Cenário no país é terreno fértil para teorias da conspiração

Por Raquel Sodré

É só alguém começar a contar sobre uma nova teoria da conspiração, e todo mundo se junta para ouvir. Perigosamente cativantes, essas explicações que têm como princípio sua natureza secreta encontraram terreno fértil na atual radicalização política que divide o Brasil.

Para o psicólogo e historiador da ciência Michael Shermer, tudo começa com uma crença. “O cérebro é uma máquina de crenças. A partir dos dados que fluem através dos sentidos, o órgão naturalmente começa a procurar e encontra padrões, aos quais então infunde significado. Uma vez formadas as crenças, o cérebro começa a procurar e a encontrar evidências que as confirmem, o que aumenta a confiança emocional e acelera o processo de reforço dessas crenças”, afirma ele em seu livro “Cérebro e Crença”, publicado no Brasil em 2012. Para Shermer, as teorias da conspiração nascem onde a ciência falha em dar explicações.

Mas outros especialistas argumentam que nem sempre essa “lacuna” é da ciência. “Existem teorias conspiratórias que são como se as pessoas criassem uma explicação paralela. Há, de um lado, uma explicação científica, e, de outro, uma fantasiosa”, aponta o psicólogo Gustavo Teixeira, mestre em análise de comportamento.

A teoria que afirma que o homem nunca pisou na Lua é uma dessas. As evidências estão lá, mas ainda há quem acredite que toda a operação transmitida mundialmente pela TV, em 1969, não passou de uma montagem cinematográfica orquestrada pelo governo dos EUA e dirigida por ninguém menos que Stanley Kubrik.

Gustavo Teixeira, contudo, concorda com Shermer no fato de as crenças serem “mães” das teorias da conspiração. “Elas surgem para atender um desejo íntimo. Aquilo é o que a pessoa quer acreditar, então, mesmo sendo muito remota a possibilidade de ser verdade, o indivíduo se apega a ela”, comenta. Aqui poderíamos encaixar a teoria da conspiração que afirma que o 11 de Setembro foi orquestrado pelo próprio governo dos EUA.

Horda de desinformados. Outra possível explicação para a gênese das teorias da conspiração está em uma dificuldade das pessoas em admitir não ter informações suficientes sobre determinado assunto. “Essas teorias têm origem na sociedade da informação, na qual vivemos agora. Há uma explosão de informações, e, de outro lado, existe uma coisa que as pessoas frequentemente colocam em prática, que é o horror de se manterem desinformadas”, explica o historiador João Furtado, professor de história contemporânea na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para não assumir que não têm as informações necessárias para tomar uma decisão – e, quando o assunto é política, por exemplo, sempre há fatos que a população desconhece –, as pessoas começam a inventar hipóteses que lhes pareçam razoáveis e explicativas. Junte a essa fórmula a capacidade de alcance e a rapidez com que circulam as informações na era do Facebook e do WhatsApp, e o resultado são essas teorias se espalhando como um rastilho de pólvora.

É daí que vem o cabo de guerra que o Brasil vive. De um lado, os defensores de que a presidente do país está sendo vítima de um golpe, supostamente orquestrado pelos partidos de direita, pelos militares e pela mídia; de outro, o grupo que tem certeza de que o Brasil está nas mãos de um governo radicalmente de esquerda, prestes a transformar o país em uma nova Venezuela. Provavelmente, nenhum dos dois está certo.

“Temos uma presidente que não tinha estatura para assumir o cargo que conquistou. Como as pessoas têm dificuldade em aceitar que suas escolhas foram malfeitas, começam a imaginar que ela está sendo derrotada pela mídia, por um grupo de golpistas”, diz Furtado. Mas o “outro lado” não fica para trás. “Eles acreditam que o Brasil vai virar uma grande Venezuela. Sabemos que o PT não é um governo de esquerda, mas eles acreditam piamente que é e que, em breve, teremos a fila do pão, a escassez de insumos etc.”, comenta.

Complôs podem ser falsos, mas seus efeitos são verdadeiros

Teorias da conspiração estapafúrdias podem parecer inofensivas para os que não são adeptos. Mas o problema dessas crenças, para João Furtado, professor de história da UFMG, é que elas geram consequências bem reais. “O crescimento do (deputado Jair) Bolsonaro é uma delas. Ele é levado a sério por 6% de pessoas (segundo pesquisa de intenções de voto realizada em março pelo Datafolha) que estão achando que o Brasil está a um passo de um governo como o da Venezuela”, aponta o professor.

Ele explica que a pessoa paranoica começa a conspirar para “contrapor” os efeitos da conspiração que julga estar vivendo. O resultado disso é a radicalização das opiniões políticas, que são vistas em qualquer esquina hoje em dia.

Em outros casos, as teorias da conspiração podem ter efeitos drásticos na vida das pessoas. Um exemplo é o movimento antivacina, já muito forte na Europa e que está conquistando fiéis no Brasil. Os adeptos dessa teoria acreditam que os governos, as entidades médicas e os próprios médicos estão – todos eles – vendidos para a indústria farmacêutica. Assim, eles aprovam e defendem vacinas pouco seguras e que poderiam levar à morte. “A vacina carrega esse estigma há muito tempo. Na época da Revolta da Vacina (1904), já havia esse mesmo argumento de que elas eram o agente da doença, e não a solução”, relembra o professor. Acreditando nisso, muitos pais e mães têm optado por não vacinar os filhos – expondo-os, aí, sim, a um risco de vida.

A “receita” para não cair em uma teoria da conspiração é simples, apesar de trabalhosa. “Só há uma forma de combater a má informação, que é a informação crítica. Sempre alerto meus alunos de que informação não é conhecimento. O conhecimento surge quando você critica a informação”, orienta Furtado.

Para convencer os mais fanáticos, o psicólogo Gustavo Teixeira dá uma dica: “Faça boas perguntas. Assim, há mais chances de a pessoa ter o controle da informação e ficar mais sensível a essa resposta”. Pelo bem da verdade, vale a tentativa. (RS)

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