A lamentação é inerente a alma humana e muito pouco nos apercebemos do quanto somos submetidos a sua exposição. No contexto diário é comum, e quase terapêutico, falar dos nossos problemas à esmo, simplesmente pela necessidade de sermos compreendidos e, consequentemente, aceitos e mais ainda: amados! Ao ser demasiadamente evocada, essa prática se torna um tormento que passa a fazer parte do cotidiano. Esse problema é mantido porque o foco da visão acaba sendo direcionado apenas para elementos que despertem um enternecimento ou gratidão do outro em relação a nós.
Assim foi com Prometeu, que tinha muitas respostas para seu problema, mas não encontrava uma satisfatória para a sua condição, restou suportar o infortúnio e recorrer a outros métodos. Prometeu foi um Deus mitológico que roubou o fogo dos deuses para dar aos humanos. Tal fogo pertence ao universo simbólico e uma das interpretações nos dá a ideia da arte da criação. Ao proporcionar tal poder ele pagou um preço alto: foi acorrentado num rochedo com uma lança atravessada no peito se lamentando por Júpiter não deixá-lo morrer; se não bastasse, um abutre insaciável vinha arrancar de seu corpo enormes pedaços e voltava todos os dias para se nutrir de seu fígado negro e sangrento.
Diante de tanta crueldade e ingratidão, Prometeu questiona o porquê do seu suplício, visto que ele fez do homem um ser desenvolvido, independente e dominante: “Antes de mim, eles viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam. Tais como os fantasmas que vemos em sonhos, viviam eles, séculos a fio, confundindo tudo. Não sabendo utilizar tijolos, nem madeira, habitavam como as providas formigas, cavernas escuras cavadas na terra.Não distinguiam a estação invernosa da época das flores, das frutas, e da ceifa. Sem raciocinar, agiam ao acaso, até o momento em que eu lhes chamei a atenção para o nascimento e ocaso dos astros. Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números; formei o sistema do alfabeto, e fixei a memória, a mãe das ciências, a alma da vida. Fui eu o primeiro que prendi os animais sob o jugo, a fim de que, submissos à vontade dos homens, lhes servissem nos trabalhos pesados. Por mim foram os cavalos habituados ao freio, e moveram os carros para as pompas do luxo opulento. Ninguém mais, senão eu, inventou esses navios que singram os mares, veículos alados dos marinheiros. Pobre de mim! Depois de tantas invenções, em benefício dos mortais, não posso descobrir um só meio para por fim aos males que me torturam.”
O reconhecimento é a pedra angular da autoafirmação. Prometeu ao ajudar o homem a se desenvolver entra em contradição com os Deuses e até consigo mesmo. Ele experimenta a dor que é própria da mortalidade, deseja um fim daquilo que parece eterno e lamenta sua própria sorte sem conseguir fazer uso de seus poderes; Somente quando ele entra em contato com essa dor é que algo se transforma na sua visão, no seu consciente. Prometeu experimenta como é sofrer, como é ser ignorado, como é ser paciente diante daquilo que está além da sua possibilidade de mudança. O risco das lamentações demasiadas cria o risco de nos tornarmos extremamente céticos diante daquilo que insistimos que não há mudanças.
Fonte: “Prometeu Acorrentado” de Ésquilo.
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