Por Paula Grandi
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Muitos provavelmente já ouviram falar sobre as 5 fases do luto: negação, raiva, barganha (ou negociação), depressão e aceitação. Elas foram primeiramente propostas por Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra suíça que trabalhou diretamente com pacientes terminais. Em seu livro Sobre a morte e o morrer (1969) ela discute alguns mecanismos que são identificados em pacientes terminais ao lidar com uma doença incurável. Elisabeth nunca foi analista do comportamento e sua área de estudo nunca foi o Behaviorismo Radical. Mas será que podemos pensar em uma interpretação analítico-comportamental para as fases do luto? Como podemos analisar o comportamento de perda (seja de alguém, de um objeto, de um emprego, de um carro, ou até mesmo do que gostaríamos de viver e não será possível)? Um conceito muito importante para entendermos o que ocorre com nosso comportamento quando perdemos alguém ou algo é o de extinção operante.
Quando nos relacionamos com alguém importante para nós, emitimos diversos comportamentos em relação a essa pessoa, muitos dos quais são reforçados. Quando temos um carro emitimos muitos comportamentos em relação a ele, os quais permitem o acesso a diversos reforçadores. Quando temos um emprego grande parte dos nossos comportamentos cotidianos são direcionados ao trabalho, os quais são reforçados, em última instância, financeiramente. O que será que acontece quando, ao emitirmos estes comportamentos, não tivermos mais acesso aos reforçadores? Quando perdemos um ente querido podemos continuar a conversar com ele, a ligar no seu telefone, mas ele não mais responderá. Os reforçadores não mais se seguem a resposta. Quando temos um carro roubado podemos procura-lo incessantemente mas não teremos mais acesso aqueles reforçadores que eram pelo carro possibilitados. Quando perdemos um emprego, podemos continuar a trabalhar mas o reforçador financeiro não virá ao final do mês. Em todos esses casos o que acontece é que, depois de uma relação entre uma resposta e o reforço estabelecida, isto é, depois de uma história em que o responder era reforçado, há uma quebra desta relação: o reforço não mais se segue a resposta, o que produz certas alterações no nosso responder. Essa é a definição de extinção operante.
Peguemos como exemplo a perda de uma pessoa importante para nós. Muitos são os comportamentos que emitimos ao longo da vida em relação a ela e é provável que ela detenha muitos reforçadores importantes. Temos então uma longa história em que nosso responder direcionado a essa pessoa é reforçado. Se ele vem a falecer há uma abrupta ruptura na relação entre a resposta e o reforço: podemos emitir as mesmas respostas, mas como a pessoa não está mais presente, os reforços costumeiros não a seguirão. Neste caso, será possível observar alterações no responder que, agora, não mais é reforçado. São justamente essas alterações no responder que fornecem uma interpretação analítico-comportamental ao luto.
Diversos autores descreveram as alterações no responder durante a extinção operante (Skinner, 1953; Keller & Shoenfeld, 1968; Millenson, 1970). São elas: um aumento inicial na frequência de respostas, alterações na topografia (forma) e na magnitude (intensidade) da resposta (o que pode ser chamado de efeitos emocionais do responder ou alterações cíclicas), seguido por uma diminuição gradual e irregular da frequência de respostas.
Então vamos por partes. Assim que uma pessoa importante para nós vem a falecer e recebemos esta notícia, provavelmente qual será a nossa primeira reação? “Não, não pode ser verdade” ou “deve haver um engano”. É possível que liguemos para o telefone da pessoa várias vezes esperando que ela atenda, ou até mesmo que busquemos por ela em locais que frequentava. Analisando as alterações no seu responder considerando a extinção operante veremos que as suas respostas (que não mais são seguidas do reforço) aumentaram de frequência: você ligou mais, procurou mais, emitiu mais comportamentos que no passado foram reforçados pela pessoa que acaba de falecer. Essa seria, então, a fase da negação: continuamos a responder (em maior frequência) mesmo que as consequências reforçadoras não sigam a resposta. O mesmo vale, por exemplo, para o furto de um carro. Provavelmente continuaremos a procurá-lo incessantemente por alguma tempo, “negando” que ele não está no local onde foi estacionado.
