Por Fernando Trías de Bes
Recordo vagamente a cena de um filme dos anos sessenta, acho que se tratava de Um Convidado Bem Trapalhão, onde em uma casa de projeto totalmente minimalista, e uma sala de estar com apenas um sofá e duas cadeiras, a proprietária da casa, de repente, exclamava indignada: “Oh, que desastre, que desordem!”. E, em seguida, posicionava as duas cadeiras diante do sofá, bem alinhadas uma com a outra e perfeitamente perpendiculares ao sofá. “Enfim, tudo em ordem”, exclamava aliviada, no ato seguinte.
Essa sequência ficou gravada em mim porque já na época minha mãe me repreendia por meu caos. Lembro que chamava meu quarto de “a bagunça”. Ela era muito organizada; eu tinha as coisas sempre espalhadas pelo quarto. Tudo ao contrário do meu irmão, que deixava tudo em seu lugar. Em seu lugar…esse é o xis da questão!.
O que significa exatamente essa expressão? Porque para mim tudo estava onde devia. O que acontecia é que não coincidia com o lugar que minha mãe desejava para cada coisa. Apesar de estarem distribuídos de modo arbitrário pelo quarto, eu sabia exata e precisamente onde se achava cada objeto e não demorava mais de meio segundo para encontrá-lo. Quando, alguma vez, cedia, obedecia e os colocava em gavetas, prateleiras, etc, depois não era capaz de encontrar nada. Absolutamente nada.
O que é a ordem? Há relação entre a confusão material com uma vida ordenada ou desordenada? Tem relação com a personalidade? Para muitas pessoas, um quarto ordenado é aquele onde há poucas coisas à vista e, quando se olha dentro das gavetas, os diferentes objetos estão guardados por grupos ou categorias. A ordem, tal como a entendemos, está vinculada à estética grega e romana: proporções, distâncias, geometria e classificação das coisas.
Uma vida desordenada é aquela onde os pensamentos e valores não respondem aos atos
Pois bem, por que agrupar por tipos é considerada ordem e, por exemplo, por cores, não? Imaginemos uma pessoa que guarda os lápis vermelhos com os livros e a roupa dessa mesma cor. Segundo padrões sociais, isso é desordem e, no entanto, existe um critério determinado de agrupação. Não poderíamos qualificá-lo como desordenado, mas como peculiar. E se alguém mistura critérios (em alguns casos agrupa por cores e, em outros, por categorias), poderíamos considerá-lo variável. O desordenado, atendendo a este critério, seria, portanto, aquele com uma carência absoluta de razões em relação à localização das coisas. Nós os chamamos de caóticos. Mas até isso poderia ser discutido. Não à toa, o caos é considerado em ciência uma determinada forma de ordem física.
Outra possibilidade é considerar ordem que as coisas estejam no lugar para o qual foram pensadas. Por exemplo, se as almofadas são colocadas em cima da cama, o fato de que estejam no chão é desordem. Este código é, pelo menos, mais lógico. Mas obrigaria a definir de antemão onde vão ser depositados os objetivos que adquirimos ou guardamos.
Há quem confunda ordem e limpeza. É verdade que as casas com poucas coisas e poucos móveis costumam estar mais limpas; e que, em geral, as entulhadas estão menos. Mas é pelo fato de que limpar dá mais trabalho quando há mais objetos para separar. Mas esta é outra questão, de modo que não podemos tampouco vincular desordem com sujeira.
As pessoas que têm dificuldade para jogar fora objetos e se desprender deles (nada a ver com a síndrome de Diógenes) costumam também ser mais desorganizadas. Mas a mania de se desfazer de tudo também pode alcançar dimensões patológicas. Tenho um conhecido que levava suas coisas mais preciosas escondidas no porta-malas de seu carro para que sua esposa não as jogasse fora sem que ele pudesse se dar conta.
Está comprovado empiricamente mediante alguns experimentos realizados na Universidade de Minnesota que as pessoas mais ordenadas tendem mais à justiça e à ordem social, mas são menos imaginativas e mais metódicas. As desordenadas, por sua vez, são mais rebeldes e muito mais criativas. A explicação é que as pessoas criativas realizam conexões e precisam de estímulos para que isso aconteça. Se tudo está espartano e ordenado, não encontram o que conectar porque tudo corresponde a uma regra; está, digamos assim, “solucionado”, resolvido.
Uma vida desordenada é aquela onde os pensamentos e valores não respondem às ações e atos. Isso tem pouco a ver com situar objetos de uma determinada forma, embora seja verdade que as pessoas ordenadas são mais sensíveis às normas sociais compartilhadas. A ordem é um reflexo de aceitação de cânones organizativos que se transfere também ao cotidiano.
Aliás, esqueçam-se de educar na ordem. Está nos genes. Deixo a vocês esta discussão para a sobremesa do domingo. Mas prevejo o resultado: os desordenados não convencerão os ordenados de que seu jeito é ordem. Aceitarão que é “o seu jeito particular”, mas não ordem simplesmente. E isso é assim porque, para as pessoas ordenadas, a ordem também tem de ser ordenada.
TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS
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