Você já parou para pensar que as experiências que a gente vive, por mais turbulentas ou dolorosas que sejam, talvez tenham acontecido para nos aproximar de quem a gente é?
Talvez devêssemos usar a oportunidade da dor, da desconstrução, do arrebatamento, do desmoronamento, das fraturas na alma como facilitadores do encontro com nós mesmos.
Joseph Campbell, em “O Poder do Mito”, diz que o que estamos procurando não é um sentido para a vida, e sim uma experiência de estar vivos.
Concordo com ele. Porque o que nos move, modifica ou aproxima de nosso ser mais puro e real – e talvez até desconhecido de nós mesmos por estar encoberto sob camadas e mais camadas de influências externas – são as experiências que aguçam nossos sentidos de forma mais intensa: o arrebatamento da paixão, a angústia, a dor, as turbulências, o desejo, a perda.
Dia desses assisti novamente ao filme “As Pontes de Madison”, de 1995. Mais amadurecida e com alguma bagagem, revi o filme sob uma nova perspectiva além daquela sobre adultério ou traição feminino. Pra quem não conhece, o longa conta a história de um fotógrafo da revista National Geographic incumbido de fotografar as pontes de Madison, em Iowa. Lá, ele conhece uma dona de casa cujo marido e filhos estão viajando. Os dois vivem um breve e intenso romance, com duração de quatro dias, que marca definitivamente a vida dos dois.
Porém, deixando de lado o fato de Francesca, personagem interpretada por Meryl Streep, ter cedido ao desejo e vivido uma relação extra conjugal, nos deparamos com uma mulher na meia idade descobrindo a si mesma. Se ouvindo. Se percebendo. Se amando. Se resgatando. Se transformando. Descobrindo seus gostos, suas preferências. Entrando em contato com sua verdade mais profunda e autorizando a si mesma deixar vir à tona quem era de fato. Uma das cenas que mais gosto é aquela em que ela está na banheira, sozinha, e pensa: “Estou agindo como alguma outra mulher, contudo, nunca fui tanto eu mesma como agora”.
Há uma frase do Padre Fábio de Melo que diz: “Há pessoas que nos roubam. Há pessoas que nos devolvem”. No caso da personagem, ela foi resgatada, devolvida a si mesma através da experiência da paixão. E, mesmo escolhendo não viver esse amor até o fim, foi modificada para sempre. Retornou para sua vida, para sua rotina de mãe, esposa e dona de casa, mas nunca mais foi a mesma. E isso é constatado no registro que ela faz em seu diário: “Em quatro dias, ele deu-me uma vida inteira, um universo, e deu consistência a todo o meu ser.”
A experiência da dor também ensina e nos aproxima de nós mesmos. E ser nós mesmos nem sempre é continuar na mesma estrada que estávamos seguindo. Muitas vezes descobrimos que é preciso mudar de rota, desacelerar o passo, explorar outras paisagens, mergulhar no desconhecido e ousar enfrentar o que mais nos amedronta.
Às vezes você precisa ser quebrado para se tornar uma versão melhor de si mesmo. Às vezes você precisa sangrar e ficar à flor da pele para conseguir se resgatar por trás das máscaras e proteções, condicionamentos e projeções. Às vezes é preciso um novo você para que a vida volte a pulsar.
Tudo passa. O que permanece é aquilo que conseguimos ressignificar a partir da experiência do amor, da dor, da perda, do arrebatamento, do enfrentamento. E é esse novo sentido que irá nos curar e enriquecer nossa experiência de estar vivos, permanecendo para sempre conosco como um lembrete de que nossa alma foi tocada.
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