Por Sirley R. S. Bittú
A Bulimia Nervosa e a Anorexia Nervosa são os mais conhecidos dos transtornos alimentares, existindo ainda o transtorno do comer compulsivo. A alimentação, nesses casos, torna-se uma válvula de escape para as mais variadas dificuldades emocionais.
Para explicar de forma didática, o ato de comer está relacionado a uma necessidade física e a uma necessidade emocional. Quando nos alimentamos, somamos o prazer oral da alimentação à necessidade do organismo de sais minerais, proteínas, carboidratos, enfim, a toda fonte de energia que precisamos para pensar, agir e amar. Trata-se também de uma necessidade emocional, porque implica em oferecer atenção, cuidado e amor a quem estamos alimentando.
Assistimos a todo o tempo indivíduos utilizando-se da alimentação para preencher espaços vazios em sua vida. Quem não tem uma amiga, um amigo (ou até você mesmo), que já não se empanturrou de chocolate ou de qualquer outra guloseima por estar chateado, triste, principalmente após uma briga de amor? Agora imaginemos essa situação ampliada… Encontramos alguém que não consegue elaborar e expressar suas emoções, trocando essa atitude por comer compulsivamente, por exemplo.
Desde nosso nascimento até a vida adulta, em quase todas as sociedades humanas o aprendizado alimentar é organizado segundo complexas normas que definem o que pode e o que não pode ser comido. Estas práticas estão diretamente relacionadas aos mitos e crenças religiosas, influenciando o comportamento do indivíduo e sua aceitação social. Desta forma a comida relaciona-se à questão do poder e do controle sobre si e muitas vezes sobre os outros.
A pessoa que sofre de Anorexia Nervosa mantém seu peso corporal abaixo do esperado para sua faixa etária, através de abstenção de alimentos que engordam, vômitos e purgações auto-induzidas; algumas chegam a praticar exercícios em excesso sempre objetivando a perda exagerada de peso. Estes sintomas são acompanhados de uma imagem corporal distorcida, o que significa que a pessoa, mesmo sendo magra, percebe-se como gorda e com excesso de peso, evitando alimentar-se para chegar a seu “peso ideal”. Quando falo aqui em peso ideal, não me refiro àquela busca dos três quilinhos a menos, que toda mulher parece estar sempre desejando, mas, a um medo obsessivo de ganhar peso que leva a pessoa a abster-se de comida, colocando em risco a própria vida.
A Bulimia Nervosa se apresenta com uma preocupação persistente com o “comer” e um desejo irresistível de comida; a pessoa sucumbe a episódios de hiperfagia, nos quais grandes quantidades de alimento são consumidas em curtos períodos de tempo. No entanto, tenta neutralizar os efeitos de “engordar” dos alimentos através de vômitos auto-induzidos; abuso de purgantes e períodos alternados de inanição.
A Anorexia e a Bulimia na maioria das vezes caminham juntas, sendo comum algumas pessoas alternarem entre os dois sintomas.
Nesta intensa busca pela perda de peso é comum o uso de anorexígenos e/ou diuréticos ou preparados tireoidianos, tornando-se muitas vezes dependentes dessas substâncias.
No transtorno do comer compulsivo, o indivíduo sofre de ataques de hiperfagia, ou seja, possui momentos onde não consegue parar de comer, tendo literalmente a sensação de que não vai suportar tanta comida. Difere da bulimia, por não provocar necessariamente vômitos auto-induzidos. Geralmente esses acessos de hiperfagia são precedidos por sentimentos de grave tensão e seguidos de relaxamento, embora tudo isso seja acompanhado de culpa e vergonha. A característica central é a dificuldade em controlar o desejo insaciável de comida, sendo comum o surgimento de sintomas depressivos acompanhando o quadro. Outras características importantes são a sensibilidade às críticas, baixa auto-estima, dificuldades em estabelecer relacionamentos íntimos e o crescente evitar atividades sociais devido ao medo de críticas e da rejeição.
A função primária do ato de alimentar-se é, de modo geral, propiciar energia para a manutenção da vida, torna-se nestes casos, secundária e algumas vezes nem é considerada.
