Ciúme, admiração ou inveja?

psicologiasdobrasil.com.br - Ciúme, admiração ou inveja?

Talvez você já conheça o conto popular sobre um homem invejoso que vivia a imitar e a cobiçar as realizações do seu vizinho. Como não conseguia ter exatamente o que seu vizinho tinha nem agir exatamente como ele agia, vivia irritado, criticando e colocando defeitos nas realizações do mesmo. Estava sempre à espera de uma oportunidade para privar o tal vizinho de algo e, em uma bela tarde, foi surpreendido com a visita de uma fada (ou bruxa?) que lhe concedeu o privilégio de fazer um pedido, o qual seria prontamente atendido, mas com a condição de que tudo o que lhe fosse dado, seu vizinho teria em dobro.

O homem invejoso, rapidamente pensou numa forma de prejudicar seu vizinho: pediu que a fada lhe cegasse um olho. Ela realizou seu desejo conforme havia prometido. Ao se perceber cego de um olho, logo perguntou se o seu vizinho ficaria cego dos dois olhos. Mas para a sua decepção, a fada o lembrou do combinado de dar em dobro ao vizinho o que lhe fosse concedido e não o que lhe fosse tirado. Desta forma, o invejoso perdeu um olho e o vizinho continuou com seus dois olhos. Moral da história: A inveja cega mentalmente e traz prejuízo para quem a tem.

Mas qual é diferença entre ciúme, admiração e inveja?

A diferença entre a pessoa invejosa e a ciumenta é que a invejosa sofre ao ver que o outro tem algo que ela quer exclusivamente para si mesma, já a ciumenta sente que o amor que lhe é devido foi ou está a perigo de ser roubado por outra pessoa. Desta forma, podemos entender que quem tem ciúme tem medo de perder aquilo que já é seu, enquanto a pessoa invejosa sofre ao ver que o outro tem aquilo que ela quer exclusivamente para si mesma e, desta forma, a satisfação alheia lhe é muito penosa.

De tanta preocupação com a inveja, há quem faz confusão pensando que qualquer pessoa que o admira é invejosa! Não é bem assim. A admiração pode ser um excelente ponto de partida para a formação de vínculos. Se a pessoa que admira é invejosa, esse vínculo aos poucos se transforma em pura imitação.

Tanto na admiração quanto na inveja, a identificação entre duas pessoas está relacionada ao desejo, mesmo que inconsciente, de ser igual ao outro. Desde crianças temos em mente algumas pessoas admiráveis, as quais temos como exemplo de pais, avós, profissionais, enfim. A grande diferença entre admiração e inveja é que na primeira há um vínculo de amor que propicia um relacionamento sadio, na segunda há uma forte cobiça destrutiva.

A inveja sempre se dirige a algo que já pertence à outra pessoa. Esse algo pode ser um bem material ou até mesmo um atributo físico ou psíquico, e, sua falta é sentida como extremamente dolorosa.

Para o invejoso, esse “algo” que cobiça não pode ser compartilhado com mais nenhuma pessoa porque é especial e único. Por isso, não lhe satisfaz se conseguir possuir algo igual ou parecido ao que o outro, que ele inveja, já possui. Quem se contenta com isso não é invejoso, mas sim, uma pessoa que teve um legítimo desejo ou admirou algo em alguém e se inspirou para possuir “algo” parecido. A pessoa invejosa quer possuir exatamente aquilo que já é posse de outra pessoa (acredita que “sempre o que é do outro é melhor”) porque quer ser a única a possuir algo tão único e almejado.

O conhecido “jogo de comparações com os demais” é uma característica inevitável do invejoso. Mas este quer ser sempre o vencedor! Se existir a possibilidade dele ser “humilhado” como perdedor, não se arrisca em fazer comparações para evitar pôr em prova suas reais capacidades e, agindo dessa forma, fecha as portas para muitas oportunidades que a vida lhe proporciona. Ele prefere se abrigar num mundo seguro de ilusão e devaneio e, desta forma se torna cada vez mais crítico ao contemplar as realizações dos outros.

