A adolescência é uma travessia difícil. É como desejar e precisar atravessar uma rua movimentada de uma grande metrópole. Há semáforos e faixas de pedestres, mas nem sempre os motoristas (adultos) respeitam as próprias leis criadas. Nem sempre os pedestres (adolescentes) utilizam desses sinais e faixas para se protegerem. Não é fácil sair do mundo lúdico e, até certo ponto, irresponsável da infância. Não é fácil ingressar no mundo dos adultos, vistos e tidos como autoritários, repressores, mentirosos e vilões. (E todos nós sabemos que, muitas vezes, essa visão do adolescente é real para ele em seus pais e professores, por exemplo.)
Ainda vivemos no que sociólogos e filósofos definiram como “sociedade do espetáculo” e “tempo líquido”. Tudo é muito rápido, frenético, do tipo fast-food. Há, explícita ou implicitamente, uma ditadura da moda, da beleza e da juventude que faz com que os adultos invejem os adolescentes por esta mesma juventude e beleza, e pela fantasia de que estes vivenciam prazeres que, para os adultos, foram perdidos. Há mães que não são mais mães: são “gatinhas”. Há pais que não são mais pais: são “gatões”. Mergulhados no frenesi das academias de ginástica; salões de beleza; tratamentos estéticos tentam esticar a juventude que lhes escapa. O preço é pago pelo filho adolescente que não sabe a quem recorrer e em quem se espelhar.
A adolescência é sempre um período doloroso, por mais que o adolescente se aliene desta dor ou dela se proteja por diversos mecanismos de defesa. É um período de perdas. É necessário lidar com os próprios limites e com as normas sociais e institucionais. Perceber que não somos onipotentes; não podemos tudo o que queremos. Não somos deuses nem astros nem celebridades. Pelo menos, a maioria de nós. Se o adolescente não estiver inserido num ambiente suficientemente saudável, esta é uma época propícia para o surgimento de sintomas psíquicos; medos; fragilidades; dificuldades sexuais e grupais; uso de drogas lícitas ou ilícitas; transgressões e até mesmo delinquência.
O adolescente duvida de sua própria identidade. Duvida de suas capacidades e talentos. Duvida conseguir atingir o mundo adulto: passar nos vestibulares ou concursos; adquirir empregos ou meios de renda; amar e ser amado, construindo relações estáveis. Há uma enorme incerteza quanto a própria sexualidade e identidade de gênero, muitas vezes. Incerteza do que alcançará no tempo que denomina de futuro. Felizmente, todas essas dúvidas e mesmo transtornos são transitórios. É da responsabilidade dos pais, educadores e/ou terapeutas acompanhar com delicadeza e sensibilidade (raras) esse período de desenvolvimento e maturação. O adulto nunca deve esquecer que, por mais que o adolescente o negue ou o desafie, ele é visto como modelo e referência – especialmente os adultos fora do lar.
Estamos numa sociedade que, pouco a pouco, vem perdendo referenciais antigos. Há mudança de paradigmas. Antigos rituais de passagem – como a crisma ou outros ritos religiosos semelhantes – estão cada vez mais fora de moda. Mesmo famílias tradicionais que os impõem aos seus filhos não conseguem atingir o objetivo, porque o adolescente normalmente não se identifica com tais ritos. Ou se identifica de maneira neurótica: fanatismos e fundamentalismos sempre levam a distúrbios, que desintegram o ego; atrapalham o desenvolvimento sadio da psique; impedem que o adolescente chegue à maturidade esperada de forma mais ou menos tranqüila e sem traumas.
Quando nascemos, sejamos homens ou mulheres anatomicamente, formamos uma unidade simbiótica com nossa mãe. É um tempo indispensável de fusão e de cuidados extremos que, no entanto, tem seus limites que devem ser impostos pelo pai (ou por quem exerça a função paterna). Para crescer, necessitamos de nos separar da mãe; conhecer o pai; amá-lo e desejá-lo, mas também libertar-nos dele. De fase em fase, a criança atinge a puberdade. Desde o nascimento até a adolescência, o ser humano é exposto a fusões e desligamentos; ligações afetivas e perdas. Nenhum de nós chegou à adolescência sem sofrer diversas castrações; frustrações e privações. Ao chegar à adolescência, já adquirimos força no ego, mas ainda precisamos nos debater para nos libertar definitivamente dessas fusões primitivas com a mãe e o pai.
O adolescente vai aprender a duras penas a aceitar seus limites, suas perdas e as frustrações maiores (como a morte, por exemplo) que a condição humana impõe a todos os viventes. Submetido a depressões, inconstâncias, pensamentos suicidas, compulsões de diversos tipos e muitas fraquezas, o adolescente precisará aprender quem ele é; o que, de fato, deseja e como tornar-se sujeito autônomo de sua própria história. Quando os pais são equilibrados psiquicamente e ele estuda num colégio razoável, frequentando grupos afins, o garoto chegará à idade adulta sem grandes complicações. No entanto, se seus pais não são pessoas resolvidas sexual, afetiva e profissionalmente e/ou o adolescente frequenta uma escola desprovida de valores sociais e humanos, o adolescente enfrentará verdadeiros perigos para a psique e para sua condição de cidadão.
O adolescente cura a si mesmo tornando-se adulto. Não mais um adulto como seus pais ou os que o rodeiam (com exceções), pois ele os critica por representarem paradigmas anacrônicos e preconceituosos. São geralmente pais e educadores que desejam forçar o adolescente a se adaptar a uma sociedade que o garoto vê (e tem razão de ver) como extremamente doente. Pais e adultos equilibrados facilitam a maturação. Aceitam ser criticados e deixados de lado. Permitem que seu filho ou aluno escolha a si próprio; seu desejo; seu modo de ser; sua identidade de gênero e orientação sexual e profissional.
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