Por Teresa Paula Marques

Para se tornarem adultos saudáveis, as crianças precisam de aprender a lidar com momentos de frustração, de contrariedade e a conhecer os seus limites. Há alguns anos, educar era uma tarefa menos complicada, uma vez que se assistia a uma clara estratificação de poderes, em que os papeis estavam plenamente definidos. Os adultos continuavam a obedecer aos pais e as crianças sujeitavam-se às regras dos mais velhos, sem qualquer contestação.

Com o passar do tempo, alguns pedagogos vieram dizer-nos que este tipo de educação estava incorrecta, que era necessário ouvir as crianças e permitir-lhes uma atitude mais participativa na relação na sua relação com a família. Até aqui tudo bem, não fosse o problema de alguns pais terem cedido à tentação de cair no extremo oposto. Em consequência, assistimos hoje a situações em que o poder está nas mãos das crianças e toda a família evita contrariá-las, com receio que surjam traumas ou outras mazelas psicológicas.

Estabeleça as regras desde o início.

Ter um filho é um projecto a dois que normalmente surge associado a sentimentos de afecto e de algum receio. Com frequência ouvimos jovens grávidas verbalizarem o medo de não se tornarem mães suficientemente boas e competentes.

Por outro lado, chorar é o único meio que a criança tem para transmitir conforto/desconforto aos que a rodeiam. A ligação mãe-bebé pode ser tão forte que permita descodificar os tons do choro, logo após três dias de vida.

Perante o choro, existem muitas reacções possíveis, que vão desde a mãe demasiado ansiosa, que corre imediatamente para o berço do filho e o tenta acalmar, até à mais segura, que percebe que o seu filho acordou devido a algum barulho estranho e que é preciso dar-lhe alguns minutos para que se recomponha e volte a adormecer.

Deste modo criam-se mecanismos de defesa, que serão usados noutras situações de desconforto psicológico. Mas, estes dois exemplos de atitudes maternas, encerram duas formas distintas de educar, sendo que o esboço da educação vai sendo traçando desde os primeiros dias de vida e tende a consolidar-se nos anos seguintes.

O problema é que muitas vezes a decisão de impor regras surge numa fase avançada da vida da criança – por exemplo, na adolescência – momento em que a receptividade do jovem é já reduzida ou mesmo nula.

Dizer “NÃO”

Já reparou que todas as crianças sentem medo? Medo do escuro, dos papões verdes que surgem durante a noite, dos ladrões debaixo da cama, etc. Esta sensação de medo acompanha o desenvolvimento do ser humano e permite estruturar-nos internamente. O que seríamos nós sem o medo?

Esta é uma questão curiosa e que pode pôr-nos a imaginar que atravessaríamos uma estrada sem olhar para os lados, daríamos saltos no vazio sempre que a angústia pesasse nos nossos corações ou seja, viveríamos por um curto intervalo de tempo. O facto de aprendermos a enfrentar os riscos de uma forma calculada contribui para que a nossa vida seja mais segura.

Uma criança que começa a andar pela casa, vê-se rodeada de objectos fascinantes e desconhecidos. Nesta fase, para os pais, o desafio consiste em encontrar o equilíbrio entre estimular o interesse pelo mundo que a envolve e habituá-la a um conjunto de normas que são necessárias.

Nesta altura, o “não” é uma palavra que se torna comum: “não mexas aí”, “tem cuidado não te magoes”, “não podes vir para aqui”, etc. Estas frases repetem-se até que a criança perceba a advertência e corrija por iniciativa própria o seu comportamento.

Por seu lado, a criança também poderá começar a utilizar o “não”, mas apenas como forma de imitar os adultos. Este facto é mais notório quando as crianças estão com adolescentes e tendem a contrariar tudo o que lhes é dito.

Importância da coerência

Em matéria de regras, a coerência de atitudes entre pai e mãe é vital. Referimo-nos ao caso de alguns casais em que um dita uma regra e o outro anula-a, substituindo-a por outra. Por exemplo, a mãe chega a casa e ao constar que o filho não fez os tpc (dever de casa), diz-lhe que só lhe permite ver os desenhos animados no final das tarefas escolares.

Pouco depois, chega o pai e, ao aperceber-se do que está a passar-se, diz-lhe “deixa lá a criança em paz. Não vês que o Joãozinho também precisa de se distrair? Tem muito tempo para fazer os tpc depois dos desenhos animados”.

Ambos têm argumentos assentes na preocupação e no afecto que nutrem pelo filho, mas a atitude que assumem têm alguns aspectos negativos para a educação da criança. O conflito entre os pais tenderá a intensificar-se, ao mesmo tempo que a criança passará a aceitar as regras de um e a rejeitar as do outro.

