Os bebês sabem quando seus pais estão em pé de guerra, mesmo enquanto dormem. Sabem também quando estão na presença de alguém com raiva e mudam sua atitude em função disso. A partir dos 15 meses de idade, a criança percebe e assimila julgamentos, estereótipos e preconceitos que reconhece na atitude dos adultos que ama.
Essas são algumas das descobertas que o psicólogo americano Andrew Meltzoff fez ao longo de mais de 40 anos de pesquisa com bebês e crianças até os 5 anos. Meltzoff formou-se em psicologia pela Universidade Harvard e possui doutorado em psicologia infantil pela Universidade de Oxford. Hoje, ele é vice-diretor da Universidade de Washington. Seu trabalho tem especial importância porque boa parte da formação das crianças pequenas interfere em seu desenvolvimento e nos valores que terá por toda a vida.
ÉPOCA – Por que o senhor privilegia em suas pesquisas a importância da fase entre o nascimento e os 5 anos de idade?
Andrew Meltzoff – Há evidências científicas de que o desenvolvimento da criança no começo de sua vida ajuda a determinar o adulto que ela será. O cérebro do bebê é esculpido pelas experiências. Ele é profundamente afetado pelas interações sociais e físicas que tem com o mundo. Nesse período o bebê aprende mais do que aprenderá em qualquer outro período cronológico similar.
ÉPOCA – A incrível capacidade de aprendizado da criança pequena faz parecer que ela aprenderá de qualquer forma. Essa percepção é um equívoco?
Meltzoff – Sim, é um equívoco. O meio em que a criança vive é de vital importância para seu desenvolvimento. A criança aprende sobre si mesma através da observação e da interação com outras pessoas. Elas precisam de nós para aprender. Os pais, avós, tios e qualquer outro cuidador são extremamente importantes para a criança porque ela assimila mais facilmentes os comportamentos daqueles em quem ela confia. Por isso, a atitude dos pais ou de uma babá é mais importante para ela do que a de outras crianças.
ÉPOCA – Que tipo de cuidados os pais deveriam tomar para não atrapalhar o desenvolvimento da criança?
Meltzoff – Deixar que a criança brinque e prestar atenção nela. Ela sabe quando é observada. Isso faz com que a criança se sinta segura, cuidada e apreciada. Em vez de ficar na internet procurando como cuidar melhor de seu filho, os pais podem deixar os celulares, o tablet e a TV de lado e observá-lo. As crianças são diferentes umas das outras e têm necessidades distintas. Mas uma coisa sabemos sobre todas elas: se saem melhor quando recebem a atenção daqueles que amam.
Acho que hoje em dia os pais já têm bastante consciência de que as crianças aprendem enquanto brincam. Só não devem achar que por isso precisam encher o ambiente de brinquedos estimulantes, educativos e caros! Para os bebês de zero a 5 anos, “os seus” adultos são o brinquedo favorito. A face, a voz e a interação dos pais, irmãos ou cuidadores são o brinquedo mais educativo de que podem precisar. Molho de chaves, panelas, panos, batom e torre de potes de comida podem ser brinquedos mais interessantes do que qualquer um encontrado em lojas especializadas em bebês.
ÉPOCA – Há diferença entre crianças que vão para o berçário e aquelas que crescem em sua própria casa?
Meltzoff – Em testes de desenvolvimento, extraímos os mesmos resultados de desenvolvimento de crianças que ficam em casa, num ambiente saudável, e das que vão para a escola de alta qualidade. Berçários de alta qualidade são aqueles em que há um número menor de crianças por professor e que têm um ambiente apropriado para elas. Esses testes confirmaram também algo que já sabíamos. O que importa é a qualidade de tempo que a criança tem com seus pais. Os pais podem trabalhar o dia todo. Mas devem, quando estão juntos com a criança, prestar atenção e assegurar, pelo comportamento, como ela é importante e apreciada.
ÉPOCA – A criança é capaz de perceber ambientes hostis?
Meltzoff – Temos uma série de estudos que mostram como as crianças pequenas são sensíveis à raiva e a qualquer tipo de hostilidade. Elas percebem a hostilidade entre adultos mesmo enquanto dormem. Crianças pequenas são capazes de fazer qualquer coisa, por mais antinatural que seja para elas, para evitar que o adulto fique com raiva. Num dos vários testes que fizemos, bebês com menos de 2 anos assistiram à demonstração de rispidez de um adulto. Menos de uma hora depois disso, um outro adulto chegou e pediu o bichinho que o bebê carregava, aquele preferido com o qual ele dormia. Ele naturalmente não quis entregar o brinquedo. Em seguida, o adulto raivoso entrou na sala, sem mostrar raiva, e pediu o brinquedo. Os bebês entregaram o brinquedo para ele.
ÉPOCA – O que ocorre com crianças pequenas expostas a cenas de violência?
Meltzoff – Sabemos que crianças expostas a muitas situações de violência (imagens ou sons) tendem a ser violentas. De novo, é a tendência a imitar padrões, principalmente se eles vieram de fontes de confiança. O importante nesses casos é ajudar a criança a processar efetivamente aquilo tudo que presenciou para que ela não absorva comportamentos danosos às cegas.
ÉPOCA – Traumas físicos e psicológicos em crianças pequenas podem ser superados?
Meltzoff – Crianças são impressionantemente resilientes. São capazes de superar experiências extremas vivenciadas nos primeiros anos de vida, desde que tenham uma relação saudável em que se apoiar. Todas as pesquisas mostram que essa é a diferença entre o estresse tóxico e o estresse tolerável. Uma criança que perde alguém que ama e tem uma relação de confiança com quem cuida dela será capaz de gerenciar seu próprio estresse. Por outro lado, crianças que passam pela mesma experiência e não têm um adulto com quem contar vão experimentar um estresse prolongado. Isso poderá interferir negativamente na forma como essas crianças reagirão a outras fontes de estresse no futuro.
ÉPOCA – Crianças podem assimilar preconceito?
Meltzoff – Crianças pequenas são detetives emocionais. Elas observam cuidadosamente como reagimos a pessoas e situações, detectam e assimilam as informações mais sutis. A ciência moderna mostra que as crianças assimilam os preconceitos e estereótipos sobre raça, classe social, gênero e nacionalidades desde muito pequenas. Um estereótipo amplamente difundido no mundo dos adultos é que matemática é mais para os meninos do que para as meninas. Numa das pesquisas que fizemos na Universidade de
Washington constatamos que 70% das meninas de 2 anos de idade que recrutamos já assimilaram a ideia de que garotos se dão bem com matemática e garotas não. É notável porque isso ocorreu antes de elas começarem a calcular.
Os bebês começam muito cedo a dividir as pessoas em nós e eles. Numa outra pesquisa, distribuímos aleatoriamente camisetas laranja e camisetas verdes entre crianças de 3 e 4 anos. Daí mostramos, individualmente, fotos de crianças vestindo camisetas com essas cores. Sem exceção, cada uma das crianças agiu da mesma forma: escolheu como as crianças mais legais aquelas com camisetas iguais à dela.
Os pesquisadores contaram a essas crianças histórias com pessoas usando as camisetas de mesmas cores. Na história, o mesmo número de pessoas em cada cor tinha boas e más ações. Na hora em que pediam para as crianças recontarem a história, elas reportavam como aquelas com boas ações as que usavam as camisetas da mesma cor que a delas, enquanto as que usavam a outra cor teriam feito as coisas ruins. Uma série de pesquisas mostra que as bases para os preconceitos são construídas nos primeiros anos de vida. O papel de pais, professores e sociedade é mostrar à criança que todos são como ela e precisam ser tratados da mesma forma. Transmitir os valores éticos é responsabilidade dos adultos.
ÉPOCA – O que as pesquisas em curso sobre crianças pequenas tentam descobrir agora?
Meltzoff – Nós e outros cientistas trabalhamos para entender de onde vem a compaixão. As crianças a sentem naturalmente ou ela lhes é ensinada? E de que forma pode ser ensinada? Sabemos também que crianças de 4 e 5 anos já demonstram ter mais ou menos autoestima – e isso tem um impacto importante no aprendizado delas.
Estudamos a origem da autoestima e também como aumentá-la no caso das crianças que têm mais dificuldade em lidar com seus microfracassos cotidianos. Não temos ainda a resposta para isso, mas sabemos que esse é um aspecto detectável na infância e com grande impacto por toda a vida.
ENTREVISTA ORIGINAL DE ÉPOCA