailton Bedani, de São Paulo. Esse encouraçamento teria como uma de suas principais causas a organização política autoritária via subjugação ideológica e econômica. O teórico também deu grande valor aos sinais emitidos pelo corpo, identificando como certos traços de personalidade inflexíveis e automatizados se expressam por meio de rigidez ou baixo tônus muscular. “Quanto mais o indivíduo percebia as peculiaridades ou jeitão de suas defesas, mais chances havia de elas se afrouxarem”, diz Bedani.

Fábio de Oliveira/ Ilustrações: Samuel Rodrigues
TEXTO ORIGINAL DE A ARTE DE AMADURECER
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