As revisões das bibliografias tanto no campo da psiquiatria quanto no campo da psicanálise, são questões bastante divergentes, campos que lidam com o autismo de formas muito distintas.
O diagnóstico do autismo feito pela medicina é um diagnóstico fenomenológico, que considera unicamente, os comportamentos da criança descritos pelos pais, em conjunto com as observações clínicas. A observação do comportamento é sua ferramenta mais segura para a identificação do autismo, já que os exames laboratoriais, por si só, ainda não atingiram um nível significante de atestar e esclarecer com segurança a certeza de um diagnóstico.
Quanto a psicanálise, está também leva em conta esses dados fenomenológicos, mas repousa sua hipótese diagnóstica sobre a organização da posição do sujeito autista diante do Outro e de seus objetos.
A expressão ‘autismo’ foi utilizada pela primeira vez por Eugéne Bleuler (1857-1939), psiquiatra alemão contemporâneo de Freud e membro da Sociedade Psicanalítica de Viena, em 1911, para designar a perda de contato com a realidade, o que acarretava uma grande dificuldade ou impossibilidade de comunicação.
Dessa forma, nota-se que a clínica psiquiátrica infantil se ampliou sob a influência da psicanálise devido as contribuições de Bleuler, mesmo conservando ainda alguns psiquiatras com pensamentos calcados na organicidade e no déficit.
Somente a partir da descrição de Leo Kanner, em 1943 que se depreende a noção de um “autismo infantil precoce”, com particularidades próprias. O autismo deixa de ser um aspecto da esquizofrenia para adquirir especificidade clínica. Interessante ressaltar que o autor escutou os pais e abordou a história de cada caso, respeitando as devidas particularidades.
No que se refere a seus aspectos clínicos, Kanner descreveu alguns casos de crianças autistas que chegaram à instituição com suposições diagnósticas diversas, mas cujo quadro clínico não se encaixava em nenhuma classificação psiquiátrica existente até então.
Nessas definições mais recentes o autismo infantil é considerado um transtorno invasivo do desenvolvimento, que se manifesta antes dos três anos. O diagnóstico é atribuído a crianças que apresentam comprometimento qualitativo à integração social recíproca e à comunicação, além de comportamento restrito, estereotipado e repetitivo.
Diferentemente de Leo Kanner (1943), que produziu elaborações sobre o autismo a partir de observações clínicas e da escuta dos pais, a psiquiatria atualmente, se fundamenta em descrições classificadoras. Em função disso, verifica-se, a cada ano, uma nosografia cada vez maior e mais fragmentada, à tentativa de dar conta das variações fenomenológicas. A busca incessante por uma etiologia orgânica é outra característica do campo. Nesse caso, o objetivo, para o tratamento, muitas vezes, é fazer desaparecer tais fenômenos através do uso da medicação.
Desde então muitos caminhos foram traçados para pensar as particularidades das crianças autistas. Particularidades consideradas contraditórias, suas relações excepcionais com a linguagem, sua relação com o outro, os objetos e o próprio corpo. Se a neurologia e as psicologias comportamentais descrevem o autismo como uma síndrome aparentemente orgânica, e a psiquiatria o considera um distúrbio psicoafetivo ou mesmo uma doença geneticamente determinada, contudo, o campo da psicanálise “[…] demonstra uma visão original do autista, compreendendo-o como um trabalhador incessante em seu propósito de regulação de seu Outro […]” (PIMENTA, 2003, p.136).
Imagem de capa: Shutterstock/Olesia Bilkei
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