As alterações na topografia (forma) e na magnitude (intensidade) da resposta estão diretamente relacionadas com a fase chamada de raiva: “Isso não pode estar acontecendo comigo!”, “porque eu?”, “o que fiz para merecer isso?”. Segundo Skinner (1953), um efeito emocional pode ser verificado no responder durante a extinção operante. Quando o reforço não mais segue a resposta, poderá ser verificada “uma reação comumente denominada de frustração ou cólera” (p.77): não apenas tentamos procurar ou ligar para o ente que acabou de falecer, provavelmente iremos gritar, socar a porta do apartamento em que ele morava, jogar algumas de suas coisas no chão e nos perguntar “como isso foi possível?”. As respostas passam a ocorrer de formas (topografias) diferentes (podemos procurar por ele em lugares nunca frequentados) e também ocorrerem em intensidade (magnitude) diferente (se antes ligávamos agora podemos gritar seu nome). O mesmo vale para o carro furtado: ao perceber que ele foi roubado podemos chutar o poste ou a lixeira da rua.
Estas alterações estão também relacionadas com a fase da barganha: “Se eu for boazinha será que ele volta?”, “Talvez feche os olhos e ao acordar perceba que foi tudo um sonho”, “Eu faria qualquer coisa para tê-lo de volta”, “São Longuinho, quando achar o que perdi dou três pulinhos”. Estas frases provavelmente poderiam ser escutadas durante as oscilações cíclicas do responder: períodos de aumento na frequência do responder seguido por períodos cada vez mais longos sem a emissão da resposta. Respondemos em direção a pessoa que faleceu, mas paramos de responder durante algum tempo e nos perguntamos se algo poderíamos ter feito diferente. Neste momento, a frequência da resposta já passa a ser menor. No caso do carro furtado não o procuramos mais com a mesma frequência, mas ainda voltamos a procura-lo em alguns momentos.
Quando pensamos na fase da depressão é fácil imaginar períodos mais longos nos quais paramos de responder. Existe um declínio gradual da frequência da resposta que não é mais reforçada, o que é provavelmente seguido de frases como: “Nunca mais será como antigamente”, “Está tudo tão cinza”, “Estou tão triste”. Paramos, cada vez mais, de emitir as respostas que emitíamos em direção aquele que faleceu. Paramos de procurar o carro furtado e nos sentamos no chão em frente da vaga vazia.
A fase da aceitação está relacionada ao final da extinção operante, quando há, finalmente, uma diminuição grande da frequência de respostas, e a resposta volta a ocorrer na mesma frequência em que ocorria antes de ser reforçada. É verdade que um comportamento que foi muito fortalecido após um longo histórico de reforçamento não será extinto facilmente. Quando perdemos alguém que conhecemos a muitos e muitos anos provavelmente levará muito tempo para todas as respostas em direção a ele se extinguam. Ou é possível que isso nunca aconteça propriamente: eventualmente voltamos a emitir as respostas, mesmo que em uma frequência bem menor. Na aceitação pensaremos “Ok, tinha que ser assim”, “Vai ficar tudo bem”. No caso do carro furtado, as respostas de procura-lo deixam de acontecer e pegamos o telefone para ligar para a empresa do seguro.
Analisando os padrões comportamentais na extinção operante encontramos um bom paralelo analítico-comportamental para as fases do luto. Gostaria, porém, de pontuar que muitas outras variáveis podem influenciar o nosso comportamento em um momento de perda e que uma análise muito mais complexa pode ser realizada caso a caso. Como se sabe, pessoas diferentes, com histórias de vida diferentes e histórias de reforçamento diferentes passarão por estas fases de formas, intensidade e até mesmo ordens diferentes. O meu objetivo neste texto não era esgotar todas as possibilidades de análise para o luto, mas mostrar uma possível interpretação.
Termino o texto com um vídeo cómico-trágico que exemplifica bem as fases do luto e, como mostrei, os padrões comportamentais presentes durante a extinção operante:
Imagem de capa: Shutterstock/Iuliubo
REFERÊNCIAS
Keller, F. S., e Schoenfeld, W. N. (1968). Princípios de psicologia. São Paulo: Herder.
Kübler-Ross, Elisabeth. (1969/2008). Sobre a Morte e o Morrer. 9ª. ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
Millenson, J. R. (1970). Princípios de Análise do Comportamento. Brasília: Coordenada Editora.
Skinner, B. F. (1953/2007). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov e R. Azzi, trads). São Paulo: Martins Fontes.
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