SAÚDE MENTAL

Brasil: o pais latino americano com mais depressivos.

Por Marta Fernandez

“Saia e conte para alguém.” Foi a resposta de Harvey Milk quando um jovem lhe perguntou como poderia ajudar a combater o estigma da homossexualidade. Quarenta anos depois, o escritor Andrew Solomon repete o conselho do ativista gay norte-americano, mas para vencer outro tabu: a incompreensão e a vergonha que cercam quem sofrem de depressão. Solomon, escritor e professor de Psicologia em Columbia, fez disso uma cruzada pessoal.

E luta para romper o silêncio que acompanha um transtorno que já afeta 2,5 milhões de espanhóis – os diagnosticados, já que muitos nem sequer se atrevem a confessar o que sentem. No Brasil, 5,8% da população sofre da doença, o que representa 11,5 milhões de brasileiros, segundo a OMS.

“Há muitas causas pelas quais na Espanha 40% dos pacientes com um transtorno depressivo maior não estão em tratamento. Mas sem dúvida uma delas é o estigma.” Antonio Cano é doutor em Psicologia e catedrático da Universidade Complutense de Madri, e em seus muitos anos de prática viu como funciona o círculo vicioso da culpa. “Por um lado o paciente se isola, e por outro as pessoas não entendem o que acontece com ele: que sofre de algo que se chama depressão. O paciente não tem informação, e a sociedade muito menos. E a depressão é algo que pode afetar a todos nós.”

Andrew Solomon conhece bem esse peso. Porque também o sepultou. Em 1993, sentiu que tinha perdido o interesse pela vida. Tudo para ele era difícil. Escutar as mensagens da secretária eletrônica. Preparar a comida. Tomar banho. Uma crise de ansiedade se seguiu à depressão. E, um dia, já não conseguia se levantar da cama. Descobriu que o sinônimo de depressão não é tristeza, e sim falta de vitalidade. Mas fez tratamento e se recuperou.

E decidiu estudar o que tinha lhe acontecido para ajudar os outros. Escreveu O Demônio do Meio-Dia – Uma Anatomia da Depressão (Companhia das Letras). “Sempre que alguém que sofreu uma depressão conta isso a outra pessoa, estamos rasgando a cortina do secretismo. Aqueles que se veem confinados no silêncio demoram mais a se recuperar. Devemos convencê-los a falarem, dizendo que falar pode salvar suas vidas. Porque a depressão é o segredo de família que todas as famílias têm.”

Esse segredo de família já afeta 322 milhões de pessoas no mundo. E não para de crescer. É uma das três principais causas de incapacidade no mundo. E em 2030 será a primeira. Por isso neste ano a OMS dedicou o Dia da Saúde ao lema “Falemos da depressão”. Mas falar é que é difícil.

“A bola vai ficando cada vez maior. Você está mal, e as pessoas ao seu redor não entendem. E o Andrés que todo mundo conhece está ficando vazio por dentro. Isso é duro, muito duro…” Esse Andrés que se esvaziava por dentro era o mesmo que um tempo depois encheria um país inteiro de alegria, ao marcar o gol do título espanhol na Copa do Mundo de 2010. Andrés Iniesta. Contou sua via crucis aos jornalistas Ramón Besa e Marcos López. Quando foi lançada sua biografia, La Jugada de Mi Vida, a psicóloga que o havia tratado observou um aumento nos telefonemas ao seu consultório. Ela relata que para muitos pacientes é um estímulo ver que uma personalidade que eles admiram sofre da mesma coisa.

Basta lembrar de Bruce Springsteen. Ele também se atreveu a contar em sua biografia, Born to Run, sua batalha constante contra a depressão. O professor Cano compara sua sinceridade à de Magic Johnson. “Assim como naquela época [1991] Johnson meteu as caras e, quando havia um maior estigma sobre a AIDS, disse ao mundo: ‘Tenho o vírus’, gestos como o de Bruce Springsteen podem ajudar a eliminar o estigma contra a depressão.”

“Há um ponto no qual se perde o mapa e se perde a bússola, você começa a agir a esmo. É o ponto de absoluta angústia. Aí não há nada que a pessoa racionalmente possa fazer.” Assim se sentia o escritor Luisgé Martín, como narra em El Amor del Revés. Um livro, diz ele, despudorado, com o qual arrebentou cadeados e exorcizou demônios. A culpa. A vergonha. O medo. O pesadelo de ser homossexual em uma Espanha em que isso era mais do que um pecado. A luta de passar por um processo de depressão e se sentir incompreendido. “Comprar um remédio para dormir numa farmácia é quase como antes comprar camisinhas, você ruborizava. A gente tem a sensação de que tudo o que acontece é porque você se comportou mal. Você é depressivo porque não é capaz de olhar de outro modo para a vida.”

O músico Iván Ferreiro também agiu a esmo contra a depressão, sem saber o que o atingia. Até que um ataque de pânico, na completa solidão de um apartamento em Buenos Aires, o empurrou a pedir socorro. Conta a história dando voltas. Recorda que estava havia anos sem dormir. Obrigando-se a fazer coisas que não queria. Saindo sem se atrever a olhar na cara das pessoas. Chegou a gravar um disco sem recordar depois nem como nem quando. Mas não se tratava. “Até que o médico me liga e me diz: ‘Olha, você toma um negócio para a alergia todos os dias, usa um inalador de asma o tempo todo, e está me dizendo que não quer tomar esse comprimido?” Só quando começou a compreender o que lhe acontecia conseguiu ver a saída. “Nas depressões a linguagem é muito importante. E que alguém saiba lhe explicar com palavras o que está acontecendo com você, e que você perceba que no fundo é como uma puta gripe, uma gripe de pessimismo e de falta de vontade. Mas você se cura. O principal é se render e dizer ‘Não aguento mais’”.

Exprimir a dor em palavras é o primeiro remédio. Quem passou por isso sabe. E sabe também que esse é o desafio. Lutar contra o tabu. Romper o estigma. “Aprender a viver é aprender a nomear”, diz Luisgé Martín. Aprender a curar-se é colocar em palavras o segredo de família que todas as famílias têm. A depressão. A doença que continua avançando em silêncio.

Imagem de capa: Shutterstock/danielreche

TEXTO ORIGINAL DE EL PAIS

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