Por Veruska Queiroz
No que a vida nos mostra diariamente, parece que há um consenso: não existem receitas de bolo quando o assunto é amor. Cada um ama de uma maneira, demonstra e manifesta esse amor também de maneira única. Naturalmente, a vida também nos mostra que, ao longo dos tempos, vão se “criando” regrinhas para o amor – o que eu particularmente acho muito triste e penoso. Mas continua o fato da vida: não existem regras nem receitas para o amor. Até porque no amor cabem tantos sentimentos que ficaria impossível dizer isso ou aquilo sobre o amor que cada um vai dar e receber. Outro fato: o amor sozinho não dá conta. É preciso convocar uma legião de sentimentos e de ações que o sustentem, como o respeito, a confiança, a lealdade, a ética – primeiro cada um consigo mesmo, depois para o outro, pois quem não tem essas questões em si, não poderá ter com o outro, visto que não podemos oferecer o que não temos.
Mas muitas outras questões estão em jogo quando o assunto é amor e uma delas – desculpem-me, mas não posso fugir à colocação dessas questões – é o que cada um individualmente aprendeu e internalizou em sua subjetividade, na constituição primordial de seu psiquismo. Já sabemos que muitos problemas afetivos e relacionais estão ligados às representações de nossa mais tenra idade, lá nos primórdios da nossa existência. Então, a primeira investigação deve passar por aí. Também sabemos que nossos modelos parentais foram os que nos deram as primeiras “aquisições” de nossos sentimentos e eles são as bases de como vamos lidar com os nossos relacionamentos quando adultos. No meio desse caminho e ao longo dele muitas coisas podem acontecer e algumas das que mais trazem consequências posteriores é o fato de poderem surgir rejeições, frustrações e outros sentimentos que não encontraram seu lugar de inscrição no psiquismo e deram lugar ao desamparo psíquico e emocional, que também está na base da constituição da subjetividade.
E ainda precisamos levar em conta que sem um lugar de inscrição no psiquismo, toda a questão da constituição da subjetividade e do afeto principalmente, fica como que “levitando”, sem encontrar “seu lugar”, o que pode causar imensas dores emocionais e uma afetividade completamente comprometida ou distorcida no futuro, gerando grandes dificuldades relacionais verdadeiras e profundas e ainda temos outras frustrações e rejeições da infância e da adolescência – chamada por muitos de “a segunda infância” – que, dependendo do caso e da dinâmica psíquica de cada um podem disparar o gatilho de todas essas questões que, de acordo com o menor ou maior grau de comprometimento, podem inclusive ter sido abolidas da consciência – mas nem sempre – indo para o inconsciente, tamanha a dor, tamanho o choque e até o trauma e, sendo assim, obviamente a pessoa nem se dá conta das questões que o acometeram e nem sequer sabe que foi acometido por algumas dessas questões.
A princípio, para toda relação – e o amor é o que mais precisa dele – o autoconhecimento é fundamental. Quem conhece-se melhor é capaz de lidar melhor também com o outro, com as próprias demandas e com as demandas do outro e da vida e tentar melhor gerenciar tudo isso. Então, voltando ao amor pura e simplesmente – como se ele pudesse ser tão puro e tão simples assim – a questão veemente é que, cada um dá e recebe o que pode, o que consegue. Não existe certo e errado. Podem existir excessos e faltas e ambos devem ser investigados e, se possível, cuidados, mas cada um só pode dar o que tem, o que aprendeu, o que internalizou, o que foi de sua própria constituição. Mas quanto aos milhares de sentimentos convocados para essa tarefa, estão também o autoconhecimento, uma honestidade irrepreensível consigo mesmo e com o outro – naturalmente se não houver nenhuma patologia envolvida – a cumplicidade e a tolerância consigo e com o outro e milhares de questões que vamos aprendendo, porque amar também é aprender. Aprender, dentre várias coisas que, tudo acontece dentro de nós primeiro. Depois podemos ter para oferecer, pois, mais uma vez: ninguém pode oferecer o que não tem. O amor também precisa de cuidados diários… de ambos, sempre.
É aí que a perspectiva de se aprender a amar amando vai ganhando corpo: é somente no dia a dia, com todas as idealizações e, não obstante algumas frustrações e decepções, mas também com todas as possibilidades de transformações, que o verdadeiro amor nasce e encontra terreno fertilíssimo para se desenvolver, amadurecer e seguir forte e bonito. Nessa construção diária o que vemos é que precisamos muito mais que amor somente para que a relação possa se sustentar em bases realmente sólidas. Sim, amor “solamente” não basta. Amor precisa de coragem, de boa vontade e boa dose de ousadia para acontecer, para não cair no lugar comum, para passar pelas provas da convivência e florescer diariamente.
Amor precisa de amor próprio. Amor precisa de respeito, afeto e confiança mútuos e genuínos, precisa de pé no chão – e pé fora dele também. Amor precisa de conversas – conversas sérias, conversas não sérias, conversas boas, muitas conversas. Amor precisa de sinceridade e honestidade inquestionáveis com o outro e principalmente consigo próprio. Amor precisa de retidão de caráter, de ética, de dignidade e de lealdade. Amor precisa de admiração. Amor precisa de comprometimento. Amor precisa de sorrisos largos e gargalhadas soltas. Amor precisa de espontaneidade, de leveza e de autenticidade. Amor precisa de muita afinidade e de sintonia fina. Amor precisa de projetos, planos e sonhos em comuns. Amor precisa de muitas semelhanças e algumas diferenças. Amor precisa de viagem – de carro, de avião, de trem, de navio e até mesmo de viagem sem sair do lugar. Amor precisa de novidades e inovações, mas precisa muitíssimo também da rotina e do cotidiano. Amor precisa de códigos inventados e pactos secretos que só o casal sabe o que significam. Amor precisa de almoxarifado e lixeira. Amor precisa de perdão. Amor precisa de olhar, de toque, de palavra, de boca, de gestos, de sede, de sofreguidão, de urgência, de paz, de inquietude, de poesia e de silêncio. Amor precisa de mãos dadas, abraços apertados, rostos colados e corpos ardendo de desejo. Amor precisa de busca constante. Amor precisa de sol, de água, de luz e de ar fresco.
Amor precisa de revisões e renovações. Amor precisa de recriação. Amor precisa de subjetividade e inconsciente. Amor precisa de pele e química. Amor precisa de individualidade, de um pouco daquela solidão boa e necessária, mas precisa muito mais de cumplicidade, de doação, de entrega, de união. Amor precisa de alma. Amor precisa de amizade, de confidências e de segredos juntos. Amor precisa de cuidados, de carinhos e de adivinhação. Amor precisa de postura bonita e justa quando as opiniões divergirem ou o sangue esquentar. Amor precisa de aceitação e de tolerância, principalmente de cada um em relação a si mesmo. Quem não aceita as próprias imperfeições e não tem tolerância com as próprias limitações, provavelmente não saberá como fazer quando o outro se apresentar dessas maneiras. Amor precisa de muitas estórias juntos para se contar a si mesmo. Amor precisa de sabedoria, de elegância, de beleza e, sobretudo e irrefutavelmente de inteligência.
Em suma, amor precisa de AMOR. Seja como for – porque ninguém vai poder mesmo fugir às loucuras maravilhosas ou doidivanas que o amor traz em si – se você quiser amar – muito ou pouco, para sempre ou não – saiba que dentre toda a literatura a respeito, dentre todos os seríssimos estudos de pessoas altamente capacitadas, dentre todas as teorias e dentre todos os postulados… além, apesar e sobre todas as perspectivas e expectativas, amar ainda se aprende de uma única forma: amando.