Temos muita dificuldade em colocar um ponto final e de “partir para outra”, nos vários setores de nossa vida, como se fugíssemos à responsabilidade de ter de arcar com a dor advinda com esse despedir-se, como se aquilo que está feito, feito está, o que é uma inverdade, pois, muitas vezes, a permanência traz uma segurança ilusória. E assim vamos pagando um preço alto por nossa covardia e fingimento para com ninguém mais do que nós mesmos.
Os caminhos que temos à nossa frente são entremeados por bifurcações e armadilhas e, sem que percebamos, somos muitas vezes levados a optar por alternativas às quais é mais fácil nos acomodarmos. Acomodar-se, porém, pode também significar passividade e conformismo, sendo que sentimentos estanques não nos impelem às mudanças necessárias ao nosso desenvolvimento como pessoas. Conformar-se demais pode nos custar a distância de uma outra verdade – com a qual nos identificaríamos melhor -, a desonestidade com nossas vontades e um crescente arrependimento, nocivo tanto ao nosso bem estar quanto à harmonia com quem está ao nosso lado.
É preciso dizer adeus ao amor que já deixou de acelerar nossos corações, que já não sorri quando nos vê, que não nos dá as mãos, pois não caminha ao nosso lado, que não nos pergunta se dormimos bem, se almoçamos, ou o porquê das lágrimas suspensas em nossos olhares distantes. É necessário despedir-se do amor que trai e fere, que já nem é amor, nem amizade, nem troca ou cumplicidade, tampouco conforto e necessidade.
Diga adeus à amizade que já deixou de fazer falta, que não tem tempo de ouvir e animar, que já não aparece em busca de conselhos, nem quer saber de sua vida. É preciso despedir-se de amizades que não acrescentam, que nos diminuem, que nos trocam facilmente, que usam nossos segredos contra nós, puxam nossos tapetes, esgotam nossas energias.
É preciso dizer adeus ao serviço que nos empobrece, que alimenta nossa miséria emocional, que nos impede de sorrir, que não nos oferece oportunidades, que nos assedia moralmente, não nos ouve. É necessário despedir-se dos chefes desumanos, dos colegas de trabalho hipócritas, das jornadas extenuantes, da mesquinharia com o cafezinho, dos gritos e erros destacados, da humilhação velada, da estagnação que anula nossas capacidades, da cordialidade venenosa na mesa ao lado.
Digamos adeus ao lar que já não nos comporta em tudo o que somos e queremos, que extrapola os nossos limites, que cobra por nos amar, tolhe nosso caminhar e não mais entende o que falamos. É preciso despedir-se do quarto sem privacidade, da TV sempre ligada, da roupa emprestada da irmã, da cópia das chaves da porta, da consulta ininterrupta ao relógio nas noites de diversão.
É preciso dizer adeus à esperança de que o outro vá mudar, à espera vã do telefonema, da resposta que nunca chega, do convite que nunca é ouvido, do “eu te amo” nunca dito, do abraço não correspondido, do olhar que não penetra fundo, do reconhecimento nunca recebido. É necessário despedir-se de quem nos fere, no corpo e na alma, de quem nos incomoda, dos xingamentos, das noites insones, da violência alheia, da ânsia pelo fim do expediente, pelo fim do dia.
Diga adeus ao não existir, ao sufocamento dos desejos, à raiva contida, às ofensas engolidas, aos desvios de caminhos, aos projetos não realizados, aos sonhos que não acordam, à morte em vida. É preciso despedir-se das roupas que já não nos servem, dos CDs que não ouvimos, das cartas que já nem lemos, das lembranças que nos ferem, das fotos envelhecidas no tempo, da sombra da infidelidade, das obrigações que criamos e não nos levam a nada.
Não nos demoremos em lugares onde não nos sintamos vivos, amados, onde não respiremos direito, onde não possamos ser verdadeiros. O desapego é difícil, pois requer o enfrentamento corajoso do que fizemos de nossas vidas, do que somos e sentimos, e encarar as escolhas erradas traz dor e culpa. Além disso, quando rompemos com o que parece estabelecido em nossa jornada, mexemos também com as vidas que caminham conosco e teremos que trilhar uma árdua batalha, até que sejamos compreendidos, ou não. O importante é que estaremos agindo em busca de nossa felicidade, partindo ao encontro de nosso lugar no mundo e na vida de alguém. Ninguém pode ser condenado por tentar ser feliz, quando o fizer de forma ética e sincera, sem desrespeitar a si mesmo nem a ninguém mais. Quem nos ama de verdade acabará entendendo a necessidade de nossa atitude, torcendo pelo nosso sucesso, onde e com quem estivermos.
Nossa sobrevivência depende do adeus às ilusões, da coragem para iniciarmos as despedidas necessárias, tendo a consciência de que as infinitas possibilidades que se descortinarão a partir de então compensarão as perdas pelo caminho. Ninguém é obrigado a aceitar com resignação e conformismo aquilo que pode – e deve – mudar. Todos, afinal, temos o direito de viver e de respirar com alívio, com a certeza de que o que deixamos para trás ficou exatamente onde deveria: lá atrás, bem distante, não tendo mais poder algum sobre nossas vidas e nossa busca pela felicidade.
Foto de Mantas Hesthaven em Unsplash