Por Iran Giusti
Lembro direitinho a primeira vez em que fui a uma psicóloga. Eu tinha em torno de nove anos de idade e meus pais acharam que poderia ser bom para mim depois de diversas dificuldades na escola, manias excessivas e acessos de raiva.
Desde então tenho tido acompanhamento de psicoterapeutas, com alguns intervalos. Aos onze anos fui diagnosticado com transtorno de pânico e aos 16 anos tentei suicídio.
Segui a vida, às vezes bem, às vezes mal, mas sempre indo. Até que aos 25 anos voltei a ter crises severas de pânico, pensamentos suicidas recorrentes, comportamento obsessivo, ataques de raiva e crises de choro. Mal conseguia trabalhar e lutava diariamente para sair da cama e, mesmo fazendo terapia duas vezes por semana, acabei indo parar em uma emergência psiquiátrica onde me receitaram um calmante tarja preta e um antidepressivo controlado.
No começo, não queria tomar remédios porque achava que eu não seria mais “eu”.
Depois que fui medicado na primeira grande crise que tive, busquei um psiquiatra de confiança e expliquei que não gostaria de seguir com os remédios por medo de ficar entorpecido. Já tinha lido muito a respeito e tenho acompanhado o crescimento do consumo de remédios para doenças mentais no país. No mais, muitos amigos e conhecidos recorrem a estas drogas com frequência para fugir dos problemas. Na minha cabeça, me medicar seria ignorar o problema e não tratá-lo.
Precisei saber mais para finalmente ficar bem com o remédio.
Foram duas horas de sessão e a conclusão de que o medicamento poderia me ajudar. “Pense que você sofreu uma fratura e precisa fazer fisioterapia. O problema é que se a fratura estiver doendo muito, você não consegue fazer os exercícios e melhorar”, disse-me o psiquiatra. Depois disso, também li muitas matérias, artigos e conversei com alguns amigos que já tinham tomado remédios. Entre as pessoas próximas, todas recomendaram que eu aceitasse ser medicado.
Ser realmente ouvido pelo psiquiatra e poder opinar foi essencial para o processo.
Depois de muita pesquisa e conversa, fiz um acordo com o psiquiatra que deixaria de tomar o calmante em 15 dias. Foi uma solução encontrada por ele por entender que eu temia ficar dependente (o calmante é tarja preta exatamente pelos riscos que ele oferece).
Isso foi incrível porque encontrei um profissional que realmente me escutou e hoje, se um dia eu precisar, não terei problemas em retornar com o calmante, desde que acompanhado pelo psiquiatra e com cautela. Quando você encontra diálogo, as decisões são menos difíceis.
Eu me perguntava o que era pior: as crises ou os efeitos colaterais.
Ao retirar o calmante tive, como a maioria das pessoas, efeitos colaterais. Por cerca de uma semana tive muito sono, problemas intestinais e dores de cabeça. O tempo todo eu tentava decidir o que era pior: ter as crises ou lidar com esses efeitos? Quando estava acostumado com a medicação, chegou a hora de parar também com o antidepressivo. Isso foi caótico. Após uma semana as crises voltaram com tudo.
Precisei ter paciência para entender que eu não tinha controle sobre a evolução do tratamento.
A indicação inicial do psiquiatra era de um tratamento com um antidepressivo com a duração de quatro meses. Ele tinha tomado essa decisão com o objetivo de me observar com e sem os medicamentos novamente. Quando acabou esse tratamento, as crises voltaram. Depois disso, com um diagnóstico “definitivo”, ele propôs um tratamento de maior duração.
É importante ressaltar que o tratamento não é definitivo porque aprendi que as coisas evoluem – inclusive diagnósticos e medicamentos – por isso tive que trabalhar muito isso em mim. É preciso ter paciência e ir testando, ajustando doses e lidando com efeitos. Pode parecer muito estressante, mas com apoio de pessoas próximas e bons profissionais é mais tranquilo.
No fim das contas, eu descobri que o remédio é mais uma das ferramentas que posso usar para melhorar e me conhecer melhor.
Nesses oito meses aprendi a refletir e fazer minhas escolhas com cuidado. Optei por um psiquiatra que conversa com meu terapeuta. Vou a todas as sessões da análise religiosamente, comecei a praticar atividades físicas, melhorei minha alimentação e me cerquei de pessoas incríveis que me ajudaram muito.
A decisão de aceitar a ajuda dos medicamentos foi muito importante. O meu tratamento pode acabar em três, cinco ou dez anos. Nunca se sabe o que vai acontecer quando se trata de doenças mentais. Porém o que eu sei, o que eu senti, é que sou uma pessoa mais capaz de lidar com a minha vida. Mais feliz com os próprios pensamentos, mais consciente das decisões e atos.
Engraçado que não queria tomar remédio porque achava que não seria mais eu, e no fim das contas, com a ajuda dele acabei tendo mais controle de mim mesmo. Sendo mais eu.
TEXTO ORIGINAL DE BUZZFEED