Por Felipe Martini
Capitu traiu ou não traiu? Beijo na boca é ou não traição? Curtir fotos no Instagram, desejar a colega de trabalho? Se, entre tantas questões sobre o que é e o que não é traição, você acaba muitas vezes se perguntando se fomos feitos para passar uma vida inteira ao lado da mesma pessoa, você não está sozinho. A ciência também reflete – e muito – sobre essa questão.
Reunidos em Porto Alegre no World Congress on Brain, Behavior and Emotions para discutir paixão, amor e traição sob o viés da Psiquiatria e da Biologia, três cientistas deram seus pareceres à reportagem sobre a seguinte pergunta: afinal, somos seres monogâmicos ou poligâmicos?
Ivana Cruz, professora e pesquisadora de genética evolutiva da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), analisa a questão pelo prisma biológico: para ela, a poligamia é uma característica genética e ambiental de muitas espécies, mas não do ser humano.
– A natureza sempre privilegia a diversidade genética, que, geralmente, é obtida por meio da reprodução sexual com diversos parceiros. Entre os mamíferos, apenas 5% são monogâmicos. Na natureza, ter apenas um parceiro é exceção. Entretanto, para algumas espécies, essa não é a melhor estratégia, porque é preciso cuidar dos filhotes para que eles sobrevivam. É o caso de muitas aves e do próprio ser humano.
Segundo a pesquisadora, a partir do momento em que o ser humano passou a caminhar com dois pés, seus filhos se tornaram mais frágeis e dependentes dos pais por um longo período. Foi assim que, entre nossa espécie, a monogamia surgiu como um comportamento evolutivo altamente especializado. A atração sexual, em conjunto com a conexão amorosa, tornou-se de vital importância para a sobrevivência do ser humano.
O papel do cérebro
Mas, se para alguns, o desejo de trair o parceiro muitas vezes se manifesta de forma aparentemente irresistível, o psiquiatra Diogo Lara explica o reflexo que nos leva a desistir de uma relação extraconjugal como uma relação de anjinho e diabinho, um em cada ombro:
– O córtex frontal do cérebro é o responsável pela tomada de decisões. É ele que nos faz projetar o futuro e prever consequências para nossas ações. Se fôssemos fazer uma analogia, eu diria que o diabinho de nossa mente é o desejo, que não se importa com o certo e errado, e o anjinho seria o córtex frontal.
Segundo Lara, paixão e amor têm naturezas e finalidades diferentes. A primeira é ligada ao desejo – instintos primitivos, como comer e dormir – e a segunda tem a ver com afeto e criação de laços íntimos. O especialista acredita que a sociedade atual, calcada na monogamia, é um reflexo do que se passa em nossa mente.
– Se a sociedade promove a monogamia e criou mecanismo culturais e sociais para reforçar essa prática, é porque somos essencialmente monogâmicos. Somos seres com ligações de longo prazo e temos a família como grande valor. Entretanto, ressalto que não somos estritamente monogâmicos e há, sim quem adote a poligamia.
Natureza poligâmica
Mas há uma vertente que destaca que o ser humano nasceu poligâmico. A psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo ressalta que o cérebro humano evoluiu ao longo do tempo e que, no tempo de nossos ancestrais, o córtex frontal, nossa voz da razão, não era desenvolvido – resultando em antepassados distantes poligâmicos e alguma poligamia residual no homem moderno:
– No início da história da humanidade, nós éramos poligâmicos. Temos uma natureza poligâmica ligada ao instinto e ao desejo. A monogamia foi criada ao longo da história, devido às mudanças biológicas e culturais, para a sobrevivência da espécie. Há resquícios poligâmicos dentro de nós, que estão presentes no nosso dia a dia.
De acordo com a especialista, fomos tornados monogâmicos quando aprendemos a colocar na balança as perdas e os ganhos. Se a monogamia virou a única forma de subsistência e de sobrevivência da espécie, a existência corriqueira de relacionamentos extraconjugais prova a existência desses resquícios ancestrais.
Fidelidade emocional e sexual
Se você gosta de falar dos pinguins e de sua fidelidade ao parceiro como um exemplo, segure-se. Estudos feitos com aves mostraram que, em 90% das espécies de aves monogâmicas, há relacionamentos extraconjugais. Tais dados originaram os conceitos de monogamia social e monogamia genética.
A biologia entende que a monogamia social, ligada ao bom relacionamento do casal e à fidelidade emocional, não significa necessariamente monogamia genética (essa, sim, ligada à fidelidade sexual), e que esse comportamento se reflete também nos humanos e difere de acordo com o gênero:
– No ser humano, a monogamia genética pode ser entendida como fidelidade sexual, e a monogamia social, como fidelidade amorosa. Estudos evolutivos sugerem que, para o homem, a fidelidade sexual seria mais importante pois, assim, garantiria a continuidade dos seus genes. Já para a mulher, a fidelidade emocional seria mais importante porque ela garantiria o cuidado paterno para os seus filhos – afirma Ivana Cruz.
Embora pareça ironia citar Henry Miller quando diz que “a monogamia é como estar obrigado a comer batatas fritas todos os dias”, aparentemente foi a dieta de batatas fritas que nos fez chegar aonde estamos em termos de sociedade.
Imagem de capa: Shutterstock/Radharani
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