Nota-se que os transtornos alimentares ocorrem predominantemente em mulheres. Nesses casos, estão diretamente relacionados à própria identidade feminina, ao seu entendimento de ser mulher no mundo, à sua capacidade de ser gostada, amada e desejada. Para os homens, da mesma forma relaciona-se a questões profundas de sua identidade e auto-aceitação. Talvez isto explique em parte sua grande ocorrência entre os adolescentes, que estão justamente na fase de elaboração destas questões. Uma das características de mulheres que sofrem deste transtorno é possuírem um ideal de beleza inatingível, grande rigidez e capacidade aguçada à crítica a respeito de suas atitudes e das atitudes dos outros.
A influência da relação familiar nos sintomas de dependência alimentar é muito grande, visto o lugar da família como condutor do processo de desenvolvimento emocional, através das relações estabelecidas na Matriz de Identidade, ou seja, em suas primeiras relações. Em todo esse processo existem muitas variáveis que interferem direta ou indiretamente na disponibilidade que a mãe, o pai ou simplesmente o cuidador, terão com esse ser que acaba de nascer. Aqui não estou falando em tempo disponível, tão escasso nos dias de hoje, mas na qualidade das relações afetivas e no clima emocional que essa criança estará vivenciando, que somados às características genéticas inatas, vão interferir diretamente na disponibilidade para a saúde ou para a doença emocional.
Certamente entendemos que estamos falando de um tipo de comportamento que seria atribuído não apenas às questões alimentares, mas a uma ampla rede de cuidados, repletos de desconfirmações às quais a criança é submetida durante toda a infância. Vários distúrbios emocionais de diferentes graus têm sua origem nesta fase do desenvolvimento.
Os registros que a criança passa a ter trazem consigo esta dupla mensagem: amor relacionado ao ódio, prazer misturado ao desprazer, cuidado associado com agressividade – embaralhados e fundidos – estabelecendo um caráter paradoxal nas relações estabelecidas, sobre amar aqueles que lhe fazem sofrer e fazer sofrer como sinônimo de amar. A resposta encontrada pelo dependente alimentar para resolver essa confusão comunicacional, é a autopenalização, fazendo sofrer quem deveria amar.
A anorexia, a bulimia e o comer compulsivo, são transtornos que necessitam de tratamento médico e psicológico, mas a doença traz em si a questão do tudo ou nada, total onipotência ou total impotência para lidar com a situação, o que dificulta em muitos casos que a pessoa peça ajuda psicológica/psiquiátrica.
Muitos que buscam tratamento conseguem chegar a uma consulta médica, mas muitas vezes não conseguem procurar a ajuda psicológica. O medo de falar sobre as dores que o afligem, a vergonha de contar sobre os ataques de hiperfagia, sobre os longos períodos de inanição, sobre o uso de laxantes, dos vômitos auto-induzidos ou mesmo das automutilações, quando ocorrem, levam o indivíduo a se isolar optando por se calar e sofrer sozinho. Infelizmente essa atitude só traz o agravamento da situação.
O sofrimento aparece porque todo este processo de comer em demasia ou não comer traz em si muita dificuldade em aceitar-se, a auto-estima encontra-se muito fragilizada. Geralmente são pessoas que não possuem confiança em si mesmo e nem tão pouco nos outros para entregar-se e permitirem ser cuidados.
Todo esse sofrimento coloca em risco a vida do indivíduo. Precisa parar; e para isso é imprescindível o tratamento médico e psicológico, com a maior urgência. O médico psiquiatra fará o diagnóstico e fornecerá a medicação necessária para ajudar a controlar os sintomas físicos, e o Psicólogo, através da psicoterapia, ajudará o indivíduo a trabalhar sua auto-estima e capacidade de cuidar da si, aprendendo a nutrir-se de auto-aceitação e afeto. Seus mitos e verdades sobre si mesmo serão checados ajudando-o a reconstruir sua história de forma mais positiva e generosa. Esta parceria medicamentosa e psicoterápica é muito importante para a resolução do problema e é a que traz os melhores resultados.
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