Acreditar que outra pessoa é capaz reduzir o espaço afetivo que ocupamos na vida de quem amamos causa desconforto, é um sentimento natural. Mas, em excesso, pode se refletir em comportamentos agressivos e obsessivos, como o hábito de vigiar e perseguir o parceiro amoroso.
Em casos extremos, pode resultar em crimes passionais e suicídio. Estudos de neuroimagem estão identificando áreas do cérebro relacionadas ao sentimento, o que abre caminho para intervenção medicamentosa no caso de ciúme patológico.
A psiquiatra Donatella Marazziti, da Universidade de Pisa, na Itália, e sua equipe analisaram imagens do cérebro registradas em diversos estudos sobre diferentes distúrbios neurológicos e psiquiátricos. Em comum, os voluntários dessas pesquisas apresentavam sinais de ciúme delirante. Segundo a cientista, a prevalência de pensamentos obsessivos sobre o parceiro amoroso era maior entre dependentes químicos e pacientes com esquizofrenia, Alzheimer e Parkinson. “É possível que exista uma mesma rede neural subjacente ao ciúme e a esses transtornos”, aponta a psiquiatra em artigo publicado na CNS Spectrums.
Assim, as raízes biológicas do medo de perder o ser amado correspondem ao córtex pré-frontal ventromedial, região responsável pelo processamento de emoções, como o amor. Os cientistas acreditam que o “cérebro ciumento”, porém, parece cultivar três características principais: tendência a considerar o objeto de amor como a única coisa valiosa; interpretação equivocada de comportamentos inofensivos, pensamentos e emoções do parceiro; supervalorização de ideias de sofrer abandono, o que não raro pode levar a reações extremas.
Donatella diz que o estudo das raízes do ciúme no cérebro ainda está apenas começando. “Compreendê-las bem o suficiente abre perspectivas para controlar as formas mais extremas do ciúme.”
O que seria “ciúmes”?
Basicamente, ciúme é o medo de perder alguém amado para uma terceira pessoa. Segundo Ballone, o ciúme normal é transitório e baseado em fatos. O maior desejo é preservar o relacionamento. Algumas pessoas o encaram como prova de amor, zelo ou valorização do parceiro. Outros o consideram uma prova de insegurança e baixa autoestima.
Ciúme doentio
Já no ciúme patológico há o desejo inconsciente da ameaça de um rival, assim como o desejo obsessivo de controle total sobre os sentimentos e comportamentos do outro. Caracteriza-se por se exagerado, sem motivo aparente que o provoque, deixando o ciumento absolutamente inseguro e transformando-o num tremendo controlador, cerceador da liberdade do outro, podador de qualquer atividade que o parceiro queira fazer sem que ele esteja.
Dúvidas se transformam em ideias supervalorizadas, levando a pessoa a checar, verificar se ela tem fundamento. Checa celulares e ligações recebidas constantemente, quer saber quem enviou mensagens, que e-mails recebeu e por qual motivo, com quem falou e sobre o que, onde está e a que horas voltará, quem são os amigos e porque os têm; acha que se a pessoa se arruma para sair, mesmo que seja para o trabalho, está “se arrumando para encontrar o amante”; se há algum atraso é motivo de brigas e questionamentos intermináveis; e por mais que tente aliviar seus sentimentos, nunca estará satisfeito, permanecendo o mal estar da dúvida. Enfim, a vida a dois transforma-se num verdadeiro martírio.
A maneira errada de lidar com o ciúme
Quem sofre os “ataques” do parceiro alimenta-o sem saber à medida que concorda em submeter-se ao que o outro pede. Por exemplo: se, ao ser questionado sobre quem lhe enviou e-mails, mesmo no trabalho, ele responder, der satisfações, o outro se sentirá no direito de fazê-lo sempre, agindo dessa forma cada vez mais incisivamente.
As brigas tornam-se frequentes e o clima de tensão impera na relação, já que qualquer coisa é motivo para reacender o ciúme. Porém, há momentos de total tranquilidade intercalados a estes – geralmente quando estão juntos, fazendo algo que distraia a atenção do ciumento – o que deixa a “vítima” do ciúme confusa, tirando a vontade de abandonar a relação que muitas vezes é tentadora.
Quando você vive em uma família cujas características principais são o controle, o cuidado excessivo, o zelo e preocupação com os filhos, cresce achando que assim deve ser, pois esse foi o modelo aprendido.
Mas afinal quem é a vítima aqui? Aquele que sofre com as cobranças e vive numa verdadeira prisão ao lado de alguém possessivo e controlador ou este, que vive em constante tensão e desconfiança, perdendo por completo sua tranquilidade perante a vida em função de algo que o consome? Diria que ambos são vítimas e necessitam cuidados, cada um em seu contexto.
Aquele que convive com o ciumento deve aprender a colocar limites, não alimentando a dinâmica doentia do parceiro, e não deixando de fazer suas coisas ou falar com seus amigos só porque o outro quer. Ele acaba cedendo às pressões para evitar brigas, o que lhe parece mais fácil, mas o resultado é catastrófico, pois quando menos imaginar perceberá o quanto está agindo em função do outro e se deixando de lado, submetendo-se, anulando-se por completo. E o pior: nada satisfaz ao parceiro, que vai exigir sempre mais, pois, como já foi dito, a sensação da dúvida permanece.
A maneira certa de lidar com o ciúme
Em sua terapia procure entender porque se deixa dominar por alguém que lhe cerceia por completo, aceitando abrir mão de seu direito e liberdade de relacionar-se com as pessoas e com o mundo. Já o ciumento deve procurar ajuda psicoterapêutica e medicamentosa, pois o tratamento abrange tanto o lado emocional quanto o físico. É uma doença tratável à base de antidepressivos, que aliviarão e muito os sintomas, devolvendo à pessoa a liberdade de viver. A psicoterapia paralela à medicação é fundamental para que se trabalhem questões profundas ligadas ao aparecimento do ciúme, geralmente envolvendo dinâmicas familiares complicadas, insegurança e autoestima baixa, entre outras. Nunca tome medicação por conta própria, sempre consulte o médico antes de optar pelo tratamento medicamentoso.
Uma grande dificuldade que encontramos ao lidar com essas pessoas é que em muitos casos tal comportamento foi aprendido com o pai ou a mãe, também ciumentos, passando a falsa ideia de que esse jeito de funcionar é o normal. Quando você vive em uma família cujas características principais são o controle, o cuidado excessivo, o zelo e preocupação com os filhos, cresce achando que assim deve ser, pois esse foi o modelo aprendido.
Porém, ao deparar-se com um(a) namorado(a) que não viveu essa dinâmica, o ciúme começa a se manifestar, denunciando a presença da doença. Como convencê-lo a se tratar se a própria família não considera seu comportamento “fora do padrão”, muitas vezes boicotando a continuidade do tratamento? Aqui entra a importância de uma terapia familiar acontecendo paralelamente ao tratamento individual, para que cada um possa reconhecer sua parcela de responsabilidade no problema e juntos, se comprometam a resolvê-lo.
É preciso reaprender a relacionar-se sem o controle e libertar-se da angústia da dúvida para experimentar o prazer de um relacionamento “saudável”, onde ambos possam compartilhar momentos de tranquilidade, sem ter que abrir mão de sua individualidade ao mesmo tempo. Isso é possível, basta querer.
TEXTO ORIGINAL DE BIOSEMLIMITES
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