O Medi-Cine é um projeto personalíssimo de Mercedes Martínez, criminologista e psicoterapeuta que trata seus pacientes com filmes que, depois de vistos, são debatidos.
Segundo a especialista, essas belas histórias incentivam a superação de crises pessoais profundas; “e, se nem sempre podem substituir um especialista [psicólogo], ajudam a encontrar um caminho”. A seu ver, sentir-se só é uma das grandes queixas contemporâneas porque evitamos ver que desfrutar da privação de companhia é uma prova a mais de nossa boa saúde mental.
“É questão de educação, de autoestima e do que aprendemos sobre o amor próprio. Apaixonar-se por alguém sem cair no narcisismo é aprender a viver na companhia da nossa solidão, seja ela circunstancial, escolhida ou imposta, até o ponto de convertê-la em prazerosa. Essa seleção de filmes é uma boa maneira de começar a alcançar esse ponto.
MARION COTILLARD NUMA IMAGEM DE ‘ATÉ A ETERNIDADE’
Seu poder de sedução aumenta
‘Entre Dois Amores’ (Sydney Pollack, 1985). O protagonista do filme, Denys Finch-Hatton, talvez seja um dos personagens emocionalmente mais inteligentes do cinema em sua capacidade de amar e entregar-se de modo independente, respeitando sua liberdade acima de tudo.
Existe nesse personagem, interpretado por Robert Redford, um alinhamento coerente entre o que pensa, o que diz, o que sente e o que faz. Não há fingimento em sua solteirice, o que o converte em alguém tremendamente desejável. Já começa a ver os benefícios?
ROBERT REDFORD EM ‘ENTRE DOIS AMORES’
Livres para a aventura
‘Até a Eternidade’ (Guillaume Canet, 2010). O personagem que Marion Cotillard interpreta e seu amigo de infância defendem até as últimas consequências sua condição de solteiros. Eles têm um GPS emocional que os afasta de tudo o que cheire a compromisso numa relação estável. Sua independência lhes permite trabalhar em países exóticos para organizações humanitárias, elevando o amor impessoal, conceitual, ao nível da disciplina. Eles se refugiam na amizade com todos os seus matizes.
CENA DO FILME ‘ATÉ A ETERNIDADE’
Um grande processo de aprendizagem
‘Na Natureza Selvagem’ (Sean Penn, 2007). O filme se baseia numa história real e mostra um personagem que orienta sua solidão para a natureza selvagem como única companheira. Sua decisão é tão firme que vai deixando pelo caminho vínculos de muita qualidade, talvez por medo de repetir as feridas do modelo familiar que ele rechaça e do qual foi vítima. Como a decisão não tem por que ser definitiva, volta para compartilhar o que entendeu sobre o sentido da vida. Isso não acontece e ele se perde.
No caminho de volta, ao deparar com o primeiro obstáculo, já cansado da sobrevivência, não é capaz de criar opções ou uma situação favorável, repete o que já é conhecido e sucumbe, mas não sem antes chegar à iluminação.
EMILE HIRSCH NUMA IMAGEM DE ‘NA NATUREZA SELVAGEM’
Amantes e amigos povoam sua vida
‘Sob o Sol da Toscana’ (Audrey Wells, 2003). A protagonista não só ficou solteira. Também se livrou de um companheiro nefasto. Depois do desgosto inicial de repentinamente saber que está sendo enganada, dá-se conta de que estar solteira lhe permite ficar disponível para uma infinidade de oportunidades. Escolhe fazer uma viagem à Itália e, deixando-se levar, muda de vida, comprando uma casa na Toscana.
No novo endereço conhece uma senhora que mantém relações pela internet, o que lhe permite ocultar sua idade e fazer falar seu coração apaixonado; testemunha a força do primeiro amor que surge num casal de adolescentes; e também presencia o amor imenso e natural da relação estável e engajada de seus vizinhos maduros. Além disso, consola suas melhores amigas por suas separações e se entrega à sensação livre de ter um amante, celebrando sua recente condição de solteira. Isso soa muito bem.
DIANE LANE E RAOUL BOVA EM ‘SOB O SOL DA TOSCANA’
TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS
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