Bauman trata em seu livro “Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos” do sentimento de insegurança e desejos conflitantes que permeiam as relações atuais. A ambiguidade do desejo de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos. O medo do relacionar-se e se sentir abandonado como se os seus sentimentos fossem descartáveis e ao mesmo tempo o medo de sentir-se permanentemente ligado a uma pessoa e não dar conta de todos os encargos e tensões que a vida a dois se encarrega.
A vida moderna nos trouxe muita individualidade, e o amor pode ser um sonho ou pesadelo. Ele compara: “Não se pode comer um bolo e ao mesmo tempo conservá-lo, de forma que não é possível desfrutar dos doces e delícias de um relacionamento, evitando simultaneamente seus momentos mais amargos e penosos”.
A era digital trouxe grandes avanços no campo da ciência e muito retrocesso no campo do amor. Vivendo na era do “mais vale ter do que ser”, a virtualização trouxe um descaso com os relacionamentos e valores que damos às coisas e, de certo modo, às pessoas. Tudo é muito rápido e dinâmico. Antigamente, quando uma criança ganhava um brinquedo, ela era ensinada a cuidar dele. Se quebrava, era ensinado a consertar e mantê-lo. Por vezes, o mesmo brinquedo passava de uma criança para outra ainda em bom estado de conservação. Hoje as coisas já não acontecem mais assim.
Tudo se tornou facilmente descartável, inclusive os relacionamentos. As crianças tem aprendido cada vez mais que as ausências dos pais podem ser compensadas com brinquedos novos. E se um brinquedo quebra, pra que consertar? Compra outro novo, mais moderno, “bem melhor”. E assim os jovens vão compreendendo que tudo nesta vida é substituível, até o cachorro de estimação. O carro, o iphone, a TV são produtos novos ainda. “Ah, mas tem uma versão nova no mercado e essa aqui já está bem ultrapassada.”
Sucessivamente, essa onda de poder e consumismo vai se tornando a miopia dos relacionamentos. A disputa por vaidade e poder vai aos poucos minando todas as garantias de durabilidade e eterno. Sendo assim, quem quer embarcar num relacionamento sabendo que ele não vai durar? Ninguém, óbvio. E as pessoas embarcam cada vez mais em relacionamentos superficiais, na ânsia de somente exibir que não estão sozinhas, quando na verdade nem sabem o que é de fato viver na companhia de alguém.
E se esse não der certo? Tem outro, e outro, e outros… Entretanto, segundo Bauman, essa facilidade de desengajamento e de rompimento não reduz os riscos de sofrimento e aumenta ainda mais os níveis de ansiedade. Bauman compara o amar à morte, por se tratarem ambos de eventos não preditos no tempo. Chegada a hora, ambos vão atacar e não há nada que se possa fazer para impedi-los. A única diferença entre eles é que a morte é uma experiência única e o amor, necessariamente, não precisa ser.
É claro que já ouvimos muitas histórias e estórias de amores que aconteceram muito jovens, nas quais os casais seguiram se amando até a morte. Entretanto, nem sempre é assim que acontece. Muitas pessoas embarcam num relacionamento acreditando que aquele será para sempre o amor da sua vida, mas no fim, aliás, com o fim, descobrem, mais uma vez, que ainda terão de enfrentar a angústia do vazio e a tristeza da solidão, antes de experimentarem novamente o sabor do amor e do sentir-se amado. Muitas pessoas passam a vida inteira nesta busca.
Bauman explica este fato ainda atrelado ao que ele chama de “Amor líquido”. Muitas pessoas, após se apaixonarem algumas vezes, acreditam que estão ficando mais experientes com os relacionamentos e que assim, no próximo será melhor, “embora não tão emocionante ou excitante quanto o que virá depois”. Ou seja, a busca não para. O fantasma do “sempre tem algo melhor” não deixa de rondar os relacionamentos e, ao mínimo sinal de estresse, já se rompe o que poderia ser um relacionamento duradouro.
No amor, há pelo menos dois seres, cada qual uma grande incógnita na equação do outro. Para Bauman, é isso que faz o amor parecer capricho do destino – aquele futuro estranho misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido.
Amar significa abrir-se ao destino, à mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível.
Voltando para nossa sociedade moderna, na qual tudo vem pronto para o consumo rápido e voraz, qual ser foi preparado emocionalmente para lidar com a angústia da conquista? Da espera pela lapidação da relação a dois? Do cultivar o amor? Do suportar tudo aquilo que não gostamos no outro para termos a parte que mais amamos? Quem está preparado para amar os defeitos do outro? Porque ama-se a pessoa por inteiro, do jeito que ela é, ou não amamos.
Aí nos deparamos com a fragilidade das relações atuais: um mundo de pessoas fascinadas e seduzidas pelos “produtos” que prometem felicidade instantânea, capazes de satisfazerem seus desejos sem muita ansiedade, dedicação e esforço. Seria altamente rentável abrir um laboratório e começar a produzir amor em cápsulas. No rótulo, viriam algumas descrições básicas necessárias para o consumo, e pessoas mais ousadas e curiosas poderiam até ler a bula.
Mas isso seria trabalho demais, e aventurar-se nos distúrbios de alta dosagem e reações adversas é coisa para corajosos ou malucos mesmo. As pessoas querem mais é consumir sem saber as consequências, ainda que tenham que arcar com elas depois. As pessoas estão cada vez mais convencidas de que um relacionamento exige demais de nós mesmos e não estão dispostas a pagar o preço.
Querem entrar num relacionamento com as mesmas garantias que fazem negócios no mercado de ações. Querem prever todos os eventos que possam acontecer e minar o investimento feito. Mas quando o assunto é amor, não há garantias. É um cheque em branco que você assina e não sabe o preço que irá pagar. E não importa o número de relacionamentos que você já tenha vivido. Quando você estiver amando novamente, nada do que aprendeu anteriormente terá aplicação se você não souber o quão disposto está a abrir mão e se entregar. “Se o amor é remédio, o relacionamento é dor de cabeça. Onde houver dois não haverá certezas. Ser dois significa consentir em indeterminar o futuro.”
Enfim, concluo que nossa era moderna, consumista, moldou os padrões dos novos relacionamentos. Isso significa mais consultórios cheios e corações vazios. Porque o amor continuará a ser uma busca do ser humano, e a fragilidade nas relações, suas maiores dores. Aprenda a cultivar a paciência e a consciência de que embarcar num relacionamento exige coragem e humildade ou aprenda a lidar com a angústia da solidão.
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