Ciúme: defendendo as necessidades

Algumas pessoas acreditam que, na relação amorosa, o ciúme é um elemento romântico que indica o interesse e amor sentidos um pelo outro. Outras acreditam que relacionamentos saudáveis não deixam margem para o ciúme. Alguns negam sentir a presença dele como se temessem pelo seu equilíbrio emocional. Outros o assumem como se anunciassem não medir esforços para defender a continuidade do relacionamento. Em um aspecto todos concordam: sentir ciúme é desconfortável.

O ciúme é uma reação natural de todos nós diante da ameaça, real ou imaginária, de ser abandonado pela pessoa amada ou de perder seu afeto e atenção para um rival. O ciumento deseja ser a prioridade na vida do parceiro, e o seu sentimento pode induzir ao monitoramento e controle do companheiro no intuito de sentir mais segurança e tê-lo com exclusividade, uma vez que o ciúme implica o desejo de ser a pessoa mais importante, e única, na vida do amado.

Se o olhar amoroso do parceiro se destina a uma terceira pessoa, esta é considerada rival. Na disputa pelo amor do amado, o rival não é necessariamente alguém que poderia formar um par amoroso ou sexual com o companheiro, podendo ser um amigo ou familiar que ameace a exclusividade.

Muitos associam a falta de demonstrações de ciúmes ao desinteresse pela relação e ausência de paixão. Uma triste constatação para os românticos que suspiram de satisfação acreditando que o ciúme é um indicativo de amor intenso: as pessoas egoístas e interesseiras também sentem ciúmes e cuidam com grande zelo da pessoa “amada”, já que temem perder o relacionamento que lhes é oportuno.

Ter medo de perder o parceiro não significa necessariamente amor intenso ao companheiro, podendo estar mais relacionado à incapacidade de lidar com frustrações ou com o medo de perder benefícios que o parceiro proporciona, sejam‍ eles emocionais ou materiais. Além disso, muitas pessoas temem a solidão, sendo conveniente defender a continuidade do relacionamento para suprir suas necessidades emocionais.

As questões culturais e sociais também influenciam, e apimentam, as nuances do ciúme, que em outra época era especialmente permitido aos homens em defesa da honra. Transformado em um aspecto da problemática feminina, foi associado ao descontrole e insegurança. Hoje, o ciúme se manifesta de formas diferentes entre homens e mulheres. Enquanto o maior temor deles é que a parceira encontre um novo par sexual, as mulheres têm medo de perder o amor de seus amados.

As cenas protagonizadas pelo ciúme feminino são culturalmente estimuladas e esperadas das mulheres que desejam zelar pelo seu parceiro. Equivocadamente, a ausência de tais cenas é vista como um indício da falta de amor da mulher ou da sua incapacidade de lutar pelo que deseja.

Ademais, não é incomum que a mulher traída alimente ódio pela outra mulher, resguardando o parceiro de seus sentimentos mais agressivos e dando continuidade à relação. Assim, para conseguir seguir com o relacionamento, a indecência e outros julgamentos morais recaem sobre a “outra”, embora a responsabilidade do homem em relação às decisões que toma não dependa da conduta de outras pessoas.

Em contrapartida, o homem traído que continua no relacionamento enfrenta o rótulo social de inferioridade e fraqueza por não ter sido capaz de substituir a parceira. A honra do homem é de responsabilidade da parceira. Entretanto, o homem não é responsabilizado pela honra dela, nem por suas próprias atitudes que são convenientemente minimizadas e até permitidas.

Motivados pelos desejos românticos, criamos uma doce ilusão ao redor da palavra “amor”, como se a simples menção dela tivesse o poder de transformar todas as emoções em sublimes e as atitudes em legítimas, em prol do “amor”. Mas quando o ciúme provoca a obsessão em saber se foi traído – com quem? Onde? Quantas vezes? – é o desespero quem governa a situação, impedindo que haja controle sobre o sentimento.

Diante da ameaça e medo de perder o amor do parceiro, o ciúme aparece naturalmente na tentativa de preservar o relacionamento. Contudo, é considerado patológico quando é constante e excessivo, gerando prejuízos para o casal. Em condições extremas de fantasias e desconfianças irracionais, esse sentimento pode provocar atos violentos. Ao perceber que o discernimento pode ser afetado por emoções intensas, o ciumento entende a importância de questionar seus próprios pensamentos.

Por se tratar de algo natural, que vivenciamos desde a infância, não é possível eliminar o ciúme dos traços humanos e estar imune a ele, porém, é possível administrar as atitudes provenientes dele. O direito de sentirmos ciúme não nos autoriza a agirmos como se o parceiro fosse nossa posse, nem de oprimi-lo. Quando o ciúme causa descontrole e sofrimento é necessário buscar ajuda para compreender sua origem e descobrir formas saudáveis e satisfatórias de lidar com estas situações.






Psicóloga clínica com enorme interesse nos processos e mecanismos envolvidos nas interações e comportamentos humanos. Com orientação psicanalítica, mantém uma abordagem integral do ser humano e sua subjetividade. Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pós-graduanda em Dinâmicas das Relações Conjugais e Familiares pela Faculdade Meridional (IMED). .