O primeiro encontro, além de ser parte necessária (embora um tanto desconfortável) da vida romântica, também pode ser um dos acontecimentos que mais provocam ansiedade.
Olhando de frente um para o outro por cima daquele abismo aparentemente infinito de uma toalha de mesa branca, cada uma das partes de um casal será inevitavelmente tomada por um milhão de pensamentos aflitos e apreensivos, inclusive coisas como: “Ele (ou ela) é atraente?”, “Eu mesmo/a sou atraente?” E até banalidades como “Será que me lembrei de desligar o fogão antes de sair da casa?”
Presumivelmente, o principal objetivo dessa lamentável empreitada é estabelecer algum tipo de conexão interpessoal.
Infelizmente, uma nova pesquisa em psicologia social sugere que a profunda apreensão que um primeiro encontro pode despertar também poderia minar a capacidade de pessoas estabelecerem justamente esse tipo de vínculo empático.
O estudo mostra que ansiedade interfere de forma singular com a chamada “tomada de perspectiva”, ou seja, a capacidade de nos colocarmos no lugar de outros.
A noção de que ansiedade prejudica a tomada de perspectiva é importante porque é justamente esse tipo de nervosismo que aflora quando uma ligação empática é mais necessária.
Um compromisso para falar em público, uma entrevista de emprego, até o ato de ensinar uma criança a ler: todas essas situações exigem uma pronunciada compreensão do que é ser a outra pessoa na sala. Portanto, ao permitirmos que a ansiedade ocupe nossos pensamentos talvez estejamos de fato minando, ou enfraquecendo, nossas chances de êxito nos momentos sociais mais decisivos.
Uma equipe de pesquisadores, liderada por Andrew R. Todd, da Universidade de Iowa, realizou uma série de experimentos em que os cientistas aumentaram artificialmente o nível de ansiedade dos participantes, ao lhes pedirem que relatassem, em detalhes vívidos, um evento aflitivo que havia acontecido em seu passado.
Os integrantes do grupo de controle, por outro lado, foram solicitados a escrever sobre eventos neutros, por exemplo, como eles normalmente passam suas noites, ou sobre coisas negativas, como situações que provocam aversão ou irritação profunda.
Em seguida, os pesquisadores deram aos participantes uma variedade de tarefas destinadas a avaliar suas capacidades (ou disposições) para tomar perspectiva.
No primeiro teste, os voluntários foram apresentados à fotografia de uma pessoa sentada a uma mesa com um livro à sua esquerda (e, pela lógica, à direita dos observadores).
A pergunta-chave era: “De que lado da mesa está o livro?”
Enquanto mais da metade das pessoas não ansiosas respondeu que o livro estava no lado esquerdo (implicando que elas tinham tomado a perspectiva da pessoa); apenas cerca de 25% das ansiosas afirmaram o mesmo.
Isso sugere que há algo sobre ansiedade que bloqueia as pessoas em seu próprio ponto de vista. (A lição aqui é: não inicie um primeiro encontro [romântico] com uma discussão sobre quem está mais perto do saleiro.)
É claro que, para ser justo, não há uma resposta correta para a pergunta, já que se pode afirmar, corretamente, que o livro está em qualquer um dos lados da mesa
Portanto, para examinar o caso mais a fundo, os pesquisadores realizaram um estudo de acompanhamento (follow-up) para verificar se pessoas ansiosas podiam “ignorar, ou des-conhecer” informações que eles sabiam que os outros não tinham.
O estudo funcionou da seguinte maneira:
Participantes ficaram sabendo de um calouro que acabou de entrar na faculdade, chamado Nick, e pergunta [por e-mail] ao seu amigo David, um “veterano” de segundo ano, se ele deveria se inscrever no curso (na classe) do professor Jones. Nick não sabe, mas o professor havia sido rude com David no passado. David escreve de volta a Nick, afirmando: “Ah, sim, o professor Jones é um cara muito legal”.
Então os participantes do teste foram solicitados a decidir se Nick interpreta o e-mail de David como sendo sarcástico ou sincero.
Atente para a capciosa tarefa que os voltários devem executar aqui:
Eles não estão sendo orientados a dizer se eles consideram o e-mail de David sarcástico ou sincero; eles estão sendo instruídos a dizer se Nick acredita que é.
Mas como Nick não sabe nada sobre a altercação de David com o professor, ele não tem nenhum motivo para detectar sarcasmo.
Pessoas peritas em imaginar os pensamentos de outros devem perceber isso. As menos propensas a isso talvez não.
O resultado do teste? Pessoas ansiosas mostraram-se mais inclinadas a acreditar que Nick entenderia a mensagem como sendo sarcástica, embora fossem somente elas, e não Nick, que soubessem que David havia tido uma experiência negativa.
Isso reforça ainda mais a noção de que ansiedade, mais que aversão ou irritação profunda, nos cega em relação às experiências de outros.
As lições dessa pesquisa vão muito além da noção de que um primeiro encontro romântico tenso, ou apreensivo, provavelmente não acabará no apartamento de um dos dois.
De uma perspectiva mais abrangente, parece que situações sociais que induzem ansiedade (ironicamente) também são as que mais demandam nossa empatia.
Considere o exemplo clássico da reunião de família em que as relações são tensas, em que parentes próximos se reúnem para o que todos esperam ser um evento caloroso e comemorativo, só para sucumbir à irritação e ao bate-boca à medida que as micro alfinetadas, ou os ataques à paciência e sensibilidades dos presentes geram desgaste e fazem seus estragos.
O que origina essa deterioração, ou involução? Talvez seja justamente o medo de conflito que gere tensão na mesa de jantar.
Se for assim, isso implica que a preocupação das pessoas sobre um resultado temido exacerbará a probabilidade de que será exatamente esse desfecho que se concretizará.
Como muitas coisas na vida, a associação negativa entre ansiedade e tomada de perspectiva pode ser parte de um ciclo vicioso.
Os efeitos da ansiedade também se estendem além da esfera social.
O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855), autor de “Temor e tremor“, usou a palavra Angst (medo, ansiedade) para descrever aquele murmúrio surdo de terror que sentimos enquanto contemplamos nossa própria morte.
Portanto, ansiedade pode não ser apenas uma reação a incidentes sociais de alto risco, mas também uma condição crônica de uma espécie suficientemente inteligente para entender o inevitável fim, ou morte, mas ainda não inteligente o bastante para saber como fazer qualquer coisa a respeito.
E se Angst é nossa aflição perene, então, ao que parece, a solidão também é, à medida que a ansiedade nos aprisiona em nossa própria pele e confunde nossas tentativas de decifrar o mundo a partir dos pontos de vista de outros.
Do lado inverso, porém, a tarefa parece bem clara: diminuir nosso medo do desconhecido e de sermos vulneráveis e, ao fazermos isso, cultivar e nutrir aqueles pequenos tentáculos e raízes que estendemos para o mundo social.
Se ansiedade brota da ameaça ao ego, então, ao evitarmos, ou rejeitarmos o ego, talvez possamos ser capazes de neutralizar o veneno em sua fonte.
Em outras palavras: parar de pensar que somos mais importantes ou melhores que outros e exercer ampla empatia podem ser dois lados da mesma moeda.
TEXTO ORIGINAL DE UOL
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