Não será então de espantar que se comporte impecavelmente no caso de estar sozinha com a mãe mas, perante os dois assuma uma atitude de desafio.

Estabeleça regras com o seu companheiro

Em matéria de educação é muito importante que os pais estejam de acordo e em sintonia quanto às linhas mestras. Só assim conseguirão não anular o esforço efectuado por cada um. É que manter o “não” é assegurar que a regra passa a estar integrada na personalidade do seu filho.

Certamente, existirão casos em que possa não estar de acordo com o que o seu marido decidiu, mas nesse momento é preferível encontrar uma ocasião mais tranquila para conversarem sobre o assunto.

É fundamental que as crianças cresçam com a sensação que os pais reagem de forma harmoniosa e articulada, no que respeita à sua educação. Discutir sobre estas questões em frente ao seu filho, é transmitir-lhe uma imagem de fragilidade que não é benéfica para o seu desenvolvimento psicológico.

A importância dos castigos

Ainda que as sanções sejam utilizadas para o reforço de um “não”, podem não ser eficazes em todas as crianças. Cada pai tem que encontrar o castigo adaptado ao seu filho, sabendo que o importante não é o castigo em si, mas o que é comunicado através dele.

Asha Phillips, Psicoterapeuta que se tem dedicado ao estudo deste tema, refere que “não é preciso um exército para matar uma formiga”, ou seja, os castigos tem de ser proporcionais ao acto cometido, não se devendo cair em excessos. Além disso, também não é necessário explicar pormenorizadamente à criança o motivo que a levou a dizer “não”.

Ao invés, opte por mostrar-lhe que está certa de que o que faz é o melhor para ela. Alguns pais esgotam-se em explicações que quase parecem querer desculpar-se face aos filhos, por terem ousado dizer “não” em determinado momento.

Estes pais não estão totalmente convictos de que estão a agir correctamente, o que acaba por transmitir insegurança à criança.

Aprender a lidar com as frustrações

O dizer “não” a uma criança traduz-se muitas vezes num desgosto perante a contrariedade imposta. O seu filho poderá sentir-se frustrado, mas tudo é temporário e aprender a lidar com as frustrações é fundamental para a vida adulta.

Já pensou quantas vezes você se sente frustrada durante o dia? É o trabalho que não corre às mil maravilhas, os amigos que ficaram de telefonar e nada… Contudo, você desenvolveu mecanismos de defesa que lhe permitem enfrentar esses momentos manos agradáveis e ultrapassá-los.

Ora, essa capacidade desenvolve-se desde pequeno e o “não” é um dos factores contribui para esse crescimento. Isto não significa que deva estar constantemente alerta e a controlar-lhe os movimentos, pois o seu filho precisa de tentar fazer as coisas por si mesmo de até de errar. Assim, poderá avaliar as suas limitações e posteriormente a aceitá-las.

Durante esta exploração dos limites e aceitação das frustrações, as crianças aprendem que as tarefas podem ser mais facilmente desempenhadas se tiverem a ajuda de outra pessoa, o que leva a um crescendo de humildade, característica de personalidade que todos nós apreciamos nos outros. Só se a disciplina conviver com a liberdade, é que conseguiremos ter adultos maduros, autónomos e autoconfiantes.


As virtudes dos limites

O seu filho sentir-se-á muito mais seguro se souber até onde pode ir. Na perspectiva de uma criança, os limites podem ser desagradáveis porque o impedem de fazer o que bem lhe apetece mas, ao mesmo tempo, funcionam como barreia que preserva a segurança.

É que existem razões lógicas que se prendem com a segurança física – não deixar brincar com fósforos, objectos cortantes ou ir para a estrada brincar sozinho.

Estas restrições facilmente se explicam, mas tudo se complica em situações mais subtis, que têm que ver com o comportamento e não estão ligadas a nenhum aspecto de perigosidade.

Outro aspecto fundamental dos limites, prende-se com o facto de estimular a criança, no sentido de ser ela própria a desenvolver e a mobilizar os seus recursos. Cada limite que lhe é colocado, abre uma oportunidade para o desenvolvimento de novas competências.

O facto de dizer ao seu filho que tem de ir jantar, portanto vai interromper o jogo, é mostrar-lhe que tudo tem um começo, um meio e um fim e também, que é necessário ter prioridades.

Teresa Paula Marques

Vivo em Lisboa, mas nasci há 48 anos, no Tramagal (Abrantes). Desde 1992 que me dedico à psicologia, nas suas mais variadas vertentes ...

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