É impressionante o quanto as pessoas invejosas tem medo da inveja dos outros. E “abraçado” a essa ideia, acaba tendo poucas realizações, como uma forma de justificar que ele não roubou nada de ninguém e que jamais seria uma ameaça para os outros. Essas pessoas têm uma enorme sensibilidade a perdas de coisas que consideram valiosas por considerarem que quem perde é porque não é merecedor ou é indigno de possuir o que é bom; o outro, sim, tem porque merece.

Para amenizar a dor da privação, o invejoso encontra somente duas soluções: uma é de “pegar” para si aquilo que é do outro, independente de como isso seja feito, outra solução é dar um jeito de privar o outro da posse do “algo” idealizado e cobiçado, o que é feito comumente por meio do denegrimento da imagem do outro.

Pode ocorrer que a pessoa invejosa sinta como abandono o afastamento de alguém ardentemente desejado e amado. Esse sentimento tão penoso se produz com o ódio, com o despeito e com juras de vingança. Essas pessoas vivem ressentidas e rancorosas e, por essa razão, elas caracterizam os seus relacionamentos interpessoais com as inúmeras variantes de desprezo, deslealdade, traição, infidelidade e falsidade.

Pessoas rancorosas e ressentidas são “colecionadoras de decepções” e injustiças. Portanto, buscam a completude de seus desejos irrealizáveis e até encontram alguma gratificação, mesmo que por pouco tempo. Logo, sobrevém outra decepção seguida por um afastamento que as faz pensar: “Depois desse desaforo, tal pessoa se acabou para mim”. A partir daí, todo o ciclo recomeça com uma nova e inalcançável busca do paraíso perdido.

Além das “colecionadoras de injustiças”, existem as “colecionadoras de amizades”! São do tipo de pessoas que tem uma enorme necessidade de reunir e acumular uma grande quantidade de pessoas para lhes reassegurar de que elas não são más e nem são invejosas e, por tanto, nunca ficarão sozinhas – se uma amizade faltar, terão outra a quem recorrer. E assim, essas pessoas seguem a vida, cultivando popularidade e fraternalizando as suas amizades, sendo que, no fundo, podem estar utilizando o amor como uma forma de desviar o ódio e os seus perigos.

E o pior é que as pessoas bem dotadas de inveja costumam ser “colecionadoras de adoradores”, ou seja, buscam se manter rodeadas de pessoas que consideram medíocres (ao mesmo tempo tem uma intolerância pelos que são assim), porque essas, além de lhes garantir o  alimento necessário para a exaltação narcísica da autoestima, não lhes representam uma ameaça em vir a lhes despertar o tão doloroso sentimento de inveja.

Os invejosos podem se tornar compulsivos “contadores de vantagens”! Sabe por quê? Porque ao constatar a ausência do sentimento de inveja nos demais, usam um método sutil de defesa para que a inveja não se manifeste em si mesmos: “contam vantagens para despertar o sentimento de inveja nos outros”. Outro método utilizado para se defender da inveja consiste em sufocar os sentimentos de amor, trocando-os pelo ódio porque com este último se previnem de uma insuportável frustração.

A junção dos dois métodos de defesa já mencionados resulta na “técnica da provocação”, através da qual a pessoa invejosa busca desapossar o outro de atributos ou algo, os estão sendo invejados. Por exemplo, se uma mulher tem inveja da calma do seu vizinho, poderá o irritar com a intenção de o “desapossar” desse jeito admirável de ser mesmo que isso dure pouco, – assim, por um tempo, não terá que o valorizar ou admirar pelo seu jeito calmo de ser, logo nenhuma inveja será manifesta. Neste sentido, podemos entender que, ao invejoso, não basta possuir o que o outro já possui, lhe é necessário que esse outro seja desprovido desses valores, mesmo que isso lhe dê prejuízos.

Referência:
Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed.