Para se tornarem adultos saudáveis, as crianças precisam de aprender a lidar com momentos de frustração, de contrariedade e a conhecer os seus limites.

Há alguns anos, educar era uma tarefa menos complicada, uma vez que se assistia a uma clara estratificação de poderes, em que os papeis estavam plenamente definidos. Os adultos continuavam a obedecer aos pais e as crianças sujeitavam-se às regras dos mais velhos, sem qualquer contestação.

Com o passar do tempo, alguns pedagogos vieram dizer-nos que este tipo de educação estava incorrecta, que era necessário ouvir as crianças e permitir-lhes uma atitude mais participativa na relação na sua relação com a família.

Até aqui tudo bem, não fosse o problema de alguns pais terem cedido à tentação de cair no extremo oposto. Em consequência, assistimos hoje a situações em que o poder está nas mãos das crianças e toda a família evita contrariá-las, com receio que surjam traumas ou outras mazelas psicológicas.

Estabeleça as regras desde o início

Ter um filho é um projecto a dois que normalmente surge associado a sentimentos de afecto e de algum receio. Com frequência ouvimos jovens grávidas verbalizarem o medo de não se tornarem mães suficientemente boas e competentes.

Por outro lado, chorar é o único meio que a criança tem para transmitir conforto/desconforto aos que a rodeiam. A ligação mãe-bebé pode ser tão forte que permita descodificar os tons do choro, logo após três dias de vida.

Perante o choro, existem muitas reacções possíveis, que vão desde a mãe demasiado ansiosa, que corre imediatamente para o berço do filho e o tenta acalmar, até à mais segura, que percebe que o seu filho acordou devido a algum barulho estranho e que é preciso dar-lhe alguns minutos para que se recomponha e volte a adormecer.

Deste modo criam-se mecanismos de defesa, que serão usados noutras situações de desconforto psicológico. Mas, estes dois exemplos de atitudes maternas, encerram duas formas distintas de educar, sendo que o esboço da educação vai sendo traçando desde os primeiros dias de vida e tende a consolidar-se nos anos seguintes.

O problema é que muitas vezes a decisão de impor regras surge numa fase avançada da vida da criança – por exemplo, na adolescência – momento em que a receptividade do jovem é já reduzida ou mesmo nula.

Dizer “NÃO”

Já reparou que todas as crianças sentem medo? Medo do escuro, dos papões verdes que surgem durante a noite, dos ladrões debaixo da cama, etc. Esta sensação de medo acompanha o desenvolvimento do ser humano e permite estruturar-nos internamente. O que seríamos nós sem o medo?

Esta é uma questão curiosa e que pode pôr-nos a imaginar que atravessaríamos uma estrada sem olhar para os lados, daríamos saltos no vazio sempre que a angústia pesasse nos nossos corações ou seja, viveríamos por um curto intervalo de tempo. O facto de aprendermos a enfrentar os riscos de uma forma calculada contribui para que a nossa vida seja mais segura.

Uma criança que começa a andar pela casa, vê-se rodeada de objectos fascinantes e desconhecidos. Nesta fase, para os pais, o desafio consiste em encontrar o equilíbrio entre estimular o interesse pelo mundo que a envolve e habituá-la a um conjunto de normas que são necessárias.

Nesta altura, o “não” é uma palavra que se torna comum: “não mexas aí”, “tem cuidado não te magoes”, “não podes vir para aqui”, etc. Estas frases repetem-se até que a criança perceba a advertência e corrija por iniciativa própria o seu comportamento.

Por seu lado, a criança também poderá começar a utilizar o “não”, mas apenas como forma de imitar os adultos. Este facto é mais notório quando as crianças estão com adolescentes e tendem a contrariar tudo o que lhes é dito.

Importância da coerência

Em matéria de regras, a coerência de atitudes entre pai e mãe é vital. Referimo-nos ao caso de alguns casais em que um dita uma regra e o outro anula-a, substituindo-a por outra. Por exemplo, a mãe chega a casa e ao constar que o filho não fez os tpc (dever de casa), diz-lhe que só lhe permite ver os desenhos animados no final das tarefas escolares.

Pouco depois, chega o pai e, ao aperceber-se do que está a passar-se, diz-lhe “deixa lá a criança em paz. Não vês que o Joãozinho também precisa de se distrair? Tem muito tempo para fazer os tpc depois dos desenhos animados”.

Ambos têm argumentos assentes na preocupação e no afecto que nutrem pelo filho, mas a atitude que assumem têm alguns aspectos negativos para a educação da criança. O conflito entre os pais tenderá a intensificar-se, ao mesmo tempo que a criança passará a aceitar as regras de um e a rejeitar as do outro.

Não será então de espantar que se comporte impecavelmente no caso de estar sozinha com a mãe mas, perante os dois assuma uma atitude de desafio.

Estabeleça regras com o seu companheiro

Em matéria de educação é muito importante que os pais estejam de acordo e em sintonia quanto às linhas mestras. Só assim conseguirão não anular o esforço efectuado por cada um. É que manter o “não” é assegurar que a regra passa a estar integrada na personalidade do seu filho.

Certamente, existirão casos em que possa não estar de acordo com o que o seu marido decidiu, mas nesse momento é preferível encontrar uma ocasião mais tranquila para conversarem sobre o assunto.

É fundamental que as crianças cresçam com a sensação que os pais reagem de forma harmoniosa e articulada, no que respeita à sua educação. Discutir sobre estas questões em frente ao seu filho, é transmitir-lhe uma imagem de fragilidade que não é benéfica para o seu desenvolvimento psicológico.

A importância dos castigos

Ainda que as sanções sejam utilizadas para o reforço de um “não”, podem não ser eficazes em todas as crianças. Cada pai tem que encontrar o castigo adaptado ao seu filho, sabendo que o importante não é o castigo em si, mas o que é comunicado através dele.

Asha Phillips, Psicoterapeuta que se tem dedicado ao estudo deste tema, refere que “não é preciso um exército para matar uma formiga”, ou seja, os castigos tem de ser proporcionais ao acto cometido, não se devendo cair em excessos. Além disso, também não é necessário explicar pormenorizadamente à criança o motivo que a levou a dizer “não”.

Ao invés, opte por mostrar-lhe que está certa de que o que faz é o melhor para ela. Alguns pais esgotam-se em explicações que quase parecem querer desculpar-se face aos filhos, por terem ousado dizer “não” em determinado momento.

Estes pais não estão totalmente convictos de que estão a agir correctamente, o que acaba por transmitir insegurança à criança.

Aprender a lidar com as frustrações

O dizer “não” a uma criança traduz-se muitas vezes num desgosto perante a contrariedade imposta. O seu filho poderá sentir-se frustrado, mas tudo é temporário e aprender a lidar com as frustrações é fundamental para a vida adulta.

Já pensou quantas vezes você se sente frustrada durante o dia? É o trabalho que não corre às mil maravilhas, os amigos que ficaram de telefonar e nada… Contudo, você desenvolveu mecanismos de defesa que lhe permitem enfrentar esses momentos manos agradáveis e ultrapassá-los.

Ora, essa capacidade desenvolve-se desde pequeno e o “não” é um dos factores contribui para esse crescimento. Isto não significa que deva estar constantemente alerta e a controlar-lhe os movimentos, pois o seu filho precisa de tentar fazer as coisas por si mesmo de até de errar. Assim, poderá avaliar as suas limitações e posteriormente a aceitá-las.

Durante esta exploração dos limites e aceitação das frustrações, as crianças aprendem que as tarefas podem ser mais facilmente desempenhadas se tiverem a ajuda de outra pessoa, o que leva a um crescendo de humildade, característica de personalidade que todos nós apreciamos nos outros. Só se a disciplina conviver com a liberdade, é que conseguiremos ter adultos maduros, autónomos e autoconfiantes.

As virtudes dos limites

O seu filho sentir-se-á muito mais seguro se souber até onde pode ir. Na perspectiva de uma criança, os limites podem ser desagradáveis porque o impedem de fazer o que bem lhe apetece mas, ao mesmo tempo, funcionam como barreia que preserva a segurança.

É que existem razões lógicas que se prendem com a segurança física – não deixar brincar com fósforos, objectos cortantes ou ir para a estrada brincar sozinho.

Estas restrições facilmente se explicam, mas tudo se complica em situações mais subtis, que têm que ver com o comportamento e não estão ligadas a nenhum aspecto de perigosidade.

Outro aspecto fundamental dos limites, prende-se com o facto de estimular a criança, no sentido de ser ela própria a desenvolver e a mobilizar os seus recursos. Cada limite que lhe é colocado, abre uma oportunidade para o desenvolvimento de novas competências.

O facto de dizer ao seu filho que tem de ir jantar, portanto vai interromper o jogo, é mostrar-lhe que tudo tem um começo, um meio e um fim e também, que é necessário ter prioridades.

Teresa Paula Marques
Psicóloga Clínica, especialista em Psicologia Infantil

Teresa Paula Marques

Vivo em Lisboa, mas nasci há 48 anos, no Tramagal (Abrantes). Desde 1992 que me dedico à psicologia, nas suas mais variadas vertentes ...

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