Acontece mais ou menos assim: você senta na melhor poltrona do seu consultório, coloca a mão no seu queixo, olha diretamente para o seu paciente e começa a ouvir a história. Faz a sua melhor expressão de alguém que está totalmente compenetrado no que está ouvindo. De vez enquanto interrompe, faz uma pergunta que acha inteligente, e deixa o paciente continuar a contar.

Sua mente começa a vagar enquanto ouve. Volta no passado, percorre cada aula, cada leitura já feita. Voa atrás de algo, alguma teoria, qualquer autor que possa dar sentido aquilo que você está escutando. Não acha nada. Faz uma anotação mental que precisa conversar com seu supervisor a respeito. Você volta para o consultório, sai dos seus devaneios e continua a ouvir.

Como assim ele começou a chorar? O que eu perdi na narrativa? Você promete não deixar sua atenção ir embora, se concentra novamente e se permite ser levado, pela história. Como em uma dança, você deixa ser conduzida, passo a passo. Então você se desliga e deixa sua atenção flutuante ligada. Agora sim! Freud teria orgulho de você! Que harmonia! O ato terapêutico está acontecendo bem ali na sua frente.

Do nada ele para. Começa o silêncio e ele te observa inquieto. Você não fala nada. Espera, pois aprendeu que o silêncio, assim como a fala, sempre diz algo em um processo terapêutico. Ele continua calado com aquele olhar curioso de uma criança. Então vem a deixa, impossível ele ser mais claro, ele te pergunta se você não vai falar algo. E você pensa: o que ele eu devo falar? Você olha nos olhos dele e ele quase súplica por alguma explicação, um conselho, algo que o resgate desde desta história dolorosa. Coitado, você pensa, ele está perdido! Ele quer que você seja o seu salva-vidas e você, bem, você quer ser o salvador.

Você respira fundo e deixa o São Freud te inspirar. Pensa em algo brilhante que irá ajudar seu paciente, que será a própria tábua de salvação naquele momento de dor. Que sacada você teve! Você é demais! Abre um sorriso de lado e diz para si mesmo que ninguém nunca nem teve ter imaginado aquilo.

De repente você para! Você sai do seu delírio narcísico e volta à realidade. Não, meu papel não é ser o salvador! São Freud que me perdoe, mas Jesus Cristo já veio. Você lembra que é tão humano, tão frágil e sofre tanto quanto ele. Você não é o dono do saber, da verdade e tão pouco tem que dar as respostas para tudo. Você entende que está ali, para ajudar uma pessoa a encontrar recursos dentro dela, para que ela mesma possa se salvar desta escuridão de dor em que ela se encontra. Que seu papel é dar suporte, esclarecer uma situação, e proporcionar o desenvolvimento de potencialidades e crescimento pessoal do paciente. Você se percebe como psicólogo, e não como salvador.

Debora Mendes de Oliveira

CRP: 06/123470. Psicóloga clínica (UNIP 2014), com ênfase psicanalítica, com experiência em atendimento voltado para abuso sexual, transtornos psiquiátricos tais como depressão e ansiedade, compulsão por internet e compulsão alimentar. Nas horas vagas é escritora por diversão.

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Debora Mendes de Oliveira

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