Brasileiros à beira de um ataque de nervos

Por Marina Novaes

Os almoços de família já não são mais os mesmos: as constrangedoras conversas sobre relacionamentos há tempos deram lugar a longas discussões políticas à mesa. Chega a dar saudades da tediosa época em que a grande questão do dia, nos papos de elevador, era “será que vai chover?”, não “será que a Dilma cai?”. Com um Governo na berlinda e um cenário econômico desanimador, a tensão que pesa sobre o ombro do brasileiro virou questão de saúde pública. Sem saber para onde caminha o Brasil, cresce nos consultórios o número de casos de pessoas com transtornos ligados a estresse, ansiedade e angústia. Irritabilidade, preocupação, fadiga, falta de sono são algumas das queixas mais comuns. Soa familiar?

Mestre em saúde pública, o psicólogo e professor universitário Ricardo Sebastiani, do Nêmeton Centro de Estudo e Pesquisa em Psicologia e Saúde, coordena uma equipe de 38 profissionais que atuam em 16 unidades da cidade de São Paulo. No primeiro trimestre de 2016, ele e a equipe observaram um fenômeno inédito: nos primeiros três meses do ano, quando o movimento tradicionalmente costuma ser menor, a procura por terapia aumentou. Neste mesmo período, as queixas ligadas a transtornos de ansiedade cresceu 20%, dentro de um universo de cerca de 1.500 consultas por mês.
Nas sessões de terapia, a crise política ou econômica tem sido tema das divagações de ao menos 6 em cada 10 pacientes, o que também não era habitual. Mas em semanas de acontecimentos mais quentes, como quando ocorreram as manifestações contra e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em março, a proporção chegou a 9 em cada 10. As reclamações têm uma razão real: qualquer que seja o desfecho do processo, o resultado afeta diretamente as vidas da população. “As pessoas estão vivendo um estado permanente de ansiedade e tensão, que às levam aos limites da suas capacidades de resistir e se adaptar. Isso deixa o corpo e a saúde emocional no limite também”, diz Sebastiani, psicólogo há mais de 30 anos.

Alguns dos efeitos disso sobre o corpo são: a queda na imunidade (que deixa as pessoas mais suscetíveis a viroses e infecções), sintomas psicossomáticos (diarreias, alergias de pele, dores de cabeça e dores musculares, por exemplo), episódios de crise de ansiedade (ataques de pânico), instabilidade de humor e maior intolerância (o tal pavio curto), além da sensação de cansaço permanente e, em casos mais graves, a depressão.

Entre os que demonstram maior preocupação estão os adultos em fase produtiva, sobretudo pelo temor em relação ao trabalho e ao sustento familiar. Segundo o levantamento feito por Sebastiani com colegas da área, entre os profissionais que mais demonstram sofrer com a crise estão: jornalistas (sim, é verdade), professores, profissionais da saúde e advogados.

“O estresse, agravado pela situação atual de instabilidade política e de crise econômica, age no sentido de incrementar os conflitos internos das pessoas, que ficam mais ansiosas. A sensação de insegurança e indefinição desperta uma profunda angústia que faz com que as pessoas se alterem muito. E isso, somado ao acúmulo de outras situações de tensão, tem provocado um aumento de queixas [no consultório] nesse sentido e uma busca maior por ajuda”, explica o médico psiquiatra e psicanalista José Roberto de Campos de Oliveira, de São Paulo, que atende pacientes há 37 anos.

Alguns dos efeitos sobre o corpo são a queda na imunidade, transtornos psicossomáticos , ataques de pânico, instabilidade de humor e fadiga

“É um sentimento de constante insegurança. O maior temor é o de perder o emprego e não ter como pagar as contas. Há também um sentimento de descontinuidade: projetos suspensos por falta de dinheiro, mudanças de hábito que diminuem as opções de válvula de escape da população… E quanto maior o conhecimento sobre o que está acontecendo, maior a preocupação quanto à indefinição do cenário político”, completa Ricardo Sebastiani.

“Psicose coletiva”

As queixas vindas do divã incluem também o aumento dos conflitos nos relacionamentos, desde os mais íntimos (entre casais e familiares, por exemplo) aos mais superficiais (quem nunca deixou de seguir algum amigo no Facebook por discordar da sua opinião?). “O estresse causa efeitos diferentes dependendo da personalidade da pessoa. O aumento da irritabilidade é uma reação genérica”, diz o psiquiatra Campos de Oliveira.

Já a sensação de que o clima está pesado no trabalho e na vida social também é geral. Neste sentido, episódios de pessoas agredidas nas ruas, seja por ser minoria num ambiente, seja por usar uma roupa da cor que representa o adversário (na visão dos, digamos, mais alterados), são cada vez mais comuns e viralizam nas redes sociais na mesma velocidade dos acontecimentos em Brasília. As redes sociais, aliás, são um óbvio extrato do nível de agressividade a que chegaram algumas pessoas.

Nas palavras do próprio ministro da Justiça, Eugênio Aragão, a disputa política tem criado uma “psicose coletiva” no Brasil. Exagero? Para a maioria, sim. Mas numa interpretação não literal da expressão, há quem, de fato, esteja vivendo numa espécie de realidade paralela, onde não há espaço para quem pensa diferente”, como explica Campos de Oliveira.
“Existe hoje uma necessidade de reforçar as próprias ideias, uma tendência à radicalização nos pensamentos. Esse cenário faz com que quem era um pouco de direita se torne completamente de direita, e quem simpatizava com algumas bandeiras da esquerda, vire totalmente de esquerda. A barreira que separa as duas linhas de pensamento vai ficando cada vez maior. Deixa de existir o cinza. Sobra só o preto e o branco. Como se a vida fosse assim…”, pondera o psiquiatra e psicanalista.

Para o historiador e escritor José Murilo de Carvalho, o clima de tensão atual lembra o observado no Brasil no período militar. “Comparo a situação atual com a de 1964, quando minorias radicais provocaram uma quebra institucional, apesar de a maioria do país ser centrista. Hoje, graças, sobretudo, às redes sociais, a polarização está mais nacionalizada e exibe com mais evidência seu lado patológico”, afirmou, em entrevista ao EL PAÍS.

Já na avaliação de Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense e autor de Ditadura e Democracia no Brasil (editora Zahar, 2014), não há comparativos na história recente para o momento atual. “A característica essencial da História é ser sempre mutante e singular. Quanto à escalada de intolerância, ela é, em larga medida, inevitável nos regimes democráticos, especialmente em ocasiões de graves crises políticas. Em ambos os lados da ‘barricada’, há intolerância. O uso das mídias sociais também têm potencializado a intolerância, mais uma vez, dos dois lados”, avalia.
Sob o ponto de vista emocional, o psicólogo Ricardo Sebastiani resume em uma frase a sua percepção que observa sob o ponto de vista do consultório: “A sensação é como se juntasse a incerteza política do fim do Governo Collor, a insegurança econômica da era Sarney, com a tensão da ditadura militar”, avalia. “Qual o estrago vai fazer e qual o grau real de adoecimento da população? Não sei. Mas sinceramente, nos preocupa.”

TